Os debates sobre o Estatuto do Desarmamento têm se acirrado com a proposta de revogação desta lei, que está incluída na pauta das manifestações do próximo domingo (26). Além das consequências para a defesa pessoal e para a segurança pública, alterações na legislação sobre o tema envolvem também um debate sobre o papel do Estado e até onde se pode regular o modo como o cidadão se defende.
A violência no Brasil é o combustível para que o debate se inflame. Um estudo da ONG mexicana Conselho Cidadão de para Segurança Pública e Justiça Penal, por exemplo, aponta que o Brasil tem 21 das 50 cidades mais perigosas do mundo. O levantamento toma como base a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes.
Mudanças na lei
As regras atuais do Estatuto do Desarmamento permitem que apenas pessoas acima de 25 anos possam comprar uma arma, desde que não tenham antecedentes criminais e não estejam sendo investigadas por crimes. A decisão sobre conceder o direito à posse ou não fica a critério do delegado da Polícia Federal que avaliar o pedido. O porte de armas é concedido apenas em casos excepcionais.
A nova proposta, o Projeto de Lei 3.722/2012, por outro lado, pretende acabar com a discricionariedade de delegados tornando obrigatória a concessão do porte a quem se enquadrar nos requisitos exigidos, que também devem mudar: a idade mínima para comprar armas passa a ser 21 anos, pessoas com antecedentes por crimes culposos ou investigadas por crimes que não sejam dolosos contra a vida também poderão comprar armas. O porte deve passar a ser concedido mais amplamente.
O coordenador de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, admite que é compreensível que diante da realidade brasileira a população acredite na solução “mais fácil”. Mas ele insiste que faltam provas técnicas que comprovem que facilitar o acesso a armas resulta em mais segurança. “Se tivessem indícios de que isso é positivo, nós apoiaríamos”.
Para o deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), autor do PL 3722/2012, “está na hora de o governo parar de brincar com segurança pública, olhar para longe de seu próprio umbigo e adotar políticas que, de fato, estanquem este banho de sangue vivido no Brasil”.
O advogado e Professor de Direito Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) Guilherme Brenner Lucchesi observa que, ao contrário da Constituição norte-americana – que trata do tema explicitamente – a Constituição brasileira não assegura o aos cidadãos a posse ou o porte de armas. Mas ele lembra que está previsto no texto constitucional o direito à segurança. “Acaba sendo um debate sobre concepção de Estado, um exame do que o Estado pode fazer”, analisa o advogado.
Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, defende que a interferência estatal seja menor. “Não cabe ao Estado dizer que riscos eu posso correr e que riscos eu não posso correr. Hoje é isso [compra de armas], depois vai querer regular a quantidade de açúcar e de bacon que eu compro”, diz o ativista pró-armamento.
Um documento intitulado “Manifesto dos pesquisadores contra a revogação do Estatuto do Desarmamento” também reconhece que a situação crítica do país gera pressão por mudanças: “Inegavelmente, o apelo à aprovação desse projeto de lei ganha força no rastro da sensação de insegurança que vivemos no Brasil”. Por outro lado, o texto ressalta que há outros fatores que levam à violência e que devem ser analisados: “No entanto, a violência é um fenômeno complexo. Há outros fatores estruturais e conjunturais relacionados ao nível de violência, como educação, desigualdade de renda, arranjo institucional e orçamento para segurança pública. Assim, ao se avaliar o efeito da quantidade de armas em circulação sobre a violência, deve-se levar em conta todos esses fatores”.
No Brasil, você pode ter uma arma. Mas é como se não pudesse
Projeto de lei pretende revogar atual legislação e facilitar o acesso à posse e ao porte de armas de fogo
Leia a matéria completaConstituição
O artigo 144 da Constituição Federal define que a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” e deve ser exercida “para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
Para o jurista Dircêo Torrecillas Ramos, o texto constitucional é vago, mas garante o direito de defender a família e o patrimônio. “Como a pessoa vai exercer essa responsabilidade? Tem que ter os meios para defender seu patrimônio e as pessoas que convivem com ele”, observa. Na opinião dele, o movimento que defende mais acesso às armas é justo, mas precisa ter critérios. “Uma pessoa armada pode gerar acidentes ou, no desespero, pode vir a cometer crime ou lesão”, pondera Ramos.
Direito comparado
A Constituição dos Estados Unidos cita a questão das armas na Segunda Emenda. Mas, mesmo a menção ao tema sendo explícita, a interpretação não é única e divide opiniões entre os grupos armamentistas e os defensores de restrições ao uso de armas.
“Sendo necessária uma milícia bem ordenada para a segurança de um Estado livre, o direito do povo a possuir e portar armas não poderá ser violado”, diz a Segunda Emenda.
Lucchesi, que é mestre em Direito pela Cornell Law School (EUA), explica que o objetivo da Segunda Emenda, aprovada em 1791, era de assegurar o direito a ter armas para permitir a manutenção das milícias. Ao contrário do sentido pejorativo que têm no Brasil, no contexto norte-americano da época, milícias eram grupos paramilitares de apoio ao Exército formados por cidadãos, considerados fundamentais para a defesa contra invasões estrangeiras ou mesmo contra a tirania do Estado, tendo desempenhado um importante papel no processo de independência do país. Aos poucos, o texto foi ganhando vida própria. “Chegou ao ponto de a Suprema Corte ter decidido que há o direito de usar e portar armas, não só as de guerra, mas handguns (armas de mão)”, explica o professor de direito penal.
Filme
O filme O Patriota, de Mel Gibson, mostra como agiam as milícias armadas nos Estados Unidos na época da independência do país. Com o acesso às armas, esses grupos conseguiam se organizar rapidamente, e estavam prontos para o combate, mesmo sem serem convocados pelo Exército.
Hoje, a cada novo atentado em massa em que atiradores invadem escolas, universidades ou outros locais públicos, o debate se reacende. O modelo federalista dos EUA possibilita que cada estado tenha uma legislação própria sobre o assunto. Como a Constituição não diz em que termos deve ser o direito às armas, fica a critério de cada estado definir como será o controle.
Em 2016, o então presidente Barack Obama disse respeitar a Segunda Emenda e o direito a ter armas, mas argumentou: “Faz sentido tentar manter armas de fogo longe de indivíduos que queiram ferir outros. E o problema é que criamos uma atmosfera na qual uma proposta razoável é vista como um ataque à Constituição e uma tentativa de confiscar as armas dos cidadãos”. Ele defendeu um sistema mais forte de verificação de antecedentes criminais para evitar tragédias.
Defensor da Segunda Emenda como meio de garantir o livre acesso às armas, Donald Trump prometeu durante sua campanha que indicaria para a Suprema Corte “juízes que não causarão danos à Segunda Emenda”. E, em uma declaração polêmica, disse que a então candidata à presidência Hilarry Clinton pretendia abolir a parte da Constituição que dá direito ter armas e quase ninguém poderia detê-la. Trump então acrescentou: “Quem sabe o pessoal da segunda emenda possa [detê-la]”, em alusão ao uso de armas.
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