O caso de Cristina* é um exemplo de como a falta de estrutura no Judiciário pode prejudicar a vida das pessoas. Ela morava com Roberto*, mas não era casada nem tinha provas, na forma de documentos, de que estava em uma união estável. Cristina estava grávida quando Roberto morreu, em um acidente automobilístico em 2006.
Quando a criança nasceu, ela não conseguiu registrar o bebê. Nessas situações, sem a chamada presunção de paternidade, é necessário recorrer à Justiça. E foi aí que uma questão relativamente simples ganhou contornos de drama familiar.
Ação de paternidade
Cristina entrou com uma ação de investigação de paternidade, para a realização de um exame de DNA com os parentes do pai falecido. Desde então, o caso se arrasta na comarca de Curiúva, no Norte Pioneiro do Paraná, onde mais de 10 mil processos estão encalhados na única vara judicial.
Demorou tanto para os pais de Roberto serem notificados que, quando o oficial de Justiça chegou à casa descobriu que eles também já haviam falecido. Foi então necessário acionar os irmãos para a coleta de material. E é nesta fase que o processo está. Não há bens a serem repartidos, por inventário ou herança. “É uma família pobre. E a irmã concorda em fazer o exame. Ou seja, não se trata de uma disputa judicial”, comenta o advogado Maicow Régis de Freitas Mercer.
Ele conta que até o momento nem se chegou a formar o chamado polo passivo, que é quando os envolvidos ficam cientes da ação e ela começa efetivamente a tramitar. “E não se trata de as partes estarem em lugar incerto ou não sabido, o que poderia resultar em demora no andamento”, acrescenta.
À espera de “romaria”
Mercer destaca que, depois da notificação, irá começar a “romaria” para conseguir o exame de DNA. Como Roberto estava empregado com registro em carteira de trabalho quando faleceu, a criança tem direito a receber pensão por morte – dinheiro que nunca viu. E a certidão de nascimento segue sem o nome do pai.
A situação em Curiúva motivou um protesto de advogados, no final do mês passado. A comarca local abrange também os municípios de Sapopema e Figueira, totalizando uma área com 28 mil habitantes. Para todas as demandas judiciais há apenas uma vara – que atende de questões de família, como separação e pensão alimentícia, a casos de roubo e assassinato. De acordo com a seção local da Ordem dos Advogados do Brasil, mesmo com boa vontade, a juíza Cynthia de Mendonça Romano não dá conta da demanda, que só seria resolvida com a criação de mais uma vara judicial.
Sem concurso
A carência de estrutura não é uma exclusividade de Curiúva. Acabou o “estoque” de juízes no Paraná. Em casos de aposentadoria, afastamento por doença, morte ou exoneração, não há opção para designar substitutos. A situação chegou a esse ponto porque o último concurso foi realizado há dois anos, e todos os aprovados foram nomeados para as vagas disponíveis. Mesmo que a previsão de abrir um processo seletivo no final de 2016 se confirme, em menos de um ano a demanda não deve ser resolvida.
Na mais recente reunião do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, na segunda-feira (11), a falta de magistrados a serem nomeados foi debatida. O assunto apareceu no momento em que uma juíza pediu para mudar de comarca, para preencher uma vaga aberta. O argumento para manter o pedido em suspenso, até que o quadro do Judiciário seja reposto, é de que o posto que seria deixado pela magistrada é crucial – numa vara criminal de uma cidade com alto índice de violência. Começou então o embate entre desembargadores, ora destacando que a sociedade não poderia ficar desguarnecida, ora enfatizando que a falta de concurso não podia prejudicar a carreira dos juízes. Atualmente o estado tem cerca de 800 magistrados distribuídos em 170 comarcas (em algumas situações uma comarca abrange mais do que um município).
O Tribunal de Justiça informou que publicação do resultado do último concurso aconteceu em dezembro de 2014 e que, de lá para cá, dos 40 aprovados falta nomear apenas uma candidata. A realização de um novo processo seletivo já estaria autorizada, mas o edital ainda teria sido lançado por causa da necessidade de controle de recursos, diante do corte de verbas feito pelo governo estadual. Contudo, o tribunal garante que não há comarca sem juiz e que o judiciário paranaense, comparado aos demais, tem a menor vacância.
*nomes fictícios