- Naturalidade: Coimbra, Portugal
- Currículo: professor de direito internacional público e direito da União Europeia, na Universidade de Coimbra. Em 1993, obteve o grau de mestre com uma tese intitulada “Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva”. Em 2001, se tornou doutor, com uma tese intitulada, “Liberdade de Expressão”.
- Jurista que admira: Gomes Canotilho
- Livro: Teoria da Justiça, de John Rawls; A ideia de justiça, Amartya Sen; Justiça, Michael Sandel
- Horas vagas: gosta de ler, estar com a família e nadar
A liberdade de expressão é um direito individual, mas sua manutenção está diretamente ligada ao interesse coletivo. É com a garantia desse direito que se tem acesso a informações relevantes sobre a ação dos agentes públicos e que se pode ter conhecimento suficiente para elaborar leis realmente justas. Essa é a argumentação do jurista português Jónatas Machado, professor da universidade de Coimbra, que procura analisar com sensatez os embates entre os direitos à privacidade e à liberdade de expressão. O jurista também defende a liberdade religiosa como importante valor para o desenvolvimento e integração de uma sociedade. Machado conversou com o Justiça & Direito quandoesteve em Curitiba para participar seminário Liberdade Religiosa e a Liberdade de Expressão, promovido pela Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-PR.
No Brasil, há debates frequentes sobre o enfrentamento do direito à liberdade de expressão, que está previsto na Constituição Federal, com outros, como o direito à privacidade. Como lidar com essas questões? Quais os limites?
Primeiro, precisamos compreender que a liberdade de expressão é fundamental para a democracia e para o estado democrático de direito. Mas também é fundamental para os próprios indivíduos, para que uma sociedade lhes permita que exprimam o que são, o que pensam. Como dizia John Stuart Mill, se uma sociedade tratar seus cidadãos como mentecaptos, eles vão se portar como mentecaptos. Portanto, no fundo, é importante valorizar o que eles pensam, o que eles sentem e a sua criatividade. A sociedade precisa disso, uma sociedade que maximiza a discussão, é uma sociedade mais rica do ponto de vista das ideias disponíveis, que é importante. É importante para a procura da verdade e do conhecimento. Quando se fala da procura da verdade, fala-se da verdade existencial: de onde viemos? Para onde vamos? O que estamos fazendo aqui? Qual o sentido das nossas vidas. Precisamos discutir isso livremente, mas também a verdade sobre o que aconteceu com aquela empresa, quem colocou dinheiro no bolso, quanto dinheiro do estado foi desviado, quanto está na Suíça, em Gibraltar, ou nas ilhas virgens. Esse tipo de verdade também é importante, porque as pessoas vão votar, vão eleger seus dirigentes e querem fazer isso devidamente informados e com a verdade. Nos tribunais é muito importante a verdade, se não houver a verdade, um culpado pode ser absolvido, um inocente pode ser condenado. Se não houver verdade num processo legislativo, muitas vezes são tomadas decisões e leis baseadas em pressupostos errados que vão ter um efeito devastador para todas a comunidade.
O senhor poderia citar exemplos de consequências para a democracia quando se falta com a verdade?
Por exemplo, o mundo viveu uma crise econômica e financeira muito importante porque criou-se uma certa ortodoxia, certa posição dominante de pensamento único, acerca do mundo financeiro, acerca das virtudes do mundo financeiro, acerca das virtudes de alguns gênios financeiros que supostamente sabiam muito bem o que estavam fazendo. Ai de quem colocasse em causa a sua competência, ai de quem pusesse em causa aquelas políticas financeiras. Havia uma euforia e muitos economistas que alertavam para os riscos de médio e longo prazo eram silenciados, gestores de risco dos grandes bancos eram silenciados e afastados. Em todos os domínios precisamos de uma ampla liberdade expressão. Naturalmente, algumas pessoas, titulares de cargos políticos ou de importantes caos empresariais, não querem que ninguém discuta o que eles fazem, o que eles pensam, o que eles dizem. Querem usar de imunidade e impunidade. Aí a mídia entra, a liberdade de expressão entram como um fortes componentes de controle do poder político econômico, social cultural, de todas a formas de poder. A imprensa é extremamente importante. É claro que é importante proteger a dignidade, o bom nome, a reputação, a privacidade das pessoas. Mas também é importante não deixar que a invocação desses bens seja utilizada para silenciar indevidamente o jornalismo de investigação que legitimamente, e na defesa do interesse público, pretende denunciar comportamentos anti-sociais, venham eles de onde vierem.
Qual a sua opinião sobre instituições de controle da mídia?
Nós podemos pensar: quem controla a mídia? Porque a mídia também não é inocente. A melhor opção é ter uma estrutura policêntrica. Como dizia James Madison, a ambição de uns trava a missão de outros. Ou, como dizia Montesquieu, o poder trava o poder. No fundo, depois, uma estrutura de comunicação social também opera como freios e contrapesos. Às vezes, mesmo as entidades reguladoras, que deveriam regular a mídia, também às vezes são capturadas acabam por controlar. Portugal está atravessando uma crise muito grande, porque lá havia alguns empresários e banqueiros e titulares de cargos políticos que eram intocáveis. Mas a mídia começou a investigar e viu que aquelas estruturas não passavam de castelos de cartas, de incompetência e de irresponsabilidade total. Quem é prejudicado por isso? A mídia é importante e deve ter uma ampla margem de manobra. Não deve, em termos gratuitos, desnecessários e desproporcionais, invadir esferas importantes da dignidade, do bom nome, da reputação, de privacidade, de palavra, etc. É preciso cuidar com a sobre interpretação desses bens que, muitas vezes mais não quer do que silenciar e inibir a investigação legítima que deve ser feita pela mídia, descentralizada, independente e também em competição.
O senhor fez um estudo sobre a liberdade religiosa em um contexto de inclusão. Como se dá isso?
A maioria das pessoas, em qualquer sociedade tem uma convicção religiosa. Só uma minoria é que se diz ateia. Claro que as convicções diferem, mas uma sociedade tem que procurar incluir na medida do possível todos. Nem sempre é possível, se uma confissão religiosa tiver como prática a violência ou os sacrifícios humanos, como queimar viúvas em pias funerárias quando o marido morre. A inclusividade nunca pode ser uma hiperinclusividade, sem limites. A sociedade tem que ter algum quadro de valores, no fundo, uma sociedade que inclui e que respeita a diferença é muito importante. Por exemplo, recentemente, houve um atentado na Tunísia, é um país majoritariamente muçulmano em um ataque feito contra seus congêneres. E vemos como a intolerância religiosa, um atentado, revelou consequência devastadoras para a economia. Os hoteleiros que estavam pensando que depois da primavera árabe iam recuperar alguma coisa e então vem outra coisa. No fundo, nós só ganhamos se formos tolerantes uns com os outros, concordando em discordar. Se conseguirmos incluir no respeito, na igual dignidade, temos uma sociedade mais pacífica, mais harmônica e mais próspera. É mais fácil criar condições para uma justiça social e também para o combate a à corrupção.
Como o senhor vê a questão da liberdade religiosa no Brasil?
O Brasil é globalmente colocado nos rankings como no topo da liberdade religiosa e é bom que continue assim. Não quer dizer que não tenha desafios, há em todo o mundo. Mas o Brasil, com todos os problemas que possa ter, é uma referência para muitos países.
E, em Portugal, como é nessa questão?
Portugal também é interessante, nós temos uma comissão de liberdade religiosa composta católicos, evangélicos, judeus, islâmicos, mórmons, pessoas de várias confissões. Curiosamente, quando as pessoas participam de uma comissão dessas e se conhecem, começam a ver que têm muito em comum. Por acaso, em meio a essa crise de extremismos, na Europa, com a extrema direita a avançar, estamos tendo muita sorte. Em primeiro lugar, porque não há partidos de extrema direita em Portugal. Em segundo lugar, temos uma comunidade judaica pequena, mas muito ativa e uma comunidade muçulmana que, digamos, é doce, repare, os muçulmanos não celebram o natal, no entanto, na mesquita de Lisboa, fez-se um almoço de natal aberto a todas as pessoas. E perguntaram porquê estavam fazendo isso se não celebram a data e eles responderam que não celebram, mas queriam associar-se a esta celebração e permitir que os cristão fossem e tivesse seu almoço lá, se lá quiseram. Eles não ficaram ofendidos, mas disseram: “Nós não celebramos, mas vamos celebrar convosco”. Quando uma comunidade muçulamana faz isso, as pessoas ficam assim “Uau!”. Quando há vontade de tratar as pessoas com a máxima consideração e respeito, é possível construir pontes que algumas vezes pareceriam inimagináveis.