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 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

A experiência de mais de 40 anos na magistratura é compartilhada pelo juiz norte-americano Clifford Wallace em diversos países do mundo. Defensor da mediação, Wallace viaja por nações de todos os continentes procurando difundir práticas que acredita que possam melhorar os sistemas judicias e prestando consultoria em alguns países para contribuir com a melhoria da prestação jurisdicional. Alguns dos países que ele visitou no último ano são África do Sul, Austrália, Croácia, México, Tailândia e Turquia. Wallace esteve no Brasil em março deste ano e também passou por Curitiba, onde visitou tribunais e conheceu o juiz Sérgio Moro. Aos 87 anos, o magistrado segue na ativa. Em entrevista, concedida durante visita à redação da Gazeta do Povo, ele explicou que, durante suas viagens, recebe os processos para analisar à noite no hotel. O juiz também falou sobre as diferenças entre o civil law e o common law. Na opinião dele, não é necessário ficar escravizado a um dos sistemas, mas é preciso olhar para as alternativas mais adotada em um ou em outro com um olhar racional, para se aproveitar as boas experiência. O jurista norte-americano comentou ainda sobre o processo de substituição do juiz da Suprema Corte dos EUA e sobre liberdade religiosa.

Ficha técnica

Currículo : Graduado na San Diego State University (Universidade Estadual de San Diego) com honras e mérito, em 1952; graduado, em 1955, em Direito na Universidade da Califórnia em Berkeley. Atuou como advogado especializado na área civil. Em 1970, fez juramento como Juiz dos Estados Unidos do Distrito Sul da Califórnia; foi promovido em julho de 1972 ao Tribunal de Apelações dos Estados Unidos para o Nono Circuito. Foi convidado pelo Chefe de Justiça dos EUA para preparar um estudo sobre o futuro do judiciário norte-americano. Atua em intercâmbios com diversos países, já esteve em contato com mais de 60 sistemas judiciários em todo o mundo.

Juristas que o inspiram: James Carter (juiz de corte de apelação), Warren Burger (ex-chefe de Justiça da Suprema Corte dos EUA), Tassaduq Hussain Jillani (Chefe de Justiça no Paquistão)

Livro: O Livro de Mórmon

Nas horas vagas: dedica-se à igreja - é da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias -, e à família - tem 15 filhos, 51 netos vários bisnetos.

O senhor viaja pelo mundo e defende a mediação como uma importante alternativa para resolução de conflitos. No seu ponto de vista, quais são as principais vantagens de se adotar esta alternativa?

A ideia por trás da mediação na resolução de casos é uma habilidade útil e prática para que os casos possam ser resolvidos mais rapidamente. Mas, para resolver mais rápido, as pessoas têm que tomar as decisões mais rapidamente. Como se sabe, o Brasil está passando por uma crise econômica. O que o país precisa agora, no meu ponto de vista, é ter uma recuperação na economia, com mais empregos. As pessoas não gostam de investir em países onde não conseguem ter uma decisão quando têm uma disputa. Eles podem lidar com o lucro ou a perda, mas não com o ponto de interrogação. As corporações tendem a sair dos países onde os processos levam muito tempo nas cortes.

O segundo ponto vai mais em direção ao processo democrático. Na maioria dos países em que eu trabalhei, há atuação de três ramos independentes. Mas é importante que os ramos sejam iguais, porque eles fiscalizam um ao outro. Quando o Judiciário é muito fraco, não há ninguém para fiscalizar o Legislativo e o Judiciário. Mas, ao se desenvolver um sistema em que os casos possam ser resolvidos mais rapidamente, as pessoas vão confiar mais no Judiciário e vão dar apoio ao Judiciário. Isso vai intensificar a democracia e os direitos individuais das pessoas.

As corporações tendem a sair dos países onde os processos levam muito tempo nas cortes.

Então, o senhor considera que a mediação pode ser adotada para resolução de todo tipo de conflito? Ou há exceções?

São raros os casos em que não se pode utilizar a mediação. Direitos constitucionais, por exemplo, você não pode mediar. Você não pode mediar a Constituição, não é apropriado, no meu ponto de vista. A Constituição é a Constituição. Mas, por outro lado, são muito poucos casos que não podem ser submetidos à mediação, se houver um mediador capacitado. Em muitos países, tenho visto juízes levando as partes uma salinha e as pressionando para chegarem a um acordo. Isso não é mediação, isso é a decisão tradicional. Mediação, como entendemos, é um processo em que se deixa as pessoas decidirem o caso pela sua própria vontade. Não se foca tanto nas disputas, mas na sua história anterior e se tenta levá-las de volta àquele estado inicial, para que as pessoas saiam se sentindo bem uma a respeito da outra. Nas cortes, nós declaramos quem ganha e quem perde, as partes não se reaproximam, saem sem gostar uma da outra. Se as pessoas perdem, elas não dizem que estão erradas, dizem que o problema era o juiz ou que tinham um advogado ruim. A mediação é uma oportunidade de resolver os litígios rapidamente. E, quando as pessoas se reaproximam, isso ajuda a sociedade.

Em muitos países, tenho visto juízes levando as partes uma salinha e as pressionando para chegarem a um acordo. Isso não é mediação, isso é a decisão tradicional.

Aqui no Brasil temos um novo Código de Processo Civil (CPC), que prevê que se deve trabalhar mais com precedentes. Para alguns, isso é uma inclinação para o common law. Como o senhor vê essa situação?

Isso vai ser muito bom para vocês. O sistema do civil law funciona muito bem, com exceção de quando estar sob pressão. O que acontece é que trabalhar com precedentes não é uma característica do civil law ou do common law – tem sido mais usada no common law – mas é uma necessidade do próprio processo. Temos que perceber nem o common law, nem o civil law necessariamente tem a melhor resposta para um país. O que precisamos analisar é o que funciona melhor. Se nos escravizarmos ao sistema que considerarmos melhor, nunca vamos aprender um com o outro. Precisamos ser racionais para fazer modificações.

Sobre o contexto dos Estados Unidos, após a morte do juiz da Suprema Corte Antonin Scalia, em fevereiro, surgiu um debate sobre a substituição do magistrado. O senhor considera que esse processo de substituição deveria ocorrer ainda no governo Obama?

Isso sempre vem a tona. Com certeza, algumas pessoas acham que o atual presidente deve tomar a decisão, outros acham que o novo presidente é que deve decidir. Mas isso se refere a política. A Constituição diz que o presidente recomenda ao Senado, e o Senado decide. Eu entendo a disputa, mas é política. Porque você não pode ter certeza de como a pessoa vai votar. Você pode indicar alguém do seu partido político, mas ninguém conhece a filosofia jurídica tradicional até estar na Corte por cinco anos, isso foi o Justice [William O.] Douglas que afirmou. É verdade, antes desse período, eles estão como em um estádio de futebol, precisam dar respostas, e jogar na lama e as pessoas vão chutá-los. Então, quando têm que lidar com Constituição, com estatutos, os juízes começam a reformular a filosofia judicial. O chefe de Justiça Earl Warren, por exemplo, era considerado um juiz muito liberal e foi indicado pelo presidente Dwight Eisenhower, que era conhecido por ser muito conservador. Algumas pessoas não entendem que, ao entrar na Corte, é preciso compreender a filosofia jurídica antes de compreender como resolver os problemas.

O senhor também é um defensor da liberdade religiosa...

Em termos de indivíduo, a liberdade religiosa é um direito individual. Mas em termos de sociedade também faz diferença. A liberdade de religião ajuda o país a se desenvolver. Se as pessoas seguem uma religião, geralmente acreditam em Deus. A crença em Deus leva as pessoas terem uma visão melhor de seus semelhantes e ajudarem mais umas às outras. A democracia funciona quando há religiões, porque a maioria das religiões ensina as pessoas cumprirem a lei. Além disso, se você tem várias igrejas, as pessoas têm opção de escolher o que seguir e se sentem mais satisfeitas. É diferente de ter uma religião imposta pelo Estado. A religião muçulmana, por exemplo, é uma boa religião, conheço e convivo com muitos muçulmanos. Alguns seguidores não entendem e cometem excessos, mas é uma boa religião. Um dos meus heróis é o paquistanês Tassaduq Hussain Jillani, que foi chefe de Justiça em seu país foi corajoso e escreveu sua opinião ao governo, de que deveriam ensinar nas escolas os respeito às minorias religiosas. O único jeito de resolver problemas religiosos é por meio de liberdade em todos os países.

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