- Currículo: graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba; licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal do Paraná (1990); especialista em Direito Contemporâneo; mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná ; pós-doutor na Università degli Studi di Firenze, Itália. É pesquisador (bolsista produtividade em pesquisa) do CNPq. Diretor acadêmico do Instituto Latino-Americano de História do Direito (ILAHD). Presidente do Instituto Brasileiro de História do Direito (IBHD). Diretor do Setor de Ciências Jurídicas da UFPR
- Juristas que o inspiram: Paulo Grossi e Antonio Manuel Hespanha
- O que está lendo: Ritorno al diritto, Paulo Grossi, e O Leopardo, Lampeduza
- Nas horas vagas: gosta de ficar com a família e colocar as leituras em dia
A História do Direito é uma disciplina que vem reforçando a compreensão do direito como ciência jurídica. Essa é a definição do professor Ricardo Marcelo Fonseca, titular da disciplina na UFPR, onde também é diretor da faculdade. Fonseca conversou com o Justiça & Direito sobre a ascensão da História do Direito nos últimos anos, que se reflete na programação do VII Congresso Brasileiro de História do Direito, que ocorre em Curitiba de 31/8 a 4/9.
Qual é a importância da história do direito atualmente?
O historiador do direito é um tipo de jurista. Mas é um jurista que fica numa fronteira entre o pensamento jurídico e as humanidades, da história, da teoria política, da filosofia. É um tipo de jurista que contribui muito para o direito exatamente na medida em que coloca a experiência jurídica em diacronia. Ele pode inclusive fornecer um olhar para os outros juristas. Um olhar que seja capaz de relativizar, desmitificar algumas coisas que o senso comum coloque como absoluto, como eterno. Acho que a História do Direito é uma disciplina absolutamente central. E é uma coisa curiosa: no Brasil, ao contrário da maioria dos países europeus e dos nossos vizinhos da América Latina, não havia uma tradição na disciplina. Aqui nós usamos muito o direito romano. A História do Direito é uma coisa mais recente no Brasil. Mas o que eu acho é que o modo como ela entrou, sobretudo nos últimos 15 anos, foi de certo modo diferente do que acontece em outras áreas mais teóricas e reflexivas do direito. Se você analisar áreas mais antigas e tradicionais, cada universidade, cada grupo estuda seus temas. O diálogo é meio difuso. E a história do direito está conseguindo se organizar. Primeiro: com um padrão e rigor acadêmico muito forte. E acho que os congressos que temos feito tiveram um papel importante. Quem é qualificado, pensando em História do Direito, nas várias universidades do Brasil está congregado. Nós temos momentos em que há essa troca. Então a área do direito no Brasil nasceu muito articulada, com professores importantes. E nós tivemos essa fortuna de, desde o início, promover um diálogo privilegiado e generoso com os maiores nomes da área no mundo. Nos outros congressos [realizados sobre a disciplina], nós tivemos os melhores nomes da Alemanha, da Itália, de todos os lugares. Nós conseguimos estabelecer a nossa área com um padrão de diálogo de nível internacional. A cada ano as coisas estão aumentando. E as pesquisas estão cada vez melhores. Nós notamos que a área cresce. A área da História do Direito se constituiu de modo peculiar no Brasil.
Como assim peculiar?
Porque o direito, em geral, é uma área que tem dificuldades para se firmar do ponto de vista acadêmico. A área do direito tem um lado profissional e um lado acadêmico. Como separar os dois lados? É um dilema, e exatamente por isso que a pesquisa jurídica no país sempre teve dificuldade em se firmar. O que é a ciência jurídica no Brasil? E é um aspecto em que eu acho que nós somos avançados. A História do Direito se estabeleceu com uma pegada acadêmica bastante forte e importante. A História do Direito vem se consolidando através de rigorosos critérios internacionais de qualidade.
O senhor estuda a formação da cultura jurídica brasileira. Quais são a principais características dessa cultura?
A minha preocupação é tentar entender a especificidade do direito brasileiro. E acho que o olhar do historiador é fundamental. Tenho a impressão de que o modo como nasce a cultura jurídica brasileira – e acho que ela nasce, sobretudo, depois da nossa independência, a partir do século 19 –, e o modo como nós recebemos as ideias europeias, algumas ideias dos EUA, e como nós adaptamos aquilo que já existia aqui. Pois já existia o direito aqui. O direito do antigo regime é um tipo de direito e que tem características bastante precisas. O modo como se dá a recepção, tradução e tensão entre o pré-moderno e o moderno, o velho e o novo, o local e o estrangeiro, e o como as coisas vão se acomodando aqui, a meu ver elas determinam muito a marca de nascença do nosso direito. A gente vê coisas fantásticas, como a formação do direito privado do século 19, a formação dos contornos do direito público, que na Europa é muito próximo do direito privado. Mas, sobretudo, como tudo isso acontece aqui em nossa realidade, que é uma realidade cheia de peculiaridades. Nós não tivemos Código Civil no século 19. Todos os países da chamada Europa continental tiveram. Na América Latina, quase todos tiveram. Nosso primeiro Código Civil é de 1916. As ordenações filipinas eram válidas no Brasil até 1916. Isso está na jurisprudência ainda. Isso significa que o pessoal estava citando direito canônico, as ordenações e os comentários de Bártolo, as glosas de Acúrsio, coisas super medievais, que reliam o direito romano, até o século 20.
Então esse processo fez com que o direito brasileiro adquirisse características próprias...
O modo como o direito de propriedade emergiu no Brasil é tremendamente diferente, apesar de os códigos serem parecidos – o Código Civil brasileiro é uma imitação dos europeus – do contexto de formação de propriedade. Esse tipo de peculiaridade é que o historiador do direito pode trazer à tona. Paolo Grossi diz que o historiador do direito tem a função de ser a consciência crítica dos demais juristas. Pois ele é capaz de ver a precariedade, a provisoriedade, das soluções jurídicas contemporâneas. E diz que nós somos um ponto numa linha e, geralmente, o jurista envolvido com a dogmática não enxerga linha. Ele só vê o ponto, porque ele está inserido nela. Portanto, quando você tem um olhar diacrônico, você pode fazer uma contribuição. E o António Hespanha diz que a função do historiador do direito é desmistificar o direito contemporâneo, mostrar o quanto ele é precário, que ele é uma solução que foi, mas que poderia ter sido outra.
Esse tipo de reflexão será feito no Congresso de História do Direito?
O Congresso Brasileiro de História do Direito é um evento grandioso. O Instituto Brasileiro de História do Direito, do qual sou presidente nos últimos oito anos – estou completando o segundo mandato e agora deixo o cargo –, que organiza esse evento, além de fomentar a discussão da história do direito no Brasil. É aquilo que tem sido a mola propulsora do renascimento dessa área nos últimos 15 anos. Cada mandato é de quatro anos. Nossa internacionalização, além de ser grande, tem uma qualidade imensa. Participam António Hespanha, que é o maior historiador do direito português e um dos maiores do mundo; Carlos Petit, na minha opinião, é o maior historiador do direito espanhol; Rebecca Scott, presidente da Associação dos Historiadores do Direito dos EUA. Professores italianos do México, Argentina. Então, de fato, os nomes internacionais são de primeiro nível. Do ponto de vista nacional todas as pessoas importantes que trabalham na área estarão aqui. A representatividade é de altíssimo nível.
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