A ocupação das escolas públicas estaduais do Paraná trouxe à tona o confronto entre dois direitos garantidos pela Constituição Federal: o de livre manifestação e o de acesso e permanência na escola. Os estudantes estão protestando contra a medida provisória (MP) 746, que trata da reforma do Ensino Médio em todo o Brasil. Segundo eles, as mudanças não poderiam ter sido impostas pelo governo federal por meio de uma MP, mas sim debatidas com toda a sociedade e encaminhadas ao Congresso Nacional por meio de um projeto de lei.
Em situações como essa, o que deve se sobressair: o direito dos alunos de se oporem às mudanças impostas pelo governo federal ou o direito dos demais estudantes de terem aulas regularmente? Vale lembrar que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) acontece na primeira semana de novembro e é utilizado pela maioria das universidades públicas como forma de ingresso nas instituições. Com as ocupações, milhares de alunos não estão tendo aulas às vésperas da realização da prova.
Conflito entre normas
Juridicamente falando, esse é um caso de antinomia, ou seja, quando há um conflito entre duas normas que possuem a mesma força dentro do ordenamento jurídico, como explica a coordenadora da pós-graduação em Direito e Educação: Interfaces Jurispedagógicas da Universidade Positivo, Angela Christianne Lunedo de Mendonça.
Neste caso das ocupações, os jovens, além de terem o direito à livre manifestação do pensamento, garantido pelo art. 5º, IV, da Constituição Federal, ainda estão amparados pelo art. 16, VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante a eles o direito de participar da vida política, na forma da lei. “O direito de livre manifestação é garantido, mas entendo que o objetivo, que era de demarcar politicamente esse descontentamento com a forma pela qual querem alterar a lei, já ficou bastante claro nacional e localmente. Parece-me que agora é hora de tratar isso com o MEC e com o governo federal, daí a importância de senadores e deputados federais paranaenses nessa discussão”, explica a professora da UP.
Segundo Angela, uma maneira de lidar com esse conflito seria fazer com que a participação política na forma da lei se desse por outras estratégias. “Seria uma forma de mediar esse movimento de participação sem ferir o direito de acesso e a permanência na escola, que é também um grande princípio constitucional”, ressalta. Tal direito está previsto no art. 206 da CF.
Um estratégia seria, sugere a professora, firmar um compromisso jurídico com o governo estadual, com mediação da OAB, do Ministério Público (MP) e da Defensoria Pública, de não implantar nenhuma mudança no estado sem antes entrar em consenso com professores e alunos.
Legitimidade
O próprio MP-PR acha legítimo o protesto dos alunos, contudo o procurador de justiça do Centro de Apoio de Direitos Humanos do MP, Olímpio de Sá Maior Sotto Neto, afirmou na manhã desta quarta-feira (26/10) durante assembleia dos estudantes em uma escola estadual de Curitiba, que é possível que se continue o movimento, mas, ao mesmo tempo, que se garanta a possibilidade do funcionamento regular do sistema educacional.
“O Ministério Público acha legítima a manifestação dos estudantes, aliás este é um direito constitucional, mas há que se assegurar o funcionamento regular do sistema educacional e o acesso dos estudantes à escola, à aprendizagem”, declarou o procurador.
A proposta do órgão é que se estabeleça um espaço para que os estudantes continuem com sua manifestação, mas que ao mesmo tempo se garantam as aulas. A sugestão é que os alunos possam se reunir na biblioteca, no ginásio e nos salões dos colégios, permitindo que haja aulas de forma regular e garantindo o direito de acesso aos demais estudantes.
Ilegalidade
O advogado e mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP) João Paulo Jacob faz uma analogia entre as ocupações e a paralisação dos serviços públicos quando há greves dos servidores. Segundo ele, assim como não é permitido que sejam feitas barricadas impedindo os funcionários e os usuários do serviço de adentrarem o órgão público, os jovens não podem impedir que os professores deem aulas e os demais alunos às assistam.
“Estão impedindo o acesso dos alunos que não compactuam com isso e podem fazer esse mesmo protesto de outras formas. Essa ocupação gera prejuízo ao erário que está remunerando os professores que não podem dar aula, aos próprios professores e aos alunos, já que dificilmente essas aulas serão todas repostas”, enfatiza.
Segundo ele, cabe à procuradoria geral do estado do Paraná ajuizar ações de reintegração de posse de todas as escolas ocupadas. Ele defende que, assim que saírem as decisões judiciais que autorizem a medida, o governo componha uma equipe formada por membros da OAB, psicólogos, professores, familiares dos estudantes e policiais para cumprir os mandados. Essa seria uma boa tática para evitar o confronto. “A escola é pública, mas é de responsabilidade do Estado. Os alunos não podem ser impedidos de entrar e ter aula. É um prejuízo que acaba se tornando insanável no final.”
O que diz a lei
Constituição Federal
Art. 5.º
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI - participar da vida política, na forma da lei;
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.
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