A decisão de votar no Senado separadamente a cassação do mandato de presidente e a perda dos direitos políticos de Dilma Rousseff pegou a todos de surpresa. Isso porque a própria Constituição Federal prevê no art. 52, parágrafo único, a condenação (...) à perda do cargo, “com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Os senadores se apoiaram na Lei do Impeachment, de 1950, que dispõe no art. 33 que, no caso de condenação, “o Senado (...) fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública”. A interpretação dos senadores a esse dispositivo legal foi a de que eles poderiam votar se caberia a pena da inabilitação ou não.
Essa forma de realizar o julgamento é nova, por isso poderá ensejar discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), mas os juristas consultados pela reportagem afirmaram que, a princípio, não há problemas na forma escolhida. “O tema é altamente controvertido. Tendo a dizer que sim [que a forma escolhida foi válida]. A lei do impeachment fazia essa diferença [das penas] e a Constituição Federal alterou apenas o prazo de inabilitação, que passou de cinco para oito anos”, explica o advogado e professor de Direito Eleitoral Luiz Fernando Pereira.
O advogado e professor de Direito Constitucional e Direito Processual Penal, Nourmírio Bittencourt Tesseroli Filho segue essa mesma linha: “O presidente do STF não poderia interferir nisso [na escolha dos senadores]. A Lei do Impeachment dá essa alternativa. Primeiro faz a votação pela perda do mandato e depois pela inabilitação a cargos públicos”.
Questionamento
Pereira explica que os senadores que se sintam lesados com a decisão podem impetrar um mandado de segurança no STF. “Qualquer senador pode questionar a cisão da votação. E já há quem defenda que não se possa cindir. O próprio ministro [presidente do Supremo, que presidiu a sessão de julgamento] Ricardo Lewandowski disse que o tema é controvertido”, explica.
Caso o STF não reveja essa decisão, ao contrário do senador Fernando Collor de Mello, que ficou inabilitado por 8 anos para exercer qualquer função pública após sofrer o impeachment como presidente da República em 1992, Dilma Rousseff poderá exercer qualquer cargo público, inclusive se eleger nas eleições de 2018, porque a Lei da Ficha Limpa não se aplica a presidentes. Ela só não poderá concorrer à Presidência da República nas eleições de 2018 porque, se ganhar, seria seu terceiro mandato consecutivo, o que é vedado pela Constituição Federal.
Foro privilegiado
Outra dúvida que cerca a decisão desta quarta-feira é se Dilma terá ou não foro privilegiado. Por ter perdido o mandato como presidente, ela passa a responder possíveis acusações por crimes comuns como todo cidadão, ou seja, no primeiro grau de jurisdição. Agora, se ela vier a ocupar um cargo que possua foro privilegiado, ela automaticamente passa a ter direito a ser julgada por um órgão colegiado – depende de qual cargo ou função ela passe a exercer.
O que diz a lei
Constituição Federal
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
Lei do Impeachment Lei 1.079/50
Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.
Art. 33. No caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime comum deliberará ainda sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.
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