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Primeira operadora do direito a escrever uma tese de doutorado sobre direito dos animais, a advogada Edna Cardozo Dias conta que procura vivenciar o que estuda. Seguidora da corrente abolicionista, ela é vegana, mas acredita que seus princípios não devem ser motivo para atrito e sim para abrir caminho para um maior entendimento sobre o tema. Em entrevista ao Justiça & Direito, Edna comemorou a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe a vaquejada e apontou outras questões da área que necessitam de debate. A ativista vai participar do V Congresso Mundial de Bioética e Direito Animal, realizado esta semana em Curitiba. Durante o evento, vai falar sobre a tutela dos animais no ordenamento jurídico brasileiro.

Como a senhora vê o tratamento jurídico aos animais na lei?

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O nosso ordenamento jurídico avançou um pouco no final do século passado, porque incluiu na Constituição da República um dispositivo que veda práticas que submetam animais a crueldade e diz que devem ser protegidos por leis. Houve avanços também no sentido de que, atualmente, animais, tanto silvestres quanto domésticos, não podem sofrer abuso e maus tratos, pois isso é considerado crime. Os animais, no Direito Penal, são protegidos por eles mesmos. Significa que tanto o animal silvestre, que é bem de uso comum do povo, não pode ser maltratado, quanto o doméstico não pode sofrer maus tratos do tutor.

E em comparação a outros países, no que precisamos avançar?

No mais ainda temos que avançar no sentido em que já avançaram outros países da Europa. Aqui, nós temos a natureza jurídica dos animais, que diz que os silvestres da fauna nativa são bens de uso comum do povo. Enquanto os silvestres não são passíveis de penhora e outros, os animais domésticos são considerados bens. Nós temos que operar para protegê-los. Temos que também que avançar no ramo do direito civil para dizer que eles não são coisas e merecem ser especialmente protegidos. Nesse sentido, tem um projeto de lei do Senador [Antonio] Anastasia, falando que os animais não são coisas, que é como está em países da Europa. Quer dizer que, necessariamente, não devem ter um valor econômico.

Então isso afetaria todo um comércio que existe hoje?

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Pode ter comércio, mas tem que ser regulamentado. Leis especiais devem protegê-los para regulamentar o comércio. Ninguém vai parar de comer carne de uma hora para outra. Também teria que ter legislação regulamentando a venda de animais de estimação.

A senhora falou sobre os animais não serem definidos como coisas. Seu entendimento é que os animais são sujeito de direito?

No Código Civil, temos pessoa que é gente e pessoa jurídica, mas o animal foi colocado como bem. Para ser pessoa, tem que colocar na lei que ele é. A gente não consegue isso agora, a Europa não conseguiu. O que países como Áustria, França e Alemanha fizeram? Declararam que o animal não é coisa, mas se aplica o regime de bens quando não houver leis especiais. Então, são bens especialmente protegidos. Agora, sujeito de direito eu entendo que é um fato social, uma questão doutrinária. Tem pessoas que dizem que o animal é sujeito do direito porque pode ser representado em juízo e é defendido por representatividade do Ministério Público, por exemplo; também porque tem direitos garantidos na lei e pode adquirir novos direitos. É uma questão de mudar de paradigma. Sou dessa corrente que entende que é sim sujeito de direito.

Recentemente, houve uma decisão do STF proibindo a vaquejada e ainda estão ocorrendo protestos em Brasília contra o que o Supremo decidiu. Como a senhora vê essa decisão e a reação a ela?

O que eu vejo é o seguinte: tanto a vaquejada quanto os rodeios são práticas realmente cruéis. Estão longe de poderem ser chamados de patrimônio cultural e muito de menos de esporte. São apenas negócios econômicos, de interesse dos organizadores, que envolvem grandes somas de dinheiro. E realmente são práticas que envolvem crueldade e maus tratos aos animais. A decisão do Supremo é para ser celebrada, vê-se que chegou até a suprema corte a questão dos direitos dos animais. Ou seja, ultrapassou o clamor da sociedade ou do Legislativo. Para chegar ao entendimento que isso é uma prática cruel, como já ocorreu com a briga de galo, farra de boi. Todos esses eventos devem ser proibidos ou extintos.

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A senhora acredita que os rodeios terão o mesmo destino?

Creio que sim. Mas a questão ainda não chegou ao Supremo. Existem municípios que proibiram rodeios e pediram inconstitucionalidade, e há juízes de primeira instância que proibiram também. Mas a questão nunca chegou ao nível estadual, nem ao nacional. Não tem como prever quando chegará. Acredito que os rodeios envolvem mais dinheiro do que a vaquejada. Quanto mais dinheiro, mais difícil.

A senhora participa nesta semana de um evento de nível internacional em Curitiba. Quais, na sua opinião, são os principais temas na pauta dos direitos dos animais atualmente?

É bastante diversificado, porque existem duas correntes: a do bem-estarista, que defende leis para o bem-estar dos animais. E tem a mais avançada, que é a abolicionista. Dentro dessas linhas, algumas questões principais são: experimentos com animais, que devem ser abolidos para fins didáticos ou científicos, e é preciso haver incentivo para métodos alternativos. Há a questão dos circos, dos zoológicos, que ainda têm uma função muito antiquada, de animais tipo vitrine, e tinham que ser centros conservacionistas. E há questões nacionais como vaquejadas e rodeios. Há em alguns municípios a questão dos animais sem floresta, que estão sem habitat, chegando às cidades. Há a superpopulação de cães e gatos. E tem as carroças, que têm que ser extintas. Já passou da hora de os cavalos serem libertados. Não tem cabimento alegar que é problema social. As profissões evoluem.

E o que é possível fazer para controlar a população de cães e gatos?

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O controle populacional defendido é a castração e a feira de adoção. É preciso participação do poder público e do terceiro setor caminhando juntos. E é preciso fazer campanha para posse responsável.

A senhora segue qual corrente?

Eu sou da corrente abolicionista, mas com boa convivência com as outras correntes, porque uma abre caminho para a outra de acordo com o momento histórico. Eu não faço do abolicionismo animal uma questão de atrito.

Serviço

V Congresso Mundial de Bioética e Direito Animal

Quando: 26 a 28 de outubro

Onde: Sede da OAB-PR

Organização: Instituto Abolicionista Animal e Comissão de Bioética, Direito e Proteção dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Paraná

Inscrições: http://intranet.oabpr.org.br/servicos/eventos/evento.asp?id_evento=546