Mesmo com as diferenças culturais da Suécia para o Brasil, a advogada Joana Pedroso procura associar as experiências que vivencia em terras nórdicas com a realidade brasileira. Em seus estudos de mestrado procurou associar questões que podem interessar tanto ao direito europeu quanto brasileiro. Por isso, pesquisou os efeitos da ajuda de Estado para produção de etanol, matéria prima importante tanto na Suécia, quanto no Brasil. A advogada prossegue radicada na Suécia, onde pretende estabelecer a representação de um escritório brasileiro e trocar experiência sobre as duas culturas jurídicas. Joana esteve no Curitiba em junho e conversou com o Justiça & Direito sobre suas pesquisas acadêmica e sobre a cultura jurídica da Suécia.
- Currículo: graduação em direito pela PUC-PR, especialização em Teoria Geral do Direito e Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), mestrado em Direito Internacional Ambiental pela Universidade de Estocolmo, mestrado em Direito Tributário Internacional e Direito Tributário da União Europeia, na Universidade de Uppsala, Suécia.
- Juristas que admira: Phedon Nicolaides, Mona Aldestam e Federica Pitrone.
- O que está lendo: 1808, de Laurentino Gomes e O Irmão Alemão, de Chico Buarque.
- Nas horas vagas: Gosta de ir à academia e, bem ao modo sueco, acampar e pescar.
Você prestou consultoria em direito ambiental. É uma especialidade?
Fiz um mestrado na Universidade de Estocolmo. E na Suécia a pedagogia de ensino é diferente; estuda-se a teoria sempre aplicada em casos práticos. Lá o enfoque do ensino é estudar primeiro a teoria e depois aplicá-la na resolução de um caso. Foi um mestrado focado na preparação para o mercado de trabalho internacional. Claro, focando nos problemas mais relevantes da União Europeia e no cenário internacional. O meu mestrado foi voltado para a área ambiental, então existem vários assuntos de direito internacional ambiental. Existe a questão dos pássaros imigrantes, mas perto da emissão de gás carbônico, a imigração de pássaros é um assunto deixado em segundo plano.
O seu trabalho é só com o direito ambiental?
Eu vim de um background tributário no Brasil. Nada a ver com o direito ambiental. Quando mudei pra Suécia, fui para o ambiental. Aí, obviamente, quando você estuda direito ambiental acaba vivendo uma frustração: como aplicar todos os princípios e ideias que estão sendo discutidos nos tratados e convenções internacionais? Como já venho de uma linha tributária, por que não juntar o tributário e o ambiental? Mas aí, quando estava morando na Suécia, questionava-me como fazer isso. Minha base é muito brasileira, muito para execução fiscal. Então resolvi fazer um mestrado em direito tributário internacional. Eu moro em Estocolmo e uma cidade próxima a 85 km oferecia o curso. Ia de trem e viajava cerca de quatro horas, contando ida e volta. Mas foi o que precisava para aprender como funciona o direito tributário da Europa, pois se estuda muito acordos bilaterais, convenções internacionais, acordos com o Mercosul e a convenção nórdica. Então isso me deu uma base tributária internacional que eu não tinha. E quando fui produzir a minha tese, com a ajuda de um professor da Universidade de Estocolmo, entrei num assunto de ajuda de Estado e impostos ambientais.
Na Suécia, se existir um problema,vai para as agências e por último para as cortes. É um sistema bem simples, nada burocrático. Posso fazer petição por e-mail.
E no que consistia essa pesquisa?
Ajuda de Estado é quando o ele [o Estado] utiliza a verba pública para desenvolver alguma questão social e econômica que a sociedade está precisando: educação, trabalho, a criação de empregos e investimentos. Na área ambiental, ela pode ser, por exemplo, aplicada no desenvolvimento de um combustível que seja menos poluente do que a gasolina. Então, vamos investir no etanol, caso visto no Brasil. De alguma forma aquele contribuinte deixará de pagar um tributo que a indústria normalmente paga. Na minha pesquisa, obviamente que dei um enfoque na União Europeia, mas quis fazer algo que fosse voltado para o Brasil. Então dei atenção aos biocombustíveis. Isso se deu por causa de uma nova decisão da UE, que decidiu a partir do ano que vem que a indústria de biocombustíveis não deve mais receber ajuda de Estado. Na Suécia, como o etanol é utilizado para mistura com a gasolina, isso tem um impacto homérico. Só na Suécia, a ajuda de Estado está estimada, somente neste ano, em 681 milhões de euros. E a Suécia, como um dos países que tomou a frente das questões ambientais na Europa, já tem um mercado muito forte.
E qual a influência do direito nessas situações?
Acho que esse é um dos maiores questionamentos. Porque na academia, nós custamos a ler a legislação e o sistema como ele é. Eu fiz um estudo sobre o objetivo de tudo isso. O objetivo seria diminuir as mudanças climáticas, o ritmo de crescimento do aquecimento global. Visando a esses objetivos, como a legislação tributária pode influenciar isso. Por exemplo, uma ajuda de Estado para um setor que diminui a emissão de gás carbônico tem um resultado positivo para o meio ambiente e para a própria sociedade, que não terá de lidar com esses problemas agora e nem futuramente. O problema da maioria das legislações é que muito embora elas visem a esse futuro, nem sempre elas conseguem um resultado. E aí entra o exemplo do etanol: quando a comissão europeia decidiu não mais aceitar ajuda de Estado para o etanol, isso foi decidido porque no caso do etanol baseado em comida, eles perceberam que não adianta contar só a emissão de gás carbônico do carro que usa etanol, ou da mistura de gasolina com etanol. Porque se não considerarmos como está sendo produzido isso lá, a contagem de emissão de gás carbônico não é real. Quando o Brasil fez uma propaganda gigante sobre isso, e o etanol era o combustível do futuro esperava-se isso. Mas aí você começa a encontrar problemas sociais, a violação do direito dos povos indígenas, que foram simplesmente privados de sua cultura há centenas de anos. Mas o maior problema é o das queimadas. Então, como o etanol pode ser considerado um combustível limpo se ele foi retirado de uma floresta queimada. São questões muito subjetivas.
Quais as diferença do sistema jurídico do Brasil e Suécia?
Eu diria que é bem parecido. A diferença do sistema na Suécia é que o governo sueco tem agências que funcionam como árbitros. Então, vamos supor, a agência do consumidor tem autonomia para propor sanções, pra não existir essa necessidade de procurar uma tutela judicial. Isso é muito interessante, a maioria das discussões se resolve na esfera administrativa. A ideia é que seja um sistema autoaplicável, se existir um problema é que vai para as agências e por último para as cortes. É um sistema bem simples, nada burocrático. Para entrar com uma ação, passo um e-mail com a petição; uma coisa bem objetiva. Algo bem sucinto.
E por que você escolheu a Suécia?
Foi por questões pessoais, meu marido é sueco. E vi uma oportunidade de aprender com a cultura deles.
E você continuará estabelecida por lá? Tem plano de voltar para o Brasil?
Eu acho que ficarei por lá. Mas sempre com o pezinho no Brasil.
E o que destaca da cultura sueca?
Eu percebi que as pessoas são muito mais livres para serem o que quiserem ser. É um país onde a educação é essencialmente pública. Então você vai ver o filho do dono da Ikea, uma das maiores empresas de móveis do mundo, estudando em escola pública. É um país em que não importa se você é rico ou pobre, as pessoas utilizam ambientes públicos. Elas têm muito a consciência do patrimônio público como sendo algo deles. Mas é lógico que eles têm alguns problemas. Sendo um país social-democrata, a Suécia tem vários planos de inclusão na comunidade e obviamente isso acaba gerando uma dependência dessas bolsas.
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