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Eduardo Cunha durante depoimento no Conselho de Ética da Câmara na última quinta-feira. | Wilson Dias/Agência Brasil
Eduardo Cunha durante depoimento no Conselho de Ética da Câmara na última quinta-feira.| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Mesmo afastado do mandato de deputado e, consequentemente, de presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) continua a fazer articulações como se estivesse em plenos poderes do mandato. Na semana passada, o deputado chegou a afirmar que voltaria a trabalhar em seu gabinete, mas acabou recuando e decidiu consultar o Supremo Tribunal Federal para verificar como deve se portar durante o afastamento. Para alguns juristas, Cunha poderia ser até mesmo preso caso fique comprovado que ele está atuando para obstruir investigações. Contudo, a dificuldade é justamente que esses atos sejam comprovados.

Durante o depoimento de Cunha no Conselho de Ética da Câmara, na última quinta-feira (19), o deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS) chegou a advertir o presidente afastado que ele poderia ser preso se continuasse tentando influenciar os procedimentos na Casa. “Se Vossa Excelência continuar a exercer suas influências e o seu poder com seu grupo parlamentar aqui dentro da Casa, vai chegar o momento que o STF vai entender pela sua prisão”, afirmou.

Um cidadão comum, que não seja parlamentar, pode ser preso preventivamente caso procure obstruir investigações. No pedido de afastamento de Cunha apresentado pela Procuradoria-Geral da República e acolhido pelo do STF, são apontados diversos atos de Cunha que mostram um esforço para evitar o andamento da ação contra ele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, como intimidação e oferta de propina a parlamentares, e aprovação de requerimentos para favorecerem aliados.

Mas a Constituição Federal define que membros do Congresso Nacional só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. A princípio essa seria uma proteção para Cunha. Por outro lado, o penalista René Ariel Dotti considera que se a decisão do STF de afastá-lo do cargo não for suficiente para conter sua influência, o Supremo poderia entender que a prisão é necessária a fim de evitar a obstrução de Justiça.

Dotti explica que, para afastar Cunha, o relator do caso no Supremo, Teori Zavascki, aplicou, “em caráter excepcional”, o artigo 319 do Código de Processo Penal que traz, entre as alternativas de medidas cautelares diversas da prisão, a suspensão do exercício de função pública. Nessa linha de raciocínio, se a medida alternativa não for suficiente, a prisão poderia ser justificada.

O advogado especialista em direito penal Cezar Bitencourt considera que o caso do ex-senador Delcídio do Amaral é um precedente para a prisão de Cunha. Amaral foi preso após a divulgação de gravações que demonstravam que ele participava de um esquema para tentar evitar a delação do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Provas

Para Bitencourt, se houver alguma prova como gravações, documentos ou até mesmo provas testemunhais, Cunha pode ser preso por tentar atrapalhar as investigações. “Se alguém se sentir intimidado, pode denunciar Eduardo Cunha, e ele poderia ser preso por obstrução da Justiça”, explica Bitencourt.

O professor do departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Egon Bockmann Moreira considera a prisão de Cunha pouco provável justamente pelo fato de que pouco se sabe sobre os detalhes dos atos do parlamentar. “Muito se fala no gerúndio: que ele está articulando, está interferindo. Mas ninguém sabe exatamente o que ele faz”.

Um indício de que Cunha continua exercendo sua influência ativamente seria o fato de que o novo governo tem diversos nomes ligados a ele. Alguns exemplos são o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que foi advogado de Cunha; Gustavo do Vale Rocha, novo subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, também advogou para Cunha; e o novo diretor da EBC, Laerte Rimoli, foi diretor de comunicação da Câmara dos Deputados, nomeado por Cunha.

Bockmann Moreira avalia, contudo, que, mesmo com o fato de pessoas ligadas Cunha estarem no governo, isso não pode ser um indicativo concreto de que há ação direta dele ou de que isso seria parte de um projeto para se manter no poder ou obstruir a Justiça. “As pessoas podem ser ligadas a ele, mas também podem ser ligadas a outros”.

Para Dotti, “não é possível que o país fique à mercê de alguém que busca criar obstáculos ao funcionamento regular de um órgão”. Por meio de diversas manobras, Cunha já conseguiu fazer com que seu processo no Conselho de Ética fosse o mais longo na história da Casa. “Ao prever [somente] a prisão em flagrante, o Constituinte jamais imaginou que pudesse haver cenas desse tipo”, avalia Dotti.

Dotti relembra que, durante a sessão sobre o afastamento de Cunha, o ministro do STF Luiz Edson Fachin considerou a possibilidade de prisão do parlamentar.

“Do ponto de vista da adequação quiçá em oportunidade diversa poderemos verticalizar até mesmo o espectro do parágrafo II, artigo 53 [da Constituição Federal], no que diz respeito à imunidade parlamentar para também examinar hipótese de cabimento de prisão preventiva”, disse Fachin, durante seu voto.

Recuo

Se Cunha tivesse voltado a trabalhar em seu gabinete, como chegou a prometer na semana passada, ficaria mais evidente o descumprimento à decisão do STF de afastá-lo. Dotti e Bitencourt explicam que, nesse caso, ele poderia ser detido por desobediência à ordem judicial. Esse crime está tipificado no Código Penal e tem como pena detenção de 15 dias a seis meses. Mas é possível ser liberado com pagamento de fiança.

Além disso, ocupar o gabinete poderia denotar mais claramente o esforço de obstruir as investigações e tentar ter ingerência sobre os membros do parlamento. A reação após a declaração da opinião pública e de parlamentares que se opõem a Cunha foi imediata, e ele mostrou que calcula os riscos e acabou preferindo consultar o STF.

Mas nada impede que o presidente afastado da Câmara continue a se reunir com aliados – ou chantageados – na residência oficial, onde ele continua morando, mesmo com o afastamento.

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