No último ano, os tribunais superiores receberam pelo menos 500 casos de ações com pedidos de indenização por abandono afetivo. Em quase todos eles, o desejo era o mesmo: o filho queria ser reparado pela falta de amor dos pais.
Esses casos ainda correm na justiça, mas os juristas explicam que a tendência hoje é que os pedidos não sejam concedidos pelos juízes, entendendo que não se pode cobrar amor. Porém, nem sempre as decisões foram assim. Desde que tais ações começaram a aparecer no judiciário, por volta dos anos 2000, o entendimento mudou bastante. De lá para cá, muitas indenizações foram concedidas e o pontapé inicial para isso foi uma decisão do STJ, da ministra Nancy Andrighi, que disse caber o dever de cuidado em uma relação entre pais e filhos.
O fundamento legal que permitiu tal entendimento e que ainda faz com que as pessoas corram ao judiciário exigir reparação por falta de afetividade está previsto na constituição. Não expressamente, mas depende de uma interpretação do julgador. A professora de Direito Constitucional da PUCPR Vivian Lopez Valle explica que a afetividade pode ser vista como um direito das pessoas. Ela, ao lado da solidariedade, é um princípio norteador do direito de família. Isso significa que são eles que pautam os valores que devem ser defendidos pelo texto constitucional. “A afetividade emancipa o indivíduo e essa emancipação é o que a constituição almeja quando fala em dignidade da pessoa humana”, diz.
Porém, conseguir uma indenização pela falta de afeto não é tão simples, assim como qualquer outra ação que pleiteie reparação, é preciso provar que houve dano. Nesse caso, geralmente é um dano psicológico e a prova é um laudo de psicólogo que demonstre que a falta de amor da família (seja do pai, da mãe ou do próprio filho para com os pais) afetou o desenvolvimento pessoal do indivíduo, assim como contribuiu para transtornos que interferiram diretamente nas suas atividades.
Alienação parental
Hoje o Brasil tem uma lei, a da Alienação Parental, que prevê uma indenização para aquele genitor que foi impedido pelo outro de cuidar e conviver com o filho. No entendimento do diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e professor de Direito de Família, Rolf Madaleno, a indenização por abandono afetivo deveria seguir a mesma lógica. “Se a pessoa faz a outra se afastar do filho tem que indenizar. Mas se a pessoa se afasta espontaneamente não precisa? Para mim é a mesma coisa e então caberia sim indenização. São fatos semelhantes que cominam no mesmo resultado”.
Casos
Desde o entendimento do STJ, muitos dos casos que pediram indenização por abandono afetivo estavam ligados a reconhecimento de paternidade. A pessoa entrava com ação para saber se o réu era seu pai e, assim que reconhecido, pedia também uma reparação por abandono afetivo. Porém, é entendimento pacífico dos tribunais que nesse tipo de caso não cabe indenização. A explicação é simples: se o genitor não sabia que tinha um filho, como poderia cuidar e dar afeto? O dever de cuidado só nasce a partir do momento em que a paternidade é conhecida. Então os pedidos só podem ter alguma chance de êxito quando a paternidade (ou maternidade) já existem.
Casais
Dentro dessa lógica de uma interpretação constitucional que garanta a existência de afetividade no âmbito familiar, nasce a pergunta sobre se caberia também uma indenização por abandono afetivo entre casais que constituíram família. Para a professora de Direito de Família do Centro Universitário Unibrasil Mayta Lobo não, pois nestes casos o pedido deve ser de dano moral, caso , é claro, um dos dois tenha se sentido ofendido ou humilhado dentro da relação.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”