A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), assim como todas as instituições relevantes no contexto nacional, tem sido bastante cobrada diante da crise política e econômica do país. Na reta final de seu mandato de três anos, o presidente da entidade, Marcus Vinícius Furtado Coêlho evita se envolver em polêmicas, ressalta a atuação da OAB em prol dos advogados e da sociedade, e procura afastar qualquer vinculação partidária.
O presidente da OAB recebeu a reportagem do Justiça & Direito na semana passada para uma entrevista exclusiva na sede do Conselho Federal, em Brasília. Durante a conversa, ele ressaltou as iniciativas implementadas em sua gestão e falou sobre o novo Código de Ética da Advocacia e sobre o posicionamento da OAB em relação ao impeachment. E apesar de o Conselho Federal não ter se posicionado sobre a situação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, Coêlho comentou o manifesto da OAB-PR favorável ao afastamento do parlamentar.
Dr. Marcos Vinícius, sua gestão à frente do Conselho Federal está chegando ao fim. O que o senhor destaca deste período?
A gestão possui dois nortes. O primeiro é baseado no lema “advogado valorizado, cidadão respeitado”, que lida com uma missão essencial da OAB, que é a defesa do exercício profissional do advogado com liberdade, com altivez, a valorização da democracia, das prerrogativas dos advogados, tendo em vista, não um privilégio de classe, mas um instrumento de melhor prestação de serviço ao cidadão. A defesa das prerrogativas vem para que o cidadão seja mais respeitado no Sistema de Justiça. Se de um lado você tem o Estado julgador, acusador, policial e fiscal. Por outro lado, tem o cidadão, a pessoa física e jurídica que em seu favor possui o advogado. O Estado não pode sufocar o cidadão. Se o cidadão é o centro gravitacional do Estado, o advogado, deve ser respeitado, sob pena de o Estado se tornar um fim em si mesmo.
E quais foram os avanços com relação às prerrogativas?
Primeiro: criamos a Procuradoria Nacional de Prerrogativas, que atendeu 18 mil demandas judiciais. Criamos a Ouvidoria dos Honorário Advocatícios, com a campanha “Honorários Dignos: Uma Questão de Justiça”. Lutamos e aprovamos, no novo Código de Processo Civil, diversas conquistas para os advogados, como a contagem do prazo em dias úteis; as férias dos advogados entre 20 de dezembro e 20 de janeiro; o fim do aviltamento dos honorários, o tratamento igualitário com a fazenda pública e com o particular em termos de honorários. E aprovamos na Câmara dos Deputados os honorários da advocacia trabalhista. Também aprovamos na Câmara dos Deputados, e está em tramitação no Senado, o projeto de lei que torna obrigatória a presença do advogado no inquérito policial, podendo o profissional ter uma atuação muito mais presente do que atualmente. É uma medida que, se por um lado valoriza a advocacia, por outro, protege o cidadão, principalmente os mais pobres que hoje respondem o inquéritos sem o acompanhamento do profissional da advocacia.
A entidade não deve ser longa manus de governo, nem linha auxiliar da oposição.
Ainda sobre as prerrogativas, houve neste mês o lançamento do Sistema de Monitoramento da Violência contra Advogado. Que fatores que contribuíram para essa iniciativa?
Com a criação da Procuradoria de Prerrogativas, com a atuação da Comissão Nacional de Prerrogativas, com a verificação de que muitos colegas advogados foram vítimas de violência, chegando a casos de morte encomendada, homicídios contra advogados, verificou-se a necessidade da criação desse sistema de monitoramento. Vamos ter um mapa sobre a violência de prerrogativas no Brasil. Para que justamente possamos divulgar, denunciar essa violência e planejar uma atuação efetiva. E nesse bloco sobre valorização, a OAB acredita que além da defesa das prerrogativas, há outra forma de valorizar a advocacia, que é através da defesa da ética na profissão. Prerrogativa e ética são duas faces da mesma moeda. Nesses três anos, discutimos com os advogados brasileiros, colhemos sugestões dos profissionais via internet, ouvimos as instituições da advocacia e aprovamos um novo Código de Ética para os advogados.
E quais são as principais inovações deste novo Código de Ética?
O processo ético-disciplinar ficou muito mais rápido. Os relatores terão o prazo máximo de 30 dias para decidir sobre os casos. Se o prazo expirar, automaticamente o processo vai para outro relator. Assim, se evita que algum processo disciplinar fique parado ou vá à prescrição. Outra inovação é que criamos um capítulo próprio de responsabilidade ética dos dirigentes da OAB. Presidentes e conselheiros não tinham dispositivos específicos éticos, pois, como dirigentes da OAB, não estamos exatamente no exercício da profissão, estamos no exercício da representação dos colegas de profissão. Então, criamos esse capítulo para fique claro sobre a exigência da conduta ética de dirigentes da OAB. Incluímos a advocacia pública no Código Ética, que passa a ter um capítulo específico. Tornamos a mediação, a conciliação e a arbitragem um dever ético dos advogados. Se antes havia dúvida se a OAB era favorável ou contra esses instrumentos, com o novo Código de Ética, passamos a obrigar o advogado a estimular os clientes a utilizarem os meios alternativos de resolução de conflitos, como um dever ético. Uma grande mudança é a advocacia pro bono, que antes era proibida e passa a ser permitida. Temos, portanto, a possibilidade de os advogados praticarem a solidariedade no exercício da profissão.
Quais serão os critérios para a advocacia pro bono?
Nós proibimos que os advogados utilizem a advocacia por bono para fazer publicidade, se promover ou captar clientela. Está tramitando na Ordem um provimento específico que vai regulamentar alguns aspectos da advocacia pro bono, mas ela já está permitida.
E como fica a publicidade e o uso de redes sociais?
Há regulamento no sentido de manter a linha, de que o advogado não pode se mercantilizar, se oferecer como um produto, como um papel higiênico, como um sabão em pó. Não se pode usar meios de divulgação como outdoor, vinhetas em televisão e rádio. Continuamos mantendo essa proibição. Mas permitimos a publicidade com discrição e moderação, inclusive na internet e por meio de telefone, usando redes sociais. Uma publicidade de de orientação, uma publicidade educativa. Nós queremos que a advocacia se comunique, mas sem captação de clientela.
E qual é o segundo norte de atuação desta gestão?
Não queremos passar a impressão de que, por ser o Eduardo Cunha um adversário notório da OAB, a posição da Ordem será uma revanche.
O segundo bloco de atuações foi primado pelo lema “OAB: a voz constitucional do cidadão”, que diz respeito à função social da OAB, à nossa importante representação pública. Em 2013, ingressamos com as manifestações da população contra a corrupção. A OAB tem o papel de dar vazão institucional às reivindicações da sociedade. E o que fizemos? Fomos ao Senado e detectamos a existência de um projeto de lei que estava há anos lá dormindo e exigimos a aprovação, que resultou no na Lei Anticorrupção. A lei foi aprovada em uma semana. E na ata os senadores registraram que estavam votando porque a OAB alertou. É uma lei importante até para o que está acontecendo hoje no Brasil, que é a punição das empresas. Também fomos à Câmara dos Deputados e exigimos a PEC contra o voto fechado para votação de cassação de mandatos de deputados e senadores. E fomos ao Supremo Tribunal Federal pedir preferência na apreciação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que havia sido proposta já na gestão passada, foi pautada em dezembro de 2013, que afasta o investimento empresarial em campanhas e candidatos. Esse é um dos motivos principais da corrupção. Fomos ao STF em defesa do cidadão com a ADI para que tabela do Imposto de Renda seja corrigida de acordo com inflação. Também pedimos preferência no julgamento da ADI da PEC do calote dos precatórios. E houve ainda a nossa atuação contra a apropriação indevida que alguns governadores tentaram fazer de depósitos judiciários para o pagamento de contas públicas. Fomos ao STF, ao CNJ, atuamos em parceria com a OAB-PR em alguns casos. Alcançou êxito dentro do critério de que a OAB é a voz constitucional do cidadão, o nosso partido é a Constituição da República e a entidade não deve ser longa manus de governo, nem linha auxiliar da oposição.
Impedir o financiamento de campanha vai impedir a corrupção, já que existe o caixa 2?
Respondo com dois níveis de raciocínio. Primeiro: nós estamos no passo seguinte. Só o fim do financiamento de empresas não é suficiente. Nós estamos agora em uma mobilização nacional pela criminalização do caixa dois de campanha. Queremos que aquele que pratica o caixa dois saiba que se ele for pego, não perderá somente o mandato, que é um preço muito barato. É um risco pequeno para um crime grande. Nós estamos lutando para que o caixa dois deixe de ser matéria de defesa em processos de corrupção e passe a ser crime duramente punido. Queremos que a sociedade seja partícipe, no sentido de não votar em candidato que faz campanha milionária, hollywoodiana. Com o fim de financiamento de empresas, aquele candidato que aparecer com campanha milionária estará fazendo caixa dois, assim como a OAB tem a campanha de não votar em candidato ficha-suja. Nós estamos vendo nos vários episódios da história recentes do Brasil que o fato de a doação ser legal não significa que a sua origem foi lícita. O fato de ser realizada a doação está impedindo o caixa dois? Não. O que existe hoje é a doação por dentro e por fora e, como existe a doação legal, você não percebe a olho nu se o candidato que está fazendo campanha milionária é porque tem caixa dois. Se você proíbe tudo, saberá que o candidato está fazendo caixa dois. Queremos que as campanhas sejam baratas, franciscanas, baseadas em propostas, ideia. Por que isso pode ser feito? Na Inglaterra é feito assim, lá se gasta 10 vezes menos do que no Brasil, proporcionalmente, em campanha eleitoral. E também lutamos para que haja a proibição do financiamento por servidores que ocupam cargos comissionados. E assim apoiamos um projeto do senador Aécio Neves.
Como a OAB está lidando com a questão o impeachment atualmente?
A presidente tomou posse dia 1º de janeiro. Esse tema, em abril deste ano, ficou muito forte e eu pedi a opinião do plenário do Conselho Federal. O plenário opinou que o presidente da Ordem deveria se posicionar no seguinte sentido: até que sobreviesse um fato concreto, que viesse a ter indício de alegação de cometimento de crime pela presidente da República, a Ordem não iria se manifestar.
Na opinião de alguns juristas já há esses indícios...
Isso foi em abril. Naquele momento nós tínhamos alguns partidos dizendo que existiam, outros dizendo que não. Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que não tinha nada contra a presidente. E o plenário decidiu que não havia um elemento concreto para ser apreciado. O que há são posições político-partidárias. No dia que o Tribunal de Contas da União rejeitou as contas da presidente da República, nós criamos uma comissão para avaliar se há um crime de responsabilidade da presidente da República. Então, tão logo a comissão termine seu trabalho, que tem um prazo de 30 dias, pautaremos uma sessão para que o plenário da OAB nacional de novo se debruce sobre o tema.
A Seccional da OAB no Paraná se pronunciou defendendo o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Como o Conselho Federal vê esta questão?
Não há um posicionamento definido do Conselho Federal sobre o assunto. Posso comentar que a OAB nacional tem o devido cuidado de jamais ser tida como uma entidade que é braço de governo ou braço de oposição. Não queremos que qualquer posição nossa seja tida como contra o presidente da Câmara porque é benéfico ao governo ou a favor do presidente da Câmara porque é contra o governo. Nós não entramos nesse tipo de diálogo. Nosso pensamento é o mesmo pensamento da seccional do Paraná: se há elementos que demonstrem provas cabais e definitivas de corrupção, deve haver a devida responsabilização, doa a quem doer. De fato, a lei deve ser para todos no Brasil. Também não queremos passar a impressão de que, por ser o Eduardo Cunha um adversário notório da OAB, uma posição da Ordem seja levada como uma revanche. Mas havendo provas concretas e definitivas, todos devem ser responsabilizados. E defendemos para todos os brasileiros, inclusive o presidente da Câmara, os princípios constitucionais da presunção da inocência e do direito de defesa. Havendo provas, a própria Câmara pode ser mais ativa e tomar suas deliberações. Eu tenho sempre o cuidado aqui na Ordem de evitar comentar casos concretos, não ser comentarista de casos, mas defensor de causas. Mas há situações que saltam aos olhos. Se a Seccional do Paraná analisou o caso e viu esses elementos, bem fez em tomar a decisão que já tomou. Mas no Plenário do Conselho Federal, já foi pautado.
Um dos temas em que Cunha é adversário da OAB é o Exame de Ordem. Como o Conselho Federal está tratando essa disputa?
Em primeiro lugar, em todos os países do mundo em que o Estado de Direito é algo importante, há exames. Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Japão, França, Espanha, Portugal, Chile, Canadá... O exame é exigido porque um mal profissional pode trazer prejuízos irreparáveis a terceiros. Foi assim que o STF avaliou quando julgou a constitucionalidade do Exame de Ordem. Em segundo lugar, o Exame de Ordem nivela por cima e não por baixo as faculdades de direito. Por isso que tem o apoio das boas faculdades direito. Só não gostam do Exame as faculdades sem qualidade. Fizemos uma pesquisa com os estudantes que se submetem ao Exame de Ordem. A ampla maioria é favorável. E fizemos uma pesquisa Datafolha junto à população brasileira e a ampla maioria é favorável ao Exame de Ordem. Para a satisfação nossa entidade foi tida como a de maior credibilidade. Temos quase 80% de confiança, quase empatamos com as Forças Armadas, que está em primeiro lugar. Se muitos acham que deveríamos buscar a popularidade fácil, a pesquisa de opinião pública feita e julho, já com a OAB tendo a posição que tem hoje, mostra que a população não espera que a Ordem surfe na onda, mas que seja uma entidade que tenha uma posição respeitável e com bases jurídicas.
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