A acusação do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de que o presidente Michel Temer teria feito pressão para liberar construção do prédio onde Geddel Vieira Lima comprou um apartamento levou a oposição a debater a possibilidade de impeachment do presidente da República. O embasamento seria a lei que define os crimes de responsabilidade. Além disso, o presidente também poderia responder por crimes comuns.
Em depoimento prestado à Polícia Federal, Calero afirmou que Temer pediu a ele que encontrasse uma saída para a liberação da construção do edifício na área histórica de Salvador (BA). Após a pressão, o então ministro da Cultura se demitiu e disse que se tratava “claramente de um caso de corrupção”. Calero gravou conversas com Temer, Lima e com o Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Por envolver pessoas com foro especial com prerrogativa de função, as gravações devem ficar sob o crivo do Supremo Tribunal Federal (STF).
A Lei 1.079/1950 está sendo apontada como fonte para avaliar os possíveis atos do presidente e dos ministros. Em seu artigo 7.º, ela define como crime de responsabilidade “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua”. A mesma lei, no artigo 9.º, também define como crime ameaçar funcionário público para proceder ilegalmente e ainda agir de modo incompatível com o decoro do cargo.
O professor de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo, Rubens Glezer considera o caso “seriíssimo”. Para ele, trata-se de “um caso muito claro de usar o cargo público indo contra as regras, indo em prol de interesses particulares”.
Na opinião de Glezer, o artigo 9.º da Lei 1.0179 se aplica à situação de Temer e, além do crime de responsabilidade, os atos do presidente podem até mesmo resultar em ação penal. Nesse caso, o presidente pode responder pelos crimes de corrupção passiva e concussão – que é exigir vantagem para si ou para outro devido ao cargo que ocupa.
Vale lembrar que, durante o mandato, o presidente da República só responde por crimes relacionados à sua função. A Constituição Federal determina que as infrações penais comuns sejam julgadas pelo STF e, para que isso ocorra, é preciso que dois terços da Câmara dos Deputados admitam a acusação.
No caso de crime de responsabilidade, o processo tramitaria no Congresso Nacional, nos mesmos moldes em que ocorreu o processo da ex-presidente Dilma Rousseff.
O constitucionalista Dircêu Torrecillas Ramos classifica o caso como “não tão grave”. Na opinião dele, o erro maior está com o ministro recém demitido, Geddel Vieira Lima. “Temer deveria ter afastado Geddel nas primeiras acusações ou nem deveria ter colocado ele lá”, diz o advogado, relembrando que o ex-ministro tem um histórico com corrupção que vem do caso dos anões do orçamento.
Questão subjetiva
O advogado especialista em direito constitucional João Paulo Jacob considera que é mais difícil configurar um crime de responsabilidade no caso de Temer. “No caso da Dilma não havia dúvidas, havia prova de que ocorreram as pedaladas. Agora, é subjetivo, depende da interpretação. Alguns dirão que o presidente falou no intuito de pressionar, outros no de apaziguar.” Ele explica que o desdobramento dependerá dos resultados do inquérito da Polícia Federal que deve confirmar ou não as acusações.
Para Jacob, pelo fato de a questão ser subjetiva, caso o Congresso impedisse Temer, poderia caber ao STF reanalisar a questão. Mas ele avalia que seria difícil o Supremo querer interferir na decisão do Congresso.
Mobilização
Ainda que sejam produzidas provas sobre a ação de Temer para pressionar o ex-ministro da Cultura, o afastamento do presidente depende muito mais de questões políticas. Os juristas relembram acusações feitas durante o processo contra Dilma de que o impeachment é muito mais político do que jurídico. “De nada adianta ter a questão da legalidade se não tiver apoio do Congresso”, observa Jacob.
Glezer ressalta que o andamento de um eventual processo vai depender do envolvimento da população. “O grau de mobilização popular será o fiel da balança nessa história”, diz o pesquisador.
Levando em conta o apoio que Temer tem no Congresso, Glezer acredita que é bem mais provável que o afastamento do presidente ocorra por atos do STF ao julgar os crimes comuns – mas que depende do aval do Congresso para fazer isso – ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ainda vai julgar as contas da chapa Dilma-Temer. A leitura dele é que, mesmo que o Congresso se omita, outras instituições podem responder às pressões das ruas.
Conheça a lei
Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
5 - servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua;
Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
6 - Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim;
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.