Um dos autores do pedido de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT), Miguel Reale Júnior diz não cogitar uma possível reversão do processo no julgamento do Senado Federal. “Há um clima político com absoluto reconhecimento de que o país cairia numa desordem de tamanha grandeza. Seria um retorno ao caos”, disse. Professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), Reale Júnior redigiu ao lado da jurista Janaína Paschoal e Hélio Bicudo o pedido de impeachment aceito pelo presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no final de 2015 e afirmou que há uma série de fatos que não foram incluídos no processo pelo temor de Cunha sobre as denúncias da Operação Lava Jato. “Foi uma motivação absolutamente imoral”. O jurista concedeu entrevista exclusiva ao Justiça & Direito quando esteve em Curitiba na última terça-feira (14) para participar de um evento na OAB-PR em homenagem ao professor René Dotti. Reale Júnior falou sobre o processo, sobre o governo interino de Michel Temer (PMDB), criticou o rito definido pelo STF e rebateu as críticas de que o processo se trataria de um golpe de Estado. “Falar que é golpe um processo com tantas etapas chega a ser ridículo”, disse. Leia a entrevista completa:
Como foi o processo de produção dos pareceres que culminaram no processo de impeachment da presidente Dilma? Foram dois pedidos por crime de responsabilidade pelas pedaladas e uma representação ao procurador-geral da República por crime contra as finanças e falsidade ideológica. Como se deu a escolha da estratégia adotada?
Foi um estudo preliminar realizado no primeiro semestre do ano passado. Depois, houve a iniciativa da Janaína Paschoal, junto com o Hélio Bicudo. Em seguida, novos fatos surgiram, que exigiram que fosse feito um novo pedido. No fundo, os fatos vieram se avolumando. Justificar-se-ia até que novos pedidos fossem feitos, como por exemplo, o pedido da OAB, que trouxe novos acontecimentos. Então, na verdade, foram os fatos que conduziram esses pedidos. O pedido ficou paralisado um bom tempo por estratégias do ex-presidente da Câmara, vamos chamá-lo assim. O Eduardo Cunha e que decidiu apenas a dar andamento no final de dezembro. Isso na verdade, foi em razão dos fatos que foram revelados.
Como é que se firmou essa parceria entre o senhor, a doutora Janaína Paschoal e Hélio Bicudo para fundamentar o processo?
A Janaína já havia participado comigo na elaboração de um parecer, chegamos a fazer juntos uma representação à Procuradoria Geral da República por crime comum relativo especialmente às operações de crédito ilegais - as pedaladas. Ela tem trabalhado comigo em várias outras questões. A Janaína é professora da faculdade de Direito, minha orientanda… Ela que teve a iniciativa de procurar o Bicudo. E depois nós tivemos um contato com ela mostrando, que havia outros elementos que poderiam ser acrescidos, novos fatos. Tiveram também os movimentos como o “Vem Pra Rua” que trouxeram a sugestão de que eu viesse a participar, acrescentando esses novos fatos.Os pedidos foram se acrescendo e recebendo anuência dos movimentos da sociedade que são contra a corrupção. Foram mais de 40 movimentos.
A oposição chegou a questionar que seus argumentos seriam políticos e não jurídicos. Como o senhor analisa estas críticas?
O processo de impeachment é sempre um processo político e jurídico e tem conteúdo jurídico com conteúdo político. Mas ele tem uma base jurídica consistente e o enquadramento técnico na Lei n° 1.079, que é a lei do impeachment. O pedido tinha outros fatos elencados, que foram eliminados por um despacho inicial, que, aliás, foi um ato indevido e impróprio do Eduardo Cunha. E por que que o Eduardo Cunha eliminou, por exemplo, todos os fatos que envolviam a presidente Dilma por atos de improbidade administrativa, por não ter responsabilizado os seus subordinados com relação à corrupção na Petrobras? Fatos esses, que, aliás, estão cada vez mais comprovados por depoimentos que demonstram que ela não só foi conivente com os maus feitos ocorridos na Petrobras, como prometeu proteção aos seus diretores. Por que ele eliminou? Porque isso teria ocorrido no mandato anterior, entre 2010 e 2014. E, como ele havia recebido propina no mandato anterior, ele não queria que fatos do mandato anterior viessem a tona, porque poderiam também atingi-lo. Foi uma motivação absolutamente imoral, que o fez eliminar a responsabilização da presidente pela sua omissão dolosa na responsabilização de dirigentes da Petrobras.
Eu gostaria que os réus tivessem no Brasil todas essas garantias, todos esses procedimentos seguradores e tantos julgamentos para que viesse a ser reconhecida a sua responsabilidade em um crime [como há no impeachment].
O senhor chegou a afirmar que houve um “ativismo político” por parte do Supremo Tribunal Federal na condução desse rito do processo de impeachment. Como o senhor avalia o trabalho do STF neste caso?
Eu acho que desde 1992 houve uma interferência muito grande de criação de um rito, que não está previsto na Constituição, nem na Lei 1.079. Criaram-se vários procedimentos, que não estão previstos na Lei do Impeachment. Se o processo de impeachment já é um processo difícil, doloroso e lento por si, que exige uma maioria qualificadíssima de dois terços, o processo imposto pelo STF tornou-se ainda mais gravoso. São três processos de votação pelo Plenário do Senado. Só na Câmara há uma votação pela comissão processante, uma segunda votação pela comissão processante, e depois pelo Plenário. Outra votação da comissão processante do Senado outra votação e então uma votação no Plenário do Senado.
Depois volta-se para a votação na comissão processante, depois uma segunda votação e depois uma nova votação no Plenário do Senado. Veja, é extremamente lento, extremamente longo. Eu gostaria que os réus tivessem no Brasil todas essas garantias, todos esses procedimentos seguradores e tantos julgamentos para que viesse a ser reconhecida a sua responsabilidade em um crime. Falar que é golpe um processo com tantas etapas chega a ser ridículo.
Há um clima político com absoluto reconhecimento de que o país cairia numa desordem de tamanha grandeza [com o retorno de Dilma]. Até porque seja no plano político, seja no plano econômico, o país começa a entrar nos trilhos.
O senhor acredita que é possível reverter esse processo de impeachment no Senado?
Eu acho difícil, especialmente pelas provas recentemente produzidas, pelos depoimentos que foram realizados e pelo relatório, que deverá vir do Tribunal de Contas da União. É muito difícil que isso venha a realizar-se, além do que, se percebe que o país está se acalmando, se acomodando. Há uma pacificação. Eu digo que o governo Temer começou de uma forma muito urgente; eu diria que é uma orquestra que começou a tocar sem ensaio, aos poucos está começando a afinar. Com alguns erros, mas, aos poucos está vendo que o país está começando a se entender. Se percebe o quanto houve de irresponsabilidade e também o quanto houve de ilicitude com os processos que agora vão ser instaurados também contra o ex-presidente Lula, as tentativas de interrupção do processo Lava Jato por vários dos membros e com atos concretos produzidos por membros do governo Dilma.
Portanto, não se vai querer voltar atrás. Além do que, os fatos que foram praticados foram da maior gravidade, foi de uma irresponsabilidade gravíssima. Nós perdemos notas de investimentos, capacidade de produção, controle fiscal, controle da inflação, capacidade de produção, nós perdemos emprego,segurança. Tudo isto com um preço elevadíssimo, que a nação começa ressurgir. Vai ser lento? Vai ser difícil? Vai. Mas há um início, há um começo de expectativa, um começo de confiança. O que foi feito foi muito grave.
Caso esse processo se reverta no Senado, o senhor acredita que há um interesse de ingressar com novos processos de impeachment?
Nem me passa pela cabeça essa hipótese, porque eu acho os fatos tão graves...Há um clima político com absoluto reconhecimento de que o país cairia numa desordem de tamanha grandeza. Até porque seja no plano político, seja no plano econômico, o país começa a entrar nos trilhos. Seria um retorno ao caos.