| Foto: Antônio More / Gazeta do Povo

O grupo de trabalho organizado pelo Ministério da Fazenda para elaborar propostas que estimulem melhorias no ambiente de negócios do Brasil já está divulgando algumas de suas propostas, inclusive de uma nova legislação.

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O jurista paranaense Egon Bockmann Moreira é um dos integrantes do grupo e explica quais são as novidades que já podem ser divulgadas, como o projeto da “PPP mais” e mudanças na Lei 8.666. Em entrevista ao Justiça & Direito, além de falar sobre sua participação no grupo do Ministério da Fazenda, o advogado expôs sua opinião sobre Agências Reguladoras, um de seus principais temas de pesquisa, e também falou da paixão por lecionar e pelos livros.

Ao falar das leituras, também contou sobre o interesse sobre física quântica, que o ajuda a entender os contratos. “A gente pensa que os contratos são newtonianos, mas eles são quânticos, as coisas acontecem. Às vezes surge uma partícula e daqui a pouco ela some.”

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Ficha técnica
  • Currículo: doutor em Direito pela UFPR, professor da Faculdade de Direito na mesma universidade, professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011). Palestrante nos cursos de MBA, LLM e educação continuada na FGV Direito Rio
  • Juristas que o inspiram: António José Avelãs Nunes e Marçal Justen Filho
  • O que está lendo: Le Grand Roman de la physique quantique, de Manjit Kumar; Tirza, de Arnon Grunberg; Discricionariedade, regulação e reflexividade, de Sérgio Guerra; e está relendo Moby Dick, de Herman Melville
  • Nas horas vagas: gosta de ler, ficar com a esposa e o filho e caminhar no Parque Barigui

O grupo de trabalho no Ministério da Fazenda já tem dois pontos-chave que podem ser divulgados. Quais são?

O trabalho vai se dar em ondas ou fases. Essa primeira, que está sendo mais intensamente tratada nas últimas semanas, diz respeito basicamente a algumas alterações pontuais na Lei 8.666, que é a Lei Geral de Contratações Administrativas, e a criação de uma nova modalidade de contratos e de contratação administrativa, que foi denominada de “PPP mais”. Ou seja, a primeira são algumas alterações específicas na 8.666 que pretendem fazer com que ela seja mais eficiente, seja adaptando essa lei para alguma decisões já consolidadas nos tribunais de contas e na jurisprudência, seja inovando em vista de algumas experiências já tidas no Regime Diferenciado de Contratação (RDC); ou criando um ambiente que torne o regime de contratação pública mais seguro, mais confortável, tanto para a administração, quanto para o que será contratado. O “PPP mais” é um novo mundo razoavelmente revolucionário no que diz respeito às contratações públicas. Por um lado, ele se destina apenas a alguns poucos projetos de interesse nacional, por enquanto não vai ter uma abrangência muito ampla. Por outro, pretende fazer com que esses projetos sejam submetidos a um ritmo mais célere e mais seguro, tanto da licitação, quanto da execução do contrato.

Para a aplicação do “PPP mais” é preciso uma nova legislação?

Sim, é uma minuta de projeto de lei que vai ser encaminhada em parceria com a presidência do Senado nesse projeto chamado Agenda Brasil.

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Diante da instabilidade política, vocês estão crentes de que haverá apoio para que o projeto seja aprovado no Congresso?

Sim, nós estamos crentes de que haverá essa tramitação célere.

E quais seriam os projetos de interesse nacional em que se aplicaria o “PPP mais”?

Por enquanto, não existe essa definição, mas existe o estabelecimento de uma comissão administrativa do Conselho Nacional do “PPP mais” que vai, quer espontaneamente, quer por provocação de agentes do mercado ou por provocação de órgão e entidades da União, dos estados e dos municípios, avaliar e definir quais são os projetos prioritários e decidir pela submissão desses projetos ao regime de PPP mais. É um sentido um pouco mais amplo do que já existe hoje no Brasil sobre Parcerias Público Privadas, é um passo a mais, um passo adiante.

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Em que sentido é um passo a mais?

No sentido de que envolve não só os contratos de concessão da 11.079, que é a Lei de PPPs, de concessão administrativa e concessão patrocinada, mas envolve prioritariamente o que o PL chama de contratos público-privados, concessão comum, concessão patrocinada, concessão administrativa e concessão da legislação setorial. Ou seja, numa perspectiva muito ampla envolve também, e isso é bastante inovador, contratos de fomento empresarial, estímulo por parte do Estado a que investidores privados celebrem determinadas vantagens para fazer alguns investimentos estruturais em termos nacionais.

Em contratos de longo prazo, a segurança advém da certeza da mudança. Os contratos precisam ter algumas cláusulas de viagem difícil

Na minuta do projeto do “PPP mais”, está prevista a figura estruturador-chefe. O que seria essa função?

Estruturador-chefe vai ser um servidor público qualificado, que vai ser uma espécie de – vou forçar um pouco – CEO dos projetos. Ele vai ser o responsável por estabelecer um consórcio público entre as pessoas envolvidas no projeto. Digamos que seja um projeto de uma ferrovia que passe ao largo de uma área indígena. Esse estruturador vai ter competência para formar esse consórcio público envolvendo órgãos federais, estaduais, municipais, ou Ibama, Incra e que vão estar legislativamente obrigados a dar prioridade a esses projetos nacionais.

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Essa pessoa vai ser escolhida pelo gestor público?

Vai ser escolhida pelo Conselho de PPPs.

E o Conselho de PPPs vai ser composto por quem?

O Conselho Nacional “PPP mais” vai ser integrado pelo ministro da Fazenda – que vai presidi-lo – pelo chefe da Casa Civil, pelo ministro do Planejamento e por quatro conselheiros independentes, de elevada reputação, experiência técnica de mais de dez anos, indicados em conjunto pelos ministros e nomeados pelo presidente da República. É como se fosse uma racionalidade semelhante ao CNJ e ao CNMP. E vai definir algumas diretrizes, vai emanar resoluções e nomear o estruturador-chefe.

Estamos passando por um momento político e econômico delicado, em que há pouca credibilidade nas licitações e nos contratos públicos. Qual será a resposta do grupo para as perguntas que coloquem em questão esse novo projeto?

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A resposta é que se pretende fazer um arcabouço diferenciado com menores exigências burocráticas, com uma experiência prática do que já se passou, quais as hipóteses que são positivas na contratação pública e tentar fazer uma modelagem normativa que permita conferir segurança para aqueles que têm contato com isso. Isto é, diminuindo algumas burocracias típicas de contratações públicas brasileiras e incrementando, normativamente falando, algumas vedações para que o poder público não possa intervir exageradamente nos contratos e, assim, criar uma instabilidade contratual. São algumas coisas que em outros países do mundo podem ser óbvias, mas no Brasil, a experiência demonstra, é cada vez mais necessário haver previsões específicas que tentem consolidar algumas garantias contratuais para as partes que vão entrar nessa modalidade de contratação.

Qual a expectativa de impacto econômico e político caso esse projeto seja aprovado?

Esse projeto já foi há pouco tempo divulgado em um evento na FGV no Rio de Janeiro e teve a participação de investidores e ministros ingleses, que demonstraram uma receptividade muito boa. Existem muitos governos, pessoas e empresários de outros países que têm interesse de investir do pais. O fato é que a legislação brasileira vem sofrendo alguns reveses. É fato que a legislação não faz milagres. Mas uma legislação consistente pode gerar uma expectativa positiva nos respectivos agentes de mercado, como foi na primeira onda da década de 1990, as legislações setoriais que envolveram agências reguladoras independentes. Essa legislação foi decisiva para aquela onda de investimentos que houve no Brasil naquele período.

A Lei 8.666 é um animal em extinção, mas é um animal forte e robusto.

Como foi o clima de trabalho? Houve um consenso fácil? Muitas ideias distintas?

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Existem ideias e prioridades distintas. Mas há algo que une o grupo que é este ímpeto de tentar fazer algo que efetivamente melhore o ambiente de negócios. Esse dado une fortemente e afasta as idiossincrasias que todos nós temos. Essa primeira fase tem como mentor efetivamente o professor Carlos Ary Sundfeld. Temos as nossas pastas do Dropbox, ficamos trocando e-mails ao longo da semana e temos nos reunido semanalmente em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em Brasília sempre no prédio do Ministério da Fazenda, em que a gente consolida os debates travados por via virtual. Essa, assim espero, é a primeira fase. Temos também, em paralelo, o projeto de lei que altera que Lei de Introdução do Código Civil, que já está no Senado. Tem o da 8.666. E, na segunda fase, quem sabe, venha a legislação das agências reguladoras.

O senhor deu a um de seus textos de opinião o seguinte título: “Não me fale da 8.666!”. Com essas mudanças, será possível adotar essa lei de uma maneira melhor?

Veja, sobre a 8.666, eu costumo dizer que a gente está tratando de direito ambiental. É um animal em extinção, mas é um animal forte, um animal robusto. Não é um animal qualquer, não podemos menosprezar a 8.666. Essa legislação do “PPP mais” visa escapar da 8.666. Ela tem uma previsão na minuta do projeto de lei que afasta as previsões legislativas de outras leis, ela tem o seu próprio artigo “não me fale da 8.666”. À parte disso, as alterações da 8.666 resultam da constatação de que ela vai persistir a conduzir algumas contratações importantes. Constatou-se, por exemplo, com a experiência do RDC, que não tem porque, em determinadas licitações, avaliar o preço no final. Não tem porque avaliar habilitação de 50 pessoas interessadas no começo, ficar submetido a 150 recursos dessas pessoas brigando umas com as outras para, depois, no final, abrir o preço e decidir, num lance só, qual é a hipótese vencedora. Esse novo encaminhamento das fases da licitação vai ser proposto para alterar a 8.666. Definindo o melhor preço, abre-se o envelope de habilitação só de um, do que ofereceu o melhor preço. Por que não juntar todos os recursos para avaliar só no final, como se dá na Justiça do Trabalho e no RDC?

Com relação às agências reguladoras, o senhor diz que a realidade é bem mais complexa do que a imaginação humana, que é preciso se fazer alterações ao longo do período de duração dos contratos. Como fazer alterações contratuais e manter a segurança jurídica?

Em contratos de longo prazo, a segurança advém da certeza da mudança. Você não tem como carregar na subjetividade e fazer supor que existe alguém que sabe o que vai acontecer daqui a 20 anos. Como você vai projetar um contrato que tenha consistência por 35 anos, 50 anos? Os contratos precisam, respeitando seu objeto, seu funcionamento, ter algumas cláusulas de viagem difícil, que permitam que eles sobrevivam. É mais ou menos como a Constituição, que é permanente, mas não é imutável. Se você supor que o diploma constitucional é imutável, ele vai causar rupturas. Foi isso que a gente experimentou nos vários momentos não democráticos brasileiros. Quando a Constituição tinha alguma coisa que incomodava, derrubava-se e fazia uma outra com todo o custo que isso envolve. Se os contratos querem durar mais de 20, 30 anos, eles necessariamente precisam ter cláusulas, e isso envolve negociação entre as partes, negociação pública, republicana, que se dê conhecimento público antes de entrar em vigor porque senão o contrato vai ser rompido. É aquela afirmação que costumo fazer: quem souber qual vai ser a inflação e a taxa de câmbio poderia estar na sua ilha particular. Essa ideia de que existem coisas previsíveis no longo prazo é um erro brutal. O longo prazo não é previsível em lugar nenhum. Basta ver aquele contrato celebrado “até que a morte os separe”.

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Além da advocacia, sua atuação como professor é bem ativa. Como concilia todas as searas da vida?

Tem um texto do Thomas Mann que é o Elogio da Transitoriedade. Ele fala uma coisa sensacional ao ser questionado como consegue escrever e fazer tanta coisa. Ele diz que o tempo para algumas pessoas tem uma tessitura diferente. É basicamente fazer as coisas com paixão.

E o senhor tem uma grande biblioteca no escritório?

Aqui [no escritório] é do mundo do dever ser. A lá de casa é mais legal, é do mundo do ser, só com títulos não jurídicos. Eu devo muito aos bibliotecários, eu tinha o critério Bockmann Moreira e organizava por assunto e nacionalidade, com os professores que brigavam um ao lado do outro. São em torno de 5 mil volumes. Quando fiz meu mestrado em São Paulo, pelo menos uma vez por semana eu ia a sebos. Com a internet, isso virou algo compulsivo, sempre descubro um livro raro, que eu só via em notas de rodapé.