O fim do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2010) é uma das bandeiras das manifestações do próximo dia 26 de março – que também devem defender a Lava Jato, a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista. Sob os argumentos de direito à legítima defesa e liberdade, os que pleiteiam o fim do estatuto questionam a legislação atual, que não teria atendido à vontade popular após o referendo de 2005 – quando 63% da população se posicionou contra a proibição da venda de armas.
No referendo, a pergunta feita aos eleitores foi a seguinte: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. 63% da população votou “não”, e a venda de armas continua ocorrendo no país. Mas o fato é que a legislação traz uma série de requisitos para que essa venda seja feita.
Atualmente, apenas pessoas maiores de 25 anos podem comprar armas no país, e o porte – direito a poder transitar com a arma – só é permitido a civis em casos excepcionais, com comprovação de necessidade. Quem pretende comprar uma arma, não pode ter nenhum antecedente criminal, nem estar sendo investigado por crimes. Um civil pode ter até seis armas, mas, a cada compra, precisa justificar o motivo. E o registro da arma precisa ser renovado a cada três anos.
O Projeto de Lei 3722/2012, proposta de revogação do Estatuto do Desarmamento, reduz a idade para a compra de armas para 21 anos, e libera o porte de arma para quem tiver emprego e residência fixa, apresentar certidão de antecedentes criminais, atestado psicológico, comprovar ter capacidade técnica, atestada por instrutor de tiro. Na nova proposta, pessoas com antecedentes criminais por crimes culposos ou investigadas por alguns crimes poderão comprar armas – apenas os investigados por crimes dolosos contra a vida não poderão.
Bene Barbosa, presidente o Movimento Viva Brasil, defende que o estatuto seja revogado para que a legislação possa se adequar ao que a população decidiu em 2005. “Acreditavam que o ‘sim’ venceria largamente, mas não foi o que aconteceu. Mesmo assim, a atual legislação foi feita para que as pessoas não consigam comprar armas”, critica.
O ativista pró-armas aponta como dificuldades o fato de o processo ser feito pela Polícia Federal, que tem pouca capilaridade no país, e, muitas vezes, acaba ficando inacessível para pessoas que vivem em regiões de fronteira ou em florestas, por exemplo. “As pessoas não conseguem e acabam apelando para contrabandistas”, observa Barbosa. Outro entrave, na opinião dele, seria a discricionariedade dos delegados da PF: “Ele pode dizer sim ou não de acordo com a própria vontade”, critica.
O deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), autor do PL 3722/2012, afirma que “o cerne do projeto de lei é acabar com a discricionariedade, ou seja, pôr fim à comprovação da efetiva necessidade para o registro de uma arma”. Ele explica que atualmente o cidadão pode comprovar que não tem antecedentes criminais, fazer curso de manuseio de armas e tiro, ser aprovado no teste psicológico, pagar todas as taxas, e acabar não conseguindo o direito a possuir uma arma. “Se o delegado não gostar da sua cara, ele indefere o pedido e a pessoa simplesmente perde o direito de defender sua vida, sua família e seu patrimônio”, reclama o parlamentar.
Posse possível, porte impossível
O coordenador de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, argumenta que não é porque a legislação não é cumprida por todos que deva ser revogada. Ele reconhece que o termo “desarmamento” é negativo, pois passa uma mensagem de que não se pode comprar armas no Brasil. “É uma mentira que não é possível comprar armas no país. Muitas pessoas reclamam sem nem tentarem comprar. Houve um referendo em que houve a pergunta se população era favorável à proibição do comércio de armas de fogo. E a decisão [o não] foi respeitada”, afirma o representante do Sou da Paz.
Angeli admite que alguns delegados da PF são mais rígidos e que o o Estatuto do Desarmamento “ainda precisa ser muito aprimorado”. Ele aponta que, além da atuação da Polícia Federal, há pontos importantes da lei que devem ser colocados mais em prática nas esferas estaduais, como o controle das armas em circulação e a apreensão de armamentos.
Se a compra (posse) de armas deve ser acessível a todos que se enquadrem nos requisitos da lei, por outro lado, Angeli reconhece que ter o porte é bem mais difícil. “Há um controle efetivo do porte, que é acertado. Qualquer cidadão pode requerer porte de arma, mas é praticamente impossível conseguir”, diz .
Diante do argumento de que a liberação do porte armas poderia servir para que cidadãos protejam suas famílias e seus bens, coordenador de advocacy do Instituto Sou da Paz rebate: “todo mundo é cidadão de bem até a hora em que cometer um crime”. “Todas as pesquisas publicadas em todos os jornais demonstram correlação entre aumento de circulação de armas e a letalidade violenta”, completa.
Leia as próximas reportagens sobre desarmamento na semana que vem: Limites do poder do Estado estão em jogo no debate sobre desarmamento; Guerra de números envolve direito a ter armas no Brasil
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