O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Antônio Dias Toffoli esteve em Foz do Iguaçu no último final de semana para participar do seminário O Direito Processual Civil nos Tribunais Superiores. Durante o evento, ele e outros convidados receberam uma medalha de homenagem da Itaipu. Em clima de tranquilidade e comemoração, Toffoli posou para fotos com estudantes e até deu autógrafo. O ministro, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), proferiu a palestra O Tribunal Superior Eleitoral e as Eleições, durante a qual apresentou algumas de suas propostas para a reforma política, como o fim ou a limitação dos valores de financiamento privado das campanhas. Toffoli concedeu uma entrevista exclusiva para o Justiça & Direito, mas antes mesmo do início disse que preferia falar sobre questões do direito e se recusou a tratar de assuntos relacionados à política atual, como o seu pedido de mudança de turma no STF, que o levará a presidir o processo da Lava Jato. Esta é a primeira entrevista de uma série de sete que tratam , entre outros assuntos, sobre o novo CPC.
Qual a sua opinião sobre o novo CPC. O que vai mudar especificamente na rotina do STF?
Eu penso que ele desburocratiza, deixa a matéria processual mais simplificada e sem formalismos. Muitas vezes, alguns procedimentos não eram conhecidos pelos tribunais superiores por questões absolutamente formais, que poderiam levar a algumas injustiças. Ou seja, a parte tem o direito, mas porque o advogado não atuou de uma maneira formal e adequada ela acaba sendo prejudicada. O CPC simplifica. Assim como temos há bastante tempo na Justiça Eleitoral um processo bastante rápido, ágil e simplificado. E é desta maneira que o novo CPC vai tratar da matéria processual, dando igualdade de armas para todas as partes e permitindo que os tribunais superiores passem a ter, através dos precedentes emitidos, uma maneira mais adequada de fazer prevalecer suas decisões, dando maior segurança jurídica a toda sociedade.
A intensificação da utilização de precedentes é questionada por alguns que dizem que o nosso direito estaria se voltando para o common law. Isso pode ser uma tendência?
O artigo que escrevi em homenagem ao ministro Sérgio Kukina [para o livro O Direito nos Tribunais Superiores] aborda exatamente isso. Como os dois grandes sistemas de direito surgidos no século 10 e 11 – aquela divisão entre a common law e a civil law – hoje vão se encontrando cada vez mais. Não é apenas em nosso país que passamos a ter essa ideia dos precedentes como sendo uma necessidade de maior segurança jurídica. Outros países que tradicionalmente pertencem a common law, ou mesmo países-mãe deste sistema, como o Reino Unido, passam a ter cada vez mais legislação escrita. Por exemplo, em 2010, há pouco tempo, o Reino Unido criou uma corte constitucional, até então o Reino Unido não tinha uma corte constitucional, muito se discute lá sobre a necessidade de uma constituição escrita. Ou seja, os sistemas vão se encontrando. Nos EUA, cada vez mais as legislações são extensas, extremamente detalhadas pelo Congresso Nacional norte-americano exatamente numa ideia de prevalência do Congresso e das leis. Então eu vejo de uma maneira positiva que nós possamos dentro do sistema da civil law trazer para nossa cultura jurídica o que lá funciona, assim como nós verificamos e abordamos isso, que lá no sistema do common law também se leva cada vez mais premissas e pressupostos do sistema romano-germânico, do sistema da civil law.
Aqui no Brasil nós observamos que, em algumas situações, o STF acaba por decidir questões em que havia uma pressão para que o legislativo deliberasse. Essa postura do Supremo é classificada por alguns como ativismo judicial. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de classificação ?
Não se trata de ativismo judicial. O que nós temos é uma Constituição escrita muito extensa, permitindo que os vários temas da sociedade não sejam só analisados do ponto de vista do legislativo na regulamentação, mas também com o instrumento do mandado de injunção, com as ações diretas de controle de constitucionalidade, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, mandado de segurança coletivo. Enfim, uma série de instrumentos trazidos, não por norma processual, mas sim na própria Constituição. E um extenso rol de direitos e garantias individuais, sociais, coletivas, de mercado e das minorias que a Constituição de 1988 estabeleceu e as suas emendas também. Então, temos um extenso rol de direitos no Brasil. Passado algum tempo, se ele não for efetivado, a matéria muitas vezes é levada ao julgamento do Supremo. Não há que se falar em ativismo na medida em que o Judiciário não age de modo próprio. O Judiciário só age se alguma parte vai até ele. Se a parte vai até o Judiciário ele não pode deixar de responder. Muitas vezes o que se fala de ativismo no Judiciário nada mais é do que confirmar a própria lei, aprovada no parlamento, como no caso das pesquisas com embriões em que o Congresso aprovou a lei que permitiu as pesquisas com embriões descartados em fecundações artificiais. Muitas vezes o impasse que surge no legislativo é insolúvel. Vamos analisar a questão relativa à união homoafetiva. Tanto aqueles que defendem no Congresso Nacional a aprovação de uma lei do casamento homoafetivo quanto os que são contrários não têm interesse de decidir a matéria. Porque aqueles que defendem se elegem com a defesa, e os que são contra se elegem com a defesa contro argumento contrário. E os indiferentes preferem não decidir e deliberar sobre a matéria porque às vezes perderiam votos ou em um ou em outro setor conforme a opção que se fizesse. Há um embate, ou melhor, um empate que acaba levando o Parlamento a uma não ação. E isso pode ser levado ao Judiciário. Essa omissão e essa necessidade de regulamentação dos direitos que estão lá colocados na medida em que a Constituição diz que não pode haver discriminação de nenhuma espécie na sociedade brasileira. E o que a corte entendeu é que havia ali uma discriminação em relação à opção sexual do cidadão e não poderia então a lei impor um gênero ou outro apenas e aceitar a realidade social em que há outros tipos de opção sexual além do homem e da mulher explicitamente. E o que se tem é isso. Muitas vezes o Supremo é chamado para resolver esses empates, essas omissões, e isso só ocorre quando ele é provocado. A Justiça é um não-poder, ela só age se tiver provocação.
Nós temos observado a nossa sociedade visando muito os magistrados. Como o senhor acha que os magistrados devem se portar em torno dessa expectativa criada pela sociedade e dessa visibilidade tão grande?
Eu acho que, com o avanço e o aprofundamento da democracia e da transparência, com o conhecimento das pessoas sobre seus direitos e a verificação de que o Justiça é um lugar de garantia e de efetividade desses direitos, cada vez mais o Judiciário passa a ser conhecido. Cada vez mais é procurado e, cada vez mais, tem de estar à altura das suas responsabilidades, de atender a essas demandas. Cada vez mais o Judiciário vai participar da construção da nação brasileira e da democracia. Então os juízes têm que estar preparados para sair dos castelos imaginários e inalcançáveis pelos cidadãos e colocar o pé no barro, ser transparente, ter a responsabilidade de estar junto da sociedade e aceitar as críticas. Nos EUA, a formatação da nação americana muito se deve a Suprema Corte e ao judiciário norte-americano. E aqui no Brasil não será diferente. No caso dos tribunais superiores e do STF com uma imensa responsabilidade de exercer um papel moderador. O local de acesso e de resolução dos conflitos possíveis na sociedade brasileira; nos conflitos entre as unidades da federação, principalmente em matéria tributário; nos conflitos entre os poderes da República. Ou seja, exercer esse papel moderador da sociedade brasileira, sendo o último árbitro dos possíveis conflitos ou também aquele local em que uma vez provocado, a sociedade e as instituições públicas e de estado e as organizações sabem que ali é o local de se deixar a matéria decantar, chegar a um momento de decisão adequado melhor para a sociedade brasileira. Esse papel moderador do STF, de uma Suprema Corte de um estado federal como é o estado brasileiro, num estado complexo e grande, é fundamental para o avanço do estado democrático. E isso leva cada vez mais à visibilidade do Poder Judiciário, principalmente num dos únicos estados do mundo em que as transmissões dos julgamentos do STF são veiculadas em vários meios de comunicação, permitindo que a sociedade tenha um amplo conhecimento dos julgamentos.
Qual a sua opinião sobre o auxílio moradia?
Essa questão está em discussão no STF. Há uma discussão de um novo projeto para a Lei Orgânica da Magistratura – a atual lei é de 1979, que leva a essa situação de discussão. A lei orgânica do MP, que é posterior ao dos magistrados tem uma série de direitos que são lá colocados que na lei anterior da magistratura apresenta-se de caráter duvidoso ou não muito claro. E você tem a constituição de 1988 que estabeleceu a igualdade no marco remuneratório das duas carreiras. Então o que há é essa necessidade de inovação do ponto de vista legislativo, de uma nova lei da magistratura. Até lá nós vamos ter de ficar analisando o ponto de vista de decisões específicas.
O senhor tem evitado falar sobre o assunto, mas há previsão de se pronunciar sobre a mudança de turma no STF [que levará a presidir o processo da Lava-Jato]?
Não vou falar sobre isso.
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