| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Deixar que os eleitores assumam as responsabilidades por suas escolhas pode ser o melhor caminho para o amadurecimento do sistema eleitoral brasileiro. Essa é a opinião do desembargador do TRF 1 Néviton Guedes, que argumenta tendo como base a experiência que teve como procurador eleitoral e os conhecimentos sobre direito constitucional, sua principal área de estudo. Guedes esteve em Curitiba para ministrar uma aula na Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e conversou com o Justiça & Direito.

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Ficha Técnica
  • Naturalidade:
    Brasília - DF
  • Currículo: graduação em Direito pela Universidade de Brasília, mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutorado em Direito pela Universidade de Coimbra. Foi procurador regional eleitoral e procurador da república. Foi professor da ABDConst, Unibrasil e Esmafe/PR. Desde 2011, atua como desembargador do TRF 1 e é professor do UniCeub, em Brasília.
  • Juristas que o inspiram: José Joaquim Gomes Canotilho, Clemerson Clève, Luiz Edson Fachin, Gilmar Mendes
  • O que está lendo: Crime e Castigo, de Dostoiévski
  • Nas horas vagas: gosta de ler

Como o senhor avalia essa reforma política que está sendo feita no Congresso?

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Eu sou um professor de direito constitucional, então, a avaliação que eu faço é sempre do ponto de vista dos direitos políticos, direitos que envolvem os direitos do cidadão que participa como eleitor e também os direitos do cidadão que quer participar como candidato. Eu vejo com alguma resistência a ideia de que uma reforma política seja mesmo o caminho para dar a solução para os problemas que o país vive. Desde que a Constituição de 1988 foi promulgada, que se atribui a ela uma série de problemas que, na minha opinião, não devem ser buscados na Constituição, na organização política, na organização jurídica do país. Esse problemas demandariam para a sua solução uma mudança de comportamento, que não advirá pelo simples fato de você dar uma nova conformação institucional ao país.

Então, para o senhor, essa reforma não terá efeito?

O que eu quero dizer é que qualquer reforma política que não venha acompanhada de uma mudança profunda de comportamento, não só da classe política, mas também, e talvez sobretudo, do eleitor vai resultar em fracasso, em uma grande decepção. Temos vivenciado, no decorrer dos anos, uma série de alterações na legislação eleitoral de nosso país que não têm sido traduzidas em uma melhora que esperamos. Talvez nós já tenhamos até leis de mais. Não se trata de organizar legislativamente o comportamento político do cidadão.

Seria uma mudança cultural?

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Exatamente, demanda, sobretudo, a experiência de quem participa e erra também. Nós não queremos isso, deixar o eleitor fazer suas tentativas, errar, acertar. Quando digo nós é o Judiciário, a imprensa, o Ministério Público, as pessoas que têm responsabilidade pelo país. Estamos agindo, desde há muito, no sentido de tutelar o eleitor, tutelar o cidadão. Eu sou completamente contra isso. Eu acho que é exatamente esse comportamento de quem quer dar a direção e subtrair o eleitor dos problemas que resultam das suas escolhas que faz com que, ano após anos, nos vejamos decepcionados.

Qual a sua opinião sobre a Lei da Ficha Limpa?

A Lei da Ficha Limpa incrementou ao máximo a possibilidade de punir os candidatos. Foi de uma tal maneira que, hoje, no Brasil, há uma quase impossibilidade de alguém sair de um mandato de uma maneira pura. Já se entra com algumas ações ou alguma dívida na Justiça e sai com muitas outras. Isso não tem melhorado porque nós estamos transportando o poder que deveria ser do cidadão para instituições que, na minha opinião não têm legitimidade para isso. Há uma subtração de legitimidade democrática no nosso país. Ao invés de darmos um passo atrás, o que se faz é aumentar cada vez mais a intervenção do demais órgãos Judiciário, Ministério Público. Eu sou terminantemente contra.

Quando senhor fala em intervenção isso inclui as resoluções do TSE?

O TSE tem a obrigação e o dever de regulamentar as eleições. O que se tem questionado na atuação da Justiça Eleitoral é quando ela transborda esses poderes. Não há nenhuma ilicitude quando a Justiça Eleitoral implementa, porque é para isso que existem as resoluções, dar concretização ao que já está expresso na lei, mas que carece de regulamentação. A crítica que os estudiosos do direito eleitoral têm feito é que, muitas vezes, sob o argumento de regulamentar a lei, a Justiça Eleitoral transpõe esse limite e acaba criando obrigações que não estavam previamente expressas na lei. Mais recentemente, nós tivemos isso reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, quando da resolução 22610, que trata da infidelidade [partidária], o Supremo disse que houve uma extrapolação porque não é de se reconhecer que os tribunais possam cassar o mandato de chefe do Executivo, como estava previsto na resolução. Quando eu me queixo de uma indevida intervenção é da intervenção legislativa.

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Indevida em que sentido?

É a própria sociedade que, através de sucessivas leis, mudanças, reformas institucionais, tem cada vez mais concedido poder ao Judiciário, ao Ministério Público para intervir no processo das eleições. Eu vejo isso com alguma resistência, não considero pedagógico para o eleitor. Durante o período eleitoral, há uma propaganda, que ninguém consegue dizer contra, que o eleitor deve ser respeitado, que o cidadão está qualificado para o voto. Todo mundo afirma isso, mas, na verdade, essas mudanças institucionais são mudanças que confirmam uma grande desconfiança, como se o eleitor não soubesse fazer suas escolhas. Não está provado que a substituição da vontade do eleitor pela vontade de órgãos como Judiciário e MP vão representar algo melhor. Nós, provavelmente, não vemos no mundo tanto poder alocado a uma Justiça Eleitoral como se vê aqui. O resultado disso não parece ser dos melhores. Talvez fosse o caso de experimentar deixar o eleitor responsabilizar-se e observar que das suas ações surgem graves consequências. Hoje basicamente a sinalização que nós passamos é: “não tenha preocupação porque, se você errar no seu voto, alguém vai consertar”. Eu não vejo isso com bons olhos. A democracia tem como atores principais o candidato e o eleitor. Não são protagonistas do jogo eleitoral advogado, promotor ou juiz. No Brasil, isso tem se tornado uma tônica. Hoje em dia, boa parte do processo eleitoral é decidida nos tribunais com decisões que não têm a legitimidade democrática que a é a escolha do eleitor. Nada, absolutamente nada, nos certifica de que a aquele que vai ocupar o lugar esteja em melhores condições. Eventualmente, só não foi investigado. Isso em outros países é feito como grande exceção.

Então, na sua opinião, há um exagero?

Se tem a impressão de que tudo está perdido, tudo está errado. Eu costumo dizer que se usássemos o mesmo filtro para outros setores da sociedade, ninguém passaria. Nós achamos que não há punição no país. No Brasil, há punição demais na área eleitoral. Só pela infidelidade partidária, em 2008, quando era procurador aqui, foram mais de 100 mandatos cassados, só no estado do Paraná. Isso é inédito no mundo todo. Nós queremos fazer com que as relações que são vida sejam regidas pelo direito. Há claramente esse movimento no Brasil, se quer legislar sobre tudo. No direito eleitoral, os resultados não têm dado razão a quem professa dia e noite a maior intervenção do Poder Judiciário, do MP e que a legislação deva interferir mais nessa seara. Legislatura após legislatura, a gente só vê o quadro piorar.