Com toda a pinta de campanha publicitária, uma campanha nada politicamente correta está gerando polêmica em Curitiba ao atacar os direitos dos deficientes. Um outdoor instalado na cidade traz a mensagem “Pelo fim dos privilégios para deficientes” e identifica os autores como Movimento pela Reforma dos Direitos. O grupo também tem uma página no Facebook – com 336 curtidas até a tarde dessa segunda-feira – em que pede o fim das cotas em concurso, o fim da isenção de impostos de carros e a redução em 50% das vagas de estacionamento para deficientes. Coincidência ou não, a ação ocorre na semana do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro) e do Dia Mundial da Acessibilidade (5 de dezembro).
“Queremos parar de ser prejudicados por leis que privilegiam uma minoria e esquecem a maioria. Estas são nossas reivindicações”, diz o página na internet do movimento , que até então era desconhecido e não tem o nome de nenhuma pessoa física relacionado a ele. A reportagem tentou fazer contato pela página do Facebook, mas não teve retorno.
A presidente da Comissão de Acessibilidade da OAB-PR, Berenice Reis Lessa, repudia a iniciativa desse movimento. Para ela, quem está fazendo essa campanha está se aproveitando da semana “para aparecer, tentando se favorecer e criar fama”. Ela argumenta que o que esse grupo chama de privilégios são direitos específicos garantidos aos deficientes de acordo com suas condições, para viabilizar uma vida normal, em que possam exercer plenamente sua cidadania.
Publicidade?
O Ministério Público do Estado do Paraná também foi procurado, mas o promotor responsável pelo tema disse que ainda é cedo para se posicionar. Assessoria de imprensa informou que ele vai acompanhar o caso, pois ainda é cedo e pode até ser uma campanha publicitária.
Questionada se essa não poderia ser uma estratégia de marketing para chamar atenção para o tema, a presidente da Comissão de Acessibilidade considera que não seria uma estratégia válida. “Essa é uma época em que todas as instituições se reúnem em prol de um tema determinado pela ONU. Sempre tem um tema que converge para todas as demais instituições no mundo inteiro”.
O Movimento pela Reforma dos Direitos diz que, devido à grande repercussão da campanha, vai fazer uma coletiva na terça-feira, às 14 horas, no hotel Radisson, para explicar melhor suas propostas.
A reportagem também tentou entrar em contato com o hotel para verificar quem estava agendando a coletiva. Foi indicada uma agência de viagens que, por sua vez, justificou que os clientes pedem sigilo. O movimento não tem nenhuma pessoa identificada como responsável e ao se fazer uma busca no Google sobre o grupo não há nenhum registro anterior à data de hoje.
Legislação
Berenice explica que, do ponto de vista constitucional, essa iniciativa não vai ter qualquer consequência, já que Movimento Pela Reforma de Direitos parece ser um grupo isolado. Seria necessária uma movimentação muito mais significativa para haver algum tipo de alteração nesses direitos, o que vai completamente na contramão dos avanços recentes na legislação referente ao assunto.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tem status de Emenda Constitucional no Brasil e, para chegar a esse patamar legislativo, foi preciso ter aprovação nas duas casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos.
Também foi aprovada em julho 2015 a Lei Nº 13.146 criando o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que entra em vigor no dia 6 de janeiro de 2016. Essa lei, além de elencar os direitos já previstos na convenção internacional, aprofunda alguns tópicos que estão previstos nessa norma.
“O Estatuto da Pessoa com Deficiência é lei. Não tem como ser mudado assim, a não ser que haja todo um processo legislativo”, observa a advogada Fernanda Andreazza, que trabalha há mais de 20 anos com direitos dos deficientes e nunca viu uma campanha deste tipo.
Fernanda ressalta que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 23,4% das pessoas no Brasil têm algum tipo de deficiência. “Se em cada estabelecimento forem destinadas 25% das vagas para quem tem alguma deficiência, isso será proporcional à realidade do país”, observa a advogada. Ela destaca, ainda, que o Brasil tem uma legislação avançadíssima para garantia dos direitos dos deficientes, mas que tem pouquíssima efetividade.
A advogada fosse uma piada quando ficou sabendo da campanha pela redução de direitos. “A gente acha uma aberração um outdoor desses, mas aberração é ter uma legislação moderna que não tem efetividade”.
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