Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), chegou ao fim a jornada de um motorista de ônibus de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, para receber adicional salarial pelo acúmulo das funções de motorista e cobrador. Ele não receberá o adicional de 40% do piso salarial de cobrador. Uma vez que não se trata de matéria constitucional, o STF rejeitou, na semana passada, os três recursos apresentados pelo advogado do empregado, confirmando, na prática, a decisão tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em abril de 2016.
Os ministros da Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Individuais do TST entenderam, por unanimidade, com base no artigo 456 da CLT, que “há permissão legal para o empregador exigir do empregado qualquer atividade compatível com a condição pessoal do empregado, desde que lícita, não havendo justificativa, portanto, para a percepção de acréscimo salarial, pelo reclamante, que exerce, cumulativamente, a função de motorista e cobrador”. Citaram também precedentes judiciais do próprio TST e de outros Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) no Brasil.
O motorista alegava, a partir do artigo 468 da CLT, que a única beneficiada com a alteração de sua jornada era a empregadora. Os ministros, porém, argumentaram que “as atividades de cobrador (...) são, em regra, compatíveis com a atividade de motorista, que era, no caso, a principal, estando inseridas no elenco de obrigações decorrentes do contrato de trabalho (...), e desde que exercidas dentro da mesma jornada de trabalho”.
Curitiba
No final de 2012, foi sancionada em Curitiba a Lei 14.150, que proíbe o exercício da dupla função de motorista e cobrador de ônibus. A proibição passou a valer em março de 2013, mas a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados do Paraná e Santa Catarina (Fepasc) moveu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei municipal, por entender que ela deveria ter sido proposta pelo Poder Executivo e não pelo Legislativo. Em junho de 2013, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) derrubou a ação.
Desde 2003, tramita na Câmara Federal um Projeto de Lei (PL) do deputado Vicentinho (PT-SP) para proibir a dupla função de motorista e cobrador. Em 2014, o projeto foi apensado ao PL 1113/1988, que pretende regulamentar a profissão de motorista de ônibus em todo o Brasil.
Controvérsia
A decisão da Subseção I reformou a decisão anterior da segunda turma do TST, que tinha julgado procedente, por unanimidade, o pedido do empregado, entendendo haver violação do artigo 468. Para a turma, o caso consiste em “intensificação do trabalho por salário equivalente”, o que acarreta “a sobrecarga ou acúmulo de funções, de tarefas ou atividades mediante a densidade do labor, rapidez dos serviços e maior dispêndio de energia física e mental”.
Marlos Melek, juiz do Trabalho no Paraná, ressalta que o reconhecimento de acréscimo salarial por acúmulo de funções é uma posição minoritária no direito brasileiro. Para o juiz, como não há essa figura na CLT, nenhum empregador poderia ser condenado a pagar esse adicional sem a devida previsão legal. “Segundo a lei, o empregado quando é contratado, deve emprestar toda a sua habilidade, toda a sua força intelectual e física, dentro dos parâmetros legais, em favor do empreendimento”, aponta o juiz. “No direito brasileiro, a única profissão que tem direito a acúmulo de função é o radialista, por uma lei específica”, destaca Melek.
O magistrado ressalva que, em casos nos quais um empregado é contratado para ser motorista e depois passa a ser também cobrador, pode haver o pagamento de uma diferença no salário em razão da reforma prejudicial do contrato de trabalho. Essa hipótese é controversa entre os especialistas em direito do trabalho, mas tem, a seu ver, fundamentação legal mais adequada.
Nasser Ahmad Allan, advogado trabalhista e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), observa que, de acordo com o entendimento do TST, qualquer acúmulo de funções só dá ensejo a acréscimo se houver um impacto na jornada de trabalho. Para Allan, no entanto, o entendimento que tem prevalecido no tribunal falha ao não reconhecer que um acréscimo nas funções de um empregado gera uma sobrecarga nas atividades. “Do ponto de vista econômico, há uma potencialização da mais-valia, sem a correspondente majoração da contraprestação, o que permite um aumento da lucratividade do empregador e amplia a exploração da mão-de-obra”, completa.
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