1. Uma fecunda experiência de vida
A minha atuação como defensor de presos e perseguidos políticos durante o regime militar (1964-1985) tem motivado diversos convites para narrar a experiência vivida naqueles “anos de chumbo”, quando houve a supressão de liberdades públicas, direitos e garantias individuais em nome da chamada Segurança Nacional. Tenho feito palestras para estudantes de Direito acerca desse trecho da História de nosso país. Afinal, como disse muito bem o filósofo, ensaísta e poeta espanhol, George Santayana (1863-1952) : “Um povo que não conhece a própria história está condenado a repeti-la”.
O artigo de hoje revela, em formato maior, o conteúdo das exposições feitas no Centro Universitário UniBrasil e na Faculdade de Direito de Curitiba e as positivas reações. E o que aconteceu quando procurei levar o assunto para os acadêmicos da Universidade Federal do Paraná.
2.Introdução para uma história dos anos de chumbo
O ciclo dos governos autoritários que se sucederam, a partir de 1964, findaram, em 1985, com a posse de JOSÉ SARNEY, substituindo o pranteado TANCREDO NEVES, cuja morte antecipada não lhe permitiu realizar o sonho dos brasileiros: a sua posse na presidência da República.
Os anos de chumbo, impostos pela ditadura militar, não estão clara e suficientemente conhecidos e analisados pelos profissionais e estudiosos de Direito nascidos nos anos 1980. E muito menos pela juventude acadêmica dos dias correntes. A minha geração, diferentemente, participou intensamente do processo de liberdades, direitos e garantias, proporcionados pela experiência do Governo JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA (1956-1961), e pela resistência heróica em favor da posse de João Goulart, ameaçada por militares contrários à ordem democrática, que não admitiam a sucessão constitucional após a renúncia de JÂNIO QUADROS (1961).
Mas a ruptura institucional, paradoxalmente confirmada na noite de 1º de abril (o dia consagrado à mentira) quando o Presidente do Senado Federal, Auro de Moura Andrade, declarou estar vaga a presidência sob a informação mendaz de que João Goulart teria abandonado o cargo ao sair de Brasília. Em seguida foi empossado Ranieri Mazzilli, que presidia a Câmara dos Deputados. Na verdade, porém,o legítimo presidente estava em Porto Alegre e somente no dia 3 de abril asilou-se no Uruguai.
A multiplicidade de prisões como reação em cadeia, por um lado, e as manifestações de euforia, por outro, eram contrastes que revelavam cenários tão distintos quanto antagônicos. Nas ruas e nas praças, ressonavam os slogans das marchas “da família, com Deus pela liberdade”, enquanto nos porões e nas salas de tortura, ecoavam os sons dos gemidos e modelavam-se as máscaras dos tormentos físicos e espirituais.
Foram os anos em que se restauraram em nosso país as práticas da violência institucionalizada e da degradação do sistema constitucional e legal vigentes. Eles desvendaram trechos de um direito penal do terror, com os processos utilizados contra dissidentes ideológicos e políticos e todos quantos passariam a receber o labéu de subversivo. Os inquisidores, foram reencarnados; as vítimas, sacrificadas em homenagem aos novos deuses; o itinerário das penas corporais e infamantes, tudo isso, e mais os infernos da mente, inundaram os espaços públicos e particulares dos brasis condenados a reencenar suplícios e martírios.
Desde os primeiros dias de abril de 1964 até o final dos anos 70, quando a Emenda Constitucional nº 11, de 1978, revogou o malsinado Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, foram retomados os meios e os métodos das terríveis Ordenações Filipinas, que, de 1603 até o advento da Constituição imperial (1824), abateram-se sobre o nosso generoso povo. O preciosismo dos tormentos era destacado em função do crime de heresia, cujo processo era deferido aos tribunais eclesiásticos: “Além das penas corporaes, que aos culpados de dito malefício forem dadas, serão seus bens confiscados, para se delles fazer o que a nossa mercê for, posto que filhos tenhão”.
A intitulada Revolução de 1964 desarquivou os variados tipos de autores que circulavam ao tempo das leis do Reino de Portugal: hereges, apóstatas, feiticeiros, blasfemos, benzedores de cães e outros bichos sem autorização do Rei, além de categorias criminais diversas, que deambulavam nas salas dos interrogatórios torturantes e nas fétidas celas dos presídios. E, no lado oposto, desfilavam os dirigentes e os inúmeros prepostos do Comando Supremo, inflado pela colaboração de imensas legiões de alcagüetes, prebostes e revolucionários de primeira hora, que, encarnando instâncias do poder civil, eram, ao mesmo tempo, os atores e os espectadores daquele teatro do absurdo. Eles se acasalaram aos militares num contexto de propaganda dirigida contra os pilares nos quais estaria assentado o inferno da democracia: a subversão e a corrupção. E, extremo paradoxo: os demônios deveriam ser exorcizados pelas marchas da família, com Deus e pela liberdade!
3. “Eu era feliz e não sabia”
Parodiando trecho de imortal canção popular de ATAULFO ALVES (“Meus tempos de criança”), o democrata que, no dia 9 de abril de 1964, ouvisse no rádio a notícia da edição do Ato Institucional nº 1, certamente pensaria: “eu era feliz e não sabia”.
O Golpe de Estado, e não a Revolução de 31 de Março, como difundiu a propaganda oficial do novo regime, teve a sua declaração de abertura formal com a edição do mencionado Ato, de 9 de abril de 1964.
O Comando Supremo da Revolução, representado pelos comandantes em chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, resolveram editar o Ato Institucional nº 1, que vigorou até 31 de janeiro de 1966, e operou modificações na Constituição de 1946. Destacaram-se as seguintes: a) Instituiu a primeira eleição indireta no regime militar, determinando que, em 2 (dois) dias, a contar do Ato, seriam eleitos pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal, o Presidente e o Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminariam em 31 (trinta e um) de janeiro de 1966; b) Determinou que o Congresso Nacional apreciasse os projetos de lei enviados pelo Presidente da República em 30 (trinta) dias. Passado tal prazo sem exame, os projetos seriam tidos como tacitamente aprovados; c) O Presidente da República poderia enviar projeto de lei sobre qualquer matéria; d) Foram suspensas, por 6 (seis) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade. Os titulares de tais garantias, dentro do prazo mencionado, poderiam, mediante investigação sumária, ser demitidos, dispensados, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para reserva ou reformados, por decreto presidencial ou por decreto do governo de Estado, “desde que tivessem atentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade da administração pública” (art. 7º, § 1º); e) O controle jurisdicional desses atos limitar-se-ia ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que os motivaram, bem como da sua conveniência e oportunidade; f) O Presidente da República poderia suspender, sem qualquer limitação constitucional, “no interesse da paz e da honra nacional”, os direitos políticos por 10 (dez) anos, e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos (art. 10)[1].
4.A extinção dos partidos políticos
O Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, vigorou até 15 de março de 1967, e operou novas modificações na Constituição de 1946. Destacaram-se as seguintes: a) Estabeleceu que a votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, que começaria na Câmara dos Deputados, deveria ser concluída em 45 (quarenta e cinco) dias. Esgotado esse prazo sem deliberação, o projeto deveria ser remetido ao Senado Federal, para ser apreciado no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo o qual, seria considerado tacitamente aprovado; b) Instituiu as eleições indiretas para Presidente e Vice-Presidente da República, a serem realizadas pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal; c) Autorizou o Presidente da República a: c1) Decretar estado de sítio, ou prorrogá-lo, pelo prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, “para prevenir ou reprimir a subversão da ordem interna”. O ato que decretasse o estado de sítio indicaria as garantias constitucionais que continuariam em vigor; c2) Decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, podendo, durante o período, legislar sobre todas as matérias mediante decretos-lei; c3) Suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 (dez) anos e a cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, sem qualquer limitação constitucional,“no interesse de preservar e consolidar a Revolução”. Tal suspensão acarretaria, concomitantemente, dentre outras penalidades, a proibição de participar de qualquer atividade de cunho político, podendo gerar, inclusive, “quando necessária à preservação da ordem pública e social”, a aplicação das “medidas de segurança” de liberdade vigiada, de proibição de frequentar certos lugares e de obrigatoriedade de estabelecer domicílio determinado; c4) Decretar a intervenção federal nos Estados, “para prevenir ou reprimir a subversão da ordem” (art. 17). A intervenção deveria ser submetida à apreciação do Congresso Nacional; c5) Baixar atos complementares ao Ato e decretos-leis sobre matéria de segurança nacional; d) Suspensão das garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício por tempo certo. Os titulares dessas garantias poderiam ser demitidos, removidos, dispensados, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, por decreto do Presidente da República, “desde que demonstrassem incompatibilidade com os objetivos da Revolução” (art. 14, parágrafo único); e) Extinção dos partidos políticos então existentes, para admitir a criação de somente dois: A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) [2]. ; f) Foram excluídos da apreciação do Poder Judiciário “os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo Federal”, com fundamento nos atos institucionais [3].
5.Eleições indiretas para Governador e nomeação de Prefeitos
O Ato Institucional nº 3, editado em 5 de fevereiro de 1966: a) Instituiu as eleições indiretas para Governador e Vice-Governador de Estado. A eleição de Governador e Vice-Governador deveria ser feita pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, em sessão pública e votação nominal; b) Estabeleceu que os Prefeitos das Capitais seriam nomeados pelos Governadores, mediante prévio assentimento da Assembleia Legislativa ao nome proposto; c) Os Prefeitos dos demais Municípios seriam eleitos pelo voto direto e maioria simples, admitindo-se sublegendas; d) Fixou datas para as eleições de Governadores e Vice-Governadores; Presidente e Vice-Presidente da República; Senadores e Deputados Federais e estaduais [4].
6.Uma nova Constituição em 43 dias
O Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966, declara, em sua abertura, que a Carta Política de 1946, além de ter recebido numerosas emendas, não atendia mais às exigências nacionais. Segue-se uma exposição de motivos em miniatura: “Considerando que se tornou imperioso dar ao País uma Constituição que, além de uniforme e harmônica, represente a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”; “considerando que somente uma nova Constituição poderá assegurar a continuidade da obra revolucionária”: a) O Congresso Nacional foi convocado para se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967, para discussão, votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República; b) O relator tinha o prazo de 72 horas para emitir parecer pela aprovação ou rejeição do projeto; c) Foi estabelecido o prazo de 4 (quatro) dias para a discussão do projeto em sessão conjunta das duas Casas do Congresso; d) O Presidente da República poderia baixar Atos Complementares e Decretos-leis em matéria de segurança nacional, até 15 de março de 1967.
7. A suspensão da garantia do habeas corpus
O mais grave dos éditos revolucionários, o Ato Institucional nº 5, baixado em 13 de dezembro de 1968, foi consequência imediata da resistência parlamentar oposta pela Câmara dos Deputados, que negou a licença para o processo e julgamento do Deputado MARCIO MOREIRA ALVES.
Os antecedentes daquele episódio foram assim registrados na recente história política brasileira: com a intensificação das atividades da oposição, especialmente a partir do movimento estudantil e da atuação de membros da Igreja e das forças políticas articuladas na Frente Ampla[6], o governo passou a reagir, com medidas de repressão institucional e as Polícias Militares. No dia 30 de agosto de 1968, a Universidade Federal de Minas Gerais foi fechada, e a Universidade de Brasília foi invadida pela Polícia Militar, que espancou diversos estudantes. O fato repercutiu imediatamente no Congresso Nacional, e no dia 2 de setembro, em protesto contra a invasão da UnB, o Deputado Federal MÁRCIO MOREIRA ALVES pronunciou veemente discurso na Câmara, conclamando o povo a fazer um “boicote ao militarismo”, não participando dos festejos comemorativos do 7 de Setembro, data da Independência do Brasil. O discurso foi considerado pelos ministros militares como “ofensivo aos brios e à dignidade das forças armadas”. Diante de tais reações, o Procurador-Geral da República, DÉCIO MEIRELLES DE MIRANDA, com base no parecer do Ministro da Justiça, LUÍS ANTONIO DA GAMA E SILVA, em 12 de outubro, deu entrada no Supremo Tribunal Federal ao pedido de cassação do mandato do Deputado peemedebista, requerendo, ainda, seu enquadramento no art. 151 da Constituição, por “uso abusivo de livre manifestação do pensamento e injúria e difamação das Forças Armadas, com a intenção de combater o regime vigente e a ordem democrática instituída pela Constituição” [7].
O pedido de cassação provocou grande apreensão no Congresso Nacional. No dia 4 de novembro, o Supremo Tribunal Federal enviou à Câmara o pedido de licença para processar o referido parlamentar. No dia 12 de dezembro, o pedido foi rejeitado por uma diferença de 75 votos (216 votos contra e 141 a favor). Membros do partido governista se aliaram à oposição para consumar aquele que foi um dos maiores atos da resistência parlamentar contra a ditadura militar.
O AI nº 5 autorizou o Presidente da República a praticar os seguintes atos: a) Decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, só voltando as casas legislativas a funcionarem quando convocadas pelo Presidente da República; b) Decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem respeito a qualquer limite constitucional ou controle e fiscalização por parte do Congresso Nacional, para defesa do “interesse nacional” ; c) Suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, “no interesse de preservar a Revolução”. A suspensão importava, concomitantemente, dentre outras penalidades, a proibição de participar de atividades de natureza política, gerando, inclusive, “quando necessária”, a aplicação das “medidas de segurança” de liberdade vigiada, de proibição de frequentar certos lugares e de obrigatoriedade de estabelecer domicílio determinado. O ato que decretasse a suspensão dos direitos políticos poderia estabelecer proibições ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados; d) Demitir, remover, aposentar, pôr em disponibilidade, transferir para reserva ou reformar os titulares das garantias legais ou constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, as quais foram suspensas; e) Decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, em qualquer dos casos previstos na Constituição, fixando o respectivo prazo; f) Decretar, “após investigação”, o confisco de bens daqueles que tivessem enriquecido ilicitamente no exercício de cargo ou função pública; g) Baixar Atos Complementares para a execução do Ato, bem como adotar, “se necessário à defesa da Revolução”, a suspensão da liberdade de reunião e de associação e a censura de correspondência, da imprensa, das telecomunicações e diversões públicas; h) Foi suspensa a garantia de habeas corpus nos casos de “crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”; k) Excluíram-se da apreciação do Poder Judiciário todos os atos praticados de acordo com o AI nº 5 e correspondentes Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos [8].
8.A previsão das penas de morte e de prisão perpétua
Em 31 de agosto de 1969, em face da doença do Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva, os ministros da Marinha de Guerra (Augusto Hamann Rademaker Grünewald), do Exército (Aurélio de Lyra Tavares) e da Aeronáutica (Márcio de Souza e Mello), assumiram, pelo Ato Institucional nº 12, o governo do país. A Junta Militar passou a exercer todas as funções da autoridade impedida.
A Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, estabelecia, no seu art. 150, §º 11: “Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento nem de confisco. Quanto à pena de morte, fica ressalvada a legislação militar aplicável em caso de guerra externa. A lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de função pública”. No entanto, a Junta Militar, através do Ato Institucional nº 14, de 5 de setembro de 1969, deu àquele dispositivo constitucional a seguinte redação: “§ 11. Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Publica, Direta ou Indireta”. Percebe-se o artifício de linguagem, para equiparar o clássico conceito de “guerra externa” (do texto original), ou seja, com outro país, à nova concepção de “guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar” (texto alterado).
Segundo as consideranda do malsinado AI nº 14, a pena capital e a pena por toda a vida foram previstas porque os “atos de guerra psicológica adversa e de guerra revolucionária ou subversiva que atualmente perturbam o país e o mantém em clima de intranquilidade e agitação, devem merecer a mais severa repressão; (...) aqueles atos atingem, mais profundamente a segurança nacional, pela qual respondem todas as pessoas naturais e jurídicas, devendo ser preservada para o bem-estar do povo e desenvolvimento das atividades pacíficas do País, (...)” [9].
9.O conceito legal de Segurança Nacional
O Dec.-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, autorizado pela reforma constitucional, definiu os crimes contra a Segurança Nacional, a ordem política e social, estabeleceu seu processo e julgamento e deu outras providências. Foram cominadas a pena de morte e de prisão perpétua para diversos crimes de natureza política. É oportuno reproduzir um dos tipos penais: “Art. 11. Comprometer a Segurança Nacional, sabotando quaisquer instalações militares, navios, aviões, material utilizável pelas Forças Armadas, ou, ainda, meios de comunicação e vias de transporte, estaleiros, portos e aeroportos, fábricas, depósitos ou outras instalações: Pena – Reclusão, de 8 a 30 anos. § 1º Se, em decorrência da sabotagem, verificar-se paralisação de qualquer serviço, serão aplicadas as seguintes penas: a) se a paralisação não ultrapassar de um (1) dia: Pena – de 8 a 12 anos; b) se a paralisação ultrapassar de um (1) e não ultrapassar cinco (5) dias: Pena – Reclusão, de 10 a 15 anos; c) se a paralisação ultrapassar de cinco (5) e não ultrapassar de trinta (30) dias: Pena – Reclusão de 12 a 24 anos; d) se a paralisação ultrapassar de trinta (30) dias: Pena- Prisão perpétua; § 2º - Verificando-se lesão corporal em decorrência da sabotagem, as penas cominadas nas alíneas a, b e c do parágrafo anterior, serão acrescidas de um terço até, o dobro, proporcionalmente à gravidade da lesão causada. § 3º Verificando-se morte, em decorrência da sabotagem: Pena: Morte.”
Nas raríssimas ocasiões em que a Justiça Militar aplicou as penas de morte e de prisão perpétua, o Superior Tribunal Militar, atendendo aos apelos da defesa, converteu aquelas sanções em pena de prisão por tempo determinado. Os condenados, logo depois, se beneficiariam com a Lei de Anistia (Lei nº 6.683, de 28.08.1979).
O Dec.-Lei nº 898/69, já referido acima, determinava, em seu primeiro artigo, a submissão da sociedade civil à orientação ideológica do regime autoritário, com a seguinte ordem: “Toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional nos limites definidos em lei”. E passava a definir o conteúdo desse valor político: “A segurança nacional é a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos” (art. 2º). E prosseguia: “A segurança nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva” (art. 3º). “A segurança interna, integrada na segurança nacional, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeitos no país (§ 1º). “A guerra psicológica adversa é o emprego da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais” (§ 2º). “A guerra revolucionária é o conflito interno, geralmente inspirado em uma ideologia, ou auxiliado do exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelo controle progressivo da Nação”(§ 3º).
10.A restauração de liberdades, direitos e garantias
O Ato Institucional n º 5 e todos os Atos Complementares foram revogados pela Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978, no que contrariavam a Constituição Federal, com a ressalva dos atos já praticados e da sua exclusão da apreciação judicial. Foi restaurada a proibição das penas de morte e de prisão perpétua em tempo de paz, conforme dispunha o texto original do art.150, § 11, da Carta Política de 1967.
11.As reações distintas dos estudantes de Direito
Antes de cada palestra foram exibidos slides contendo imagem e som durante quinze minutos, mais ou menos. Ao fundo uma voz narrava confrontos entre polícias militares e estudantes; prisões e espancamentos; manchetes de jornais e revistas, numa espécie de inventário de violência e morte.
Os universitários dos dois primeiros estabelecimentos de ensino, compareceram em grande número e participaram ativamente do evento fazendo-me as mais variadas perguntas. A demonstração de interesse em saber uma parte relevante da História do Brasil não houve, porém, com os alunos do Curso de Direito da Federal. Dias antes da reunião (13 de maio, 19 horas), o Centro Acadêmico Hugo Simas havia divulgado o tema da palestra sob o título: “Movimentos populares no Estado Democrático de Direito”.
Estranhei a presença do reduzido número de estudantes (menos de 20), apesar da publicidade feita pela dedicada e eficiente universitária Paula Tracz, que anteriormente fora estagiária em meu escritório com excelente desempenho. Minhas palavras iniciais tiveram o propósito de relaxar o ambiente que percebi estava tenso. Disse para os acadêmicos que não lhes falaria sobre Direito Penal e sim a respeito de assunto de grande interesse nacional. Fez-se um grande silêncio... Apesar disso, arrisquei a primeira pergunta:
“ O que aconteceu em nosso país, no dia 15 de março deste ano?”
Novo e surpreendente silêncio. Eles apenas me olhavam. Eu mesmo respondi:
“O dia 15 de março de 2015 completou 30 anos do fim do regime militar e a restauração do governo civil com a posse do Vice-Presidente José Sarney em face do impedimento do Presidente eleito Tancredo Neves que foi submetido a uma cirurgia de emergência na madrugada daquele dia. E que, infelizmente, veio a falecer em 21 de abril de 1985, sem obter recuperação”.
Nada! Continuavam absolutamente quietos. Apenas me olhavam como seu eu estivesse falando outra língua e em outro lugar.
Volto a perguntar:
“E no dia 12 de abril o que aconteceu? Ouviram falar do “panelaço?”
Nada! Nem mesmo quando insinuei que a multidão fazia barulho com um instrumento de cozinha...
Nada! Após alguns segundos de espera, resolvi quebrar o gelo comentando detalhes do protesto. Ponderei que não tivessem qualquer receio de falar porque a própria Presidente Dilma, ao ser perguntada sobre o episódio, disse que vivemos em uma democracia e que os protestos são legítimos.
Desistindo de falar sobre o tema anunciado, isto é, a liberdade dos movimentos populares em uma democracia, passei a fazer ligeiros comentários sobre as profissões do Direito e as oportunidades que o diploma pode oferecer. Em seguida coloquei-me à disposição para responder alguma pergunta. Nenhuma foi feita!
Anunciei, então, a distribuição gratuita do meu livro, Memória da Resistência Civil- Da ditadura militar à democracia civil: a liberdade de não ter medo”, contendo petições e artigos referentes à experiência da advocacia dos tempos de chumbo. A publicação é do Instituto Memória Editora, sob a direção sensível e o trabalho fecundo de Anthony Leahy.
A partir daquele momento a atmosfera do pesado silêncio dissipou-se e os alunos se aproximaram para receber autógrafos. Os diálogos fluíram entre cumprimentos formais e sorrisos: “- Meu pai foi seu aluno e mandou-lhe um abraço”, disse um deles. “Minha tia é juíza e disse que lembra do senhor”, falou outra. Outros disseram quer tinham me visto na televisão.. Surgiram algumas perguntas que respondi com exemplos práticos. Quanto aos livros, certamente serão lidos ou, pelo menos, folheados. Será um começo para perder o medo e conhecer um pouco do passado...
Mas por que os alunos de minha faculdade, onde estudei e lecionei, de 1962 até 2004, estavam paralisados pelo medo? E medo do quê? Qual seria a estúpida patrulha ideológica que os emudeceu?
[1] Constituições do Brasil – (De 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações, Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1986, 1º, vol., p. 314 e s. A publicação contém o texto integral do AI nº 1, agora reproduzido parcialmente.
[2] O primeiro, para dar sustentação ao Governo; o segundo, da oposição. Tais partidos existiram até 29 de novembro de 1979, quando o Congresso Nacional decretou o fim do bipartidarismo.
[3] O Dec.-lei nº 898/69 previa a pena de morte e de prisão perpétua.
[4] Constituições, cit., p. 344/345.
[5] Constituições, cit., p. 346/347.
[6] Frente Ampla: Movimento político lançado oficialmente em 28 de outubro de 1966 com o objetivo de lutar “pela pacificação política do Brasil, através da plena restauração do regime democrático”. Seu principal articulador foi o ex-Governador do então Estado da Guanabara, Carlos Lacerda. A Frente contou com a atuação dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek de Oliveira e João Goulart e de correligionário de ambos. Foi extinta em 5 de abril de 1968, pela Portaria nº 177, baixada pelo Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva. Fonte: ALVES DE ABREU, Alzira, et alii, Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001, vol. II, p. 2331.
[7] Fonte: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, cit., vol. I, p. 178.
[8] Constituições, cit., p. 403/405.
[9] Constituições, cit., p. 416.
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