A pesquisa que mostra que um terço da população ainda acredita que a vítima é culpada pelo estupro intensifica o debate sobre como esse crime ainda é visto a partir de estereótipos na sociedade brasileira. O levantamento feito pelo Datafolha, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra que 33,3% da população acredita que a vítima é a culpada.
O Código Penal define o crime de estupro como “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena estabelecida é de seis a dez anos de reclusão.
Para a procuradora de Justiça do Ministério Público do Paraná (MP-PR) Rosângela Gaspari, quem responsabiliza a vítima não tem noção do que é esse crime. “Essas respostas levianas não levam em conta a profundidade dos fatos. Não estamos falando de ato consensual. A legislação brasileira é bem clara, é um crime em que sempre haverá grave ameaça ou violência.”
Rosângela coordena o Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (Naves), que desde a fundação, em novembro de 2013, já atendeu 310 vítimas de estupro. No Brasil, em 2014, segundo dados do FBSP, foram registrados 48 mil estupros.
Horário
A coordenadora do Naves chama a atenção para um dado importante, 10% das vítimas são atacadas entre 5 h e 8 h da manhã, ou seja, são trabalhadoras se deslocando para seu trabalho, muitas vezes abordadas em locais ermos, com pouca movimentação, quando ainda está escuro.
A presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná (OAB-PR), Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, considera que, além da lei, é preciso mudar a cultura no Brasil. Temos um péssimo hábito de achar que uma lei resolve tudo. As leis são parte de um processo, mas é preciso mudar a cultura.
A advogada questiona o impacto de uma pesquisa como essa, que traz um questionamento semelhante ao de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2014. “Até que ponto, quando uma pesquisa dessas destaca a cultura de uma parcela da população, não acaba por reforçar esses estereótipos?”, diz Sandra Lia. “Essa pesquisa não poderia ser direcionada para que apontasse soluções?”, pergunta.
Na opinião da presidente da Cevige, não é preciso traçar um perfil da vítima, mas sim do agressor. Políticas públicas também deveriam estar mais em pauta, como o desenvolvimento dos serviços de segurança pública, com aperfeiçoamento dos bancos de DNA e do sistema de perícia. A capacitação dos operadores do direito que lidam com as vítimas também é outro ponto que precisa ser aprimorado. Além disso, a própria estrutura das cidades deve ser pensada para evitar a violência sexual, com mais iluminação pública e menos locais ermos, como terrenos baldios.
Orientações
O Naves está promovendo audiências públicas com orientações à população para prevenir o estupro e sobre como proceder em caso de violência. Em Curitiba, o bairro em que há mais registro de estupros é o Centro. Mas como na região há muito fluxo de pessoas de diferentes localidades, as audiências iniciaram pelo bairro CIC – o maior da cidade e o segundo com mais registros desse crime.
Nas audiências, além de conversas para conscientização, a equipe do MP dá orientações práticas sobre como proceder em caso de violência. O primeiro procedimento deve ser procurar um hospital. Em Curitiba, o Hospital Evangélico e o Hospital de Clínicas (HC) são referência no atendimento desses casos e devem providenciar a medicação necessária.
Outra informação importante é que, caso a vítima tenha provas que possam conter o DNA do agressor, como roupas íntimas, elas devem ser guardadas em sacos de papel – pois sacos de plástico podem dificultar a análise pelos peritos
30% das 310 vítimas atendidas pelo Naves aderiram ao atendimento psicológico. Dessas, 70% decidiram representar contra os agressores, pois o estupro é um crime que precisa que a vítima opte por prosseguir com o processo.
Sandra Lia também ressalta que é importante que o atendimento médico ocorra dentro de no máximo 72 horas para evitar a contaminação com doenças sexualmente transmissíveis.