Diante da dificuldade para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determine a realização de novas eleições, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o presidente do Senado, Renan Calheiros, cogitam a realização de um plebiscito para a aprovação de um novo pleito presidencial. A ideia teria sido debatida em uma reunião realizada entre os dois na última terça-feira (26). O plebiscito poderia ser realizado nas eleições de outubro deste ano e as novas eleições ficariam para 2017. Mas a ideia está longe de ser uma via simples, pode aumentar o caos institucional e, para alguns juristas, desrespeita a Constituição.
Por mais que seja identificado como forte indício de democracia, o plebiscito não tem o poder de cancelar direitos constitucionais ou alterar a constituição. Além disso, essa possibilidade também precisaria passar pelo crivo do Congresso Nacional e, ainda que não demande um quórum tão grande para aprovação, essa também não é uma tarefa fácil no atual contexto.
Paulo Schier, professor de direito constitucional da Unibrasil, aponta o plebiscito como “um dos mecanismos mais claros de democracia, participação popular e manifestação direta do povo”. Para ele, “é muito complicado defender que plebiscito não é algo democrático”.
O ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) Vladimir Passos de Freitas considera que a Constituição permite a realização do plebiscito. Mas alerta que, neste caso, está “implícito desejo de criar nova situação de anormalidade”.
Segundo os dois juristas, a possibilidade de realização desse tipo de consulta popular está longe de ser uma solução que contribua para a ordem institucional ou que esteja livre de questionamentos jurídicos.
O artigo 14 da Constituição Federal estabelece que a soberania popular será estabelecida por meio do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto e também por plebiscito, referendo ou ação popular. Mas, também de acordo com o texto constitucional, no artigo 49, é competência exclusiva do Congresso Nacional fazer a convocação de plebiscito. Aí estaria o primeiro desafio do governo.
Ainda assim, a aprovação do plebiscito seria mais fácil que a de uma PEC. Para o plebiscito basta aprovação por maioria simples nas duas casas do Congresso. A PEC, por sua vez, precisa de aprovação com três quintos dos votos, em dois turnos, em cada uma das casas.
Mas mesmo precisando de menos votos, esse não é um contexto confortável para o governo.
“O governo só tem 127 deputados a seu favor. Não conseguiu ter um terço na Câmara para barrar o impeachment”, observa o jurista Ives Gandra Martins
PEC não fica descartada
Schier explica que, ainda que seja realizado um plebiscito e a população se manifeste majoritariamente favorável a novas eleições, a votação serviria apenas para dar autorização prévia ao Congresso para que a Emenda sobre novas eleições fosse votada.
A Constituição não prevê aprovação de emenda constitucional por meio de plebiscito. As emendas, segundo o artigo 60, só podem ser propostas mediante proposta de, no mínimo, um terço dos membros da Câmara ou do Senado; ou pelo presidente da República; ou por mais da metade das Assembleias Legislativas.
O processo de aprovação do plesbicito no Congresso dá origem a uma lei ordinária [abaixo da Constituição]. “Essa lei não dá o texto constitucional, mas delega ao Congresso fazer a PEC”, explica Gandra Martins.
Trâmite
Caso chegasse a ser votado, um plebiscito não se resumiria à sentença “Você é a favor de novas eleições?”. Schier explica que seria necessário apresentar um texto provisório à população, resumindo as condições do processo. Isso já geraria um amplo debate no Congresso. Além disso, a discussão sobre a data de realização das novas eleições, a transição de governo e outros detalhes que poderiam ser questionados levariam o debate a se arrastar no Congresso.
A possibilidade de judicialização dos diversos detalhes também é grande. “Haveria uma enxurrada de ações”, aposta o professor da Unibrasil, que considera que a alternativa até poderia resolver crise de governabilidade, mas “institucionalmente geraria um caos”.
“Vai haver uma reação muito grande dos que se sentirão prejudicados, especialmente porque essa medida tem a intenção de afastar o vice-presidente”, avalia Freitas.
Constitucionalidade
Para Gandra Martins, a realização do plebiscito é, não só inviável politicamente, mas também inconstitucional. A insistência na realização de novas eleições e o surgimento da alternativa do plebiscito é considerada pelo advogado como “espernear dos derrotados”. Ele considera que a inconstitucionalidade estaria no fato de que a realização de novas eleições iria contra o que está previsto no inciso 36 do artigo 5º: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Para ele, no caso de eleições gerais, todos os outros eleitos poderiam reclamar seu direito adquirido de permanecer em seus cargos até 2018. E, no caso de novas eleições presidenciais, o vice-presidente Michel Temer, que também foi eleito pelo voto popular, poderia reclamar seu direito adquirido de assumir a presidência e nela permanecer até o fim do mandato.
A proposta contrariaria ainda o artigo 60, parágrafo 4º, do texto constitucional que define que o “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir o voto direto, secreto, universal e periódico”.
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