Quem abre a porta do escritório na região central de Curitiba é a própria dona, Rosângela Wolff Moro. O ambiente é bem decorado, mas discreto, composto de antessala, toalete e sala, onde a advogada trabalha com uma estagiária. Antes de começar a conversa, Rosângela prepara café expresso para ela e para o repórter fotográfico e serve água à repórter. Esposa do juiz responsável pela Operação Lava Jato, ela acabou ficando famosa pelas aparições ao lado de Sergio Moro em eventos sociais e também com a criação de uma fanpage no Facebook chamada Eu Moro com Ele. Mas a advogada garante que sua vida continua a mesma.
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Rosângela, 42, aceitou receber o Justiça & Direito da Gazeta do Povo com exclusividade em seu escritório sob a condição de falar sobre questões profissionais e não fazer comentários sobre a Lava Jato. “O que eu sei sobre Lava Jato é o mesmo que vocês sabem, é o que sai nos jornais”, afirma. O combinado também foi preservar a vida pessoal. “Não interessa o que eu como ou onde eu malho, não é mesmo?!”, comentou logo no início.
Especialista em terceiro setor, Rosângela advoga há 19 anos. “Eu entrei na faculdade com 17 anos, nem sabia direito o que queria. Aos 21, já estava com a OAB e, de lá para cá, tive que comer muito arroz e feijão”, relembra. Ela é formada pela Unicuritiba, com especialização em direito tributário pela Universidade da Região de Joinville (Univille), uma das cidades onde morou nas diversas mudanças necessárias em função da profissão do marido. Natural de Curitiba, a advogada tem uma maneira de falar que oscila entre o carioca e o gaúcho, e atribui a mistura de sotaques à convivência com muita gente do “sul”, em referência ao Rio Grande do Sul.
Desde os tempos de faculdade, Rosângela gosta mais de direito público. Se precisar, ela atua com causas trabalhistas ou de família, mas não tem interesse por advogar nessas áreas. “Trabalhar com terceiro setor é muito difícil. Primeiro porque não existe um ‘código do terceiro setor’. Segundo, atuar com as associações implica em conhecer direito tributário, direito administrativo, direito do trabalho, etc.”, observa a advogada sobre sua área de atuação. Segundo ela, foi preciso aprender muita coisa sozinha sobre o ramo, pois não há nas graduações disciplinas que tratem sobre terceiro setor e as pós-graduações sobre o tema são raras. A profissional liberal já atuou em escritórios maiores, com mais sócios, mas hoje, para se adequar melhor à sua rotina, optou por trabalhar sozinha.
“Eu fiquei muito feliz por participar deste julgamento histórico no STF [sobre cobranças extras para pessoas com deficiência em escolas particulares] e representar 250 mil pessoas do universo Apae”
Seu campo atuação não é muito difundido, geralmente os interessados em terceiro setor são os membros de associações ou aqueles que advogam na área. “Eu faço a mesma coisa há quase 10 anos. Por que só agora estão tendo interesse?”, questiona Rosângela. Sem demonstrar incômodo, reconhece que a curiosidade por sua atuação profissional é em grande parte resultado da fama do marido, mas diz aproveitar a oportunidade para falar de temas ainda pouco conhecidos. Segundo ela, ser esposa de Moro não atrai clientes “Pelo contrário, as pessoas têm medo dele”, brinca.
Livro
Recentemente, Rosângela lançou o livro Regime Jurídico das Parcerias das Organizações da Sociedade Civil e a Administração Pública (Editora Matrix). A obra é sobre a Lei 13.019/14 – que trata das parcerias do governo com entidades do terceiro setor – e foi lançada sem muito alarde. Segundo a própria autora, não se trata de uma tese jurídica, mas é um trabalho que contém dicas para pessoas que trabalham em associações e não são especialistas em direito. Ela optou por não fazer eventos de lançamento, pois a obra é praticamente uma “apostila”.
“Em uma linguagem coloquial, eu coloco como vamos trabalhar com essa lei porque, querendo ou não, é ela que está aí e é com ela que vamos trabalhar”, explica. “Se o livro chegar às mãos daquelas pessoas que estão no dia-a-dia trabalhando com isso, minha missão está cumprida”, acrescenta a autora.
Advogada aponta falha na lei de parcerias
Apaes
Rosângela é procuradora jurídica da Federação Nacional das Apaes (Fenapaes) desde 2013. Ela explica que trabalha como uma prestadora de serviços, mas que para poder assumir a função cumpriu o rito previsto no estatuto da entidade, que inclui uma sabatina pelos representantes estaduais da federação. A sede da Fenapaes fica em Brasília, onde Rosângela tem uma equipe de apoio a quem delega atividades. Ela também passa uma semana por mês na capital federal e vai em outras datas se for necessário.
Rosângela representou Apaes no STF
Sua experiência com entidade começou em 2008, quando prestava assessoria para as 343 Apaes do Paraná. No início, era uma vez por semana, mas a demanda ficou tão grande que o trabalho passou a ser diário. Nessa época, tinha que pegar as estradas e conheceu boa parte do estado.
A advogada defende a bandeira da entidade de que “escolas precisam ter estrutura para receber pessoas com deficiência” e que os estudantes possam escolher que instituição frequentar . “Pensamos que não é o Estado que deve dizer onde a pessoa vai estudar. A opção é da própria pessoa, quando menos da família”, diz. “A maior das liberdades e das garantias é a pessoa escolher onde vai estudar”, argumenta.
Outras entidades
A partir da experiência com as Apaes, Rosângela passou a atender outras entidades relacionadas a questões de saúde, uma delas é a uma associação de portadores de Niemann Pick C. As pessoas que têm essa doença precisam tomar duas caixas de remédio por mês, cada uma custa R$ 24 mil, e o SUS não banca o tratamento. “Nem uma família com poder aquisitivo acima da média tem condições de arcar com um tratamento desses”, destaca.
“Ele [Sergio Moro] não dá entrevista. Mas quando [a Lava Jato] acabar ele vai dar. Se acabar...”.
Para ela, as ações para obtenção de remédio representam a parte do seu trabalho com mais resultado mais efetivo na vida das pessoas.
“Quando um dos meus ‘clientinhos’ vem a óbito, eu sofro junto com a família”, conta Rosângela. Ela relata que até hoje nenhuma das mortes foi por falta de medicamento, mas pelo avanço das doenças mesmo quando os pacientes estavam medicados. O caso que marcou mais foi de uma pessoa que teve a ação ajuizada e distribuída, mas faleceu antes da decisão judicial.
A advogada também atua com frequência em ações de pessoas que questionam resultados de concursos públicos.
Além do direito, ela tem vontade de estudar psicologia, mas não para exercer a profissão. “Tenho vontade de estudar para entender melhor as pessoas”, conta.
Página no Facebook
Em abril deste ano, Rosângela criou a página no Facebook Eu Moro com Ele para reunir admiradores de Sergio Moro. A ideia surgiu a partir de inúmeras abordagens de desconhecidos que ela recebia em sua conta pessoal. “As pessoas nos enviavam muitas mensagens e manifestações de carinho e não sabiam se chegava.” Como juiz deve ter uma postura mais reservada, abriu a página para dar retorno aos fãs.
Empolgada, Rosângela conta que não esperava tanta repercussão. “Em poucos dias, atingimos 300 mil curtidas. E agora já estamos com quase 500 mil!”. Até o fechamento da matéria, a páginas estava com 488.806 curtidas.
A revista norte-americana Time considerou Moro um das 100 pessoas mais influentes do mundo. Quando o casal esteve na gala premiação em Nova York, também em abril, ela fez questão de pedir que os fotografassem durante o evento para publicar na página. “A nossa imprensa não podia entrar, então, eu pensei: o pessoal da página precisa ser o primeiro a ver isso!”, diz Rosângela. Ela relembra orgulhosa que vários jornais do país reproduziram a foto que postou.
Logo após o evento, o jornal O Estado de São Paulo fez uma matéria sobre o modo de vestir da esposa do juiz. Questionada sobre como recebe esse tipo de abordagem ela diz: “É uma loucura! É uma fama que a gente não buscou”. “Mas não tenho do que reclamar, sempre foram muito respeitosos”, conta e acrescenta que ainda está aprendendo a lidar com a situação e que na vida pessoal nada mudou.
Rosângela já é até reconhecida na rua. Outro dia a pararam para parabenizar. “Parabéns por quê? Eu não estou fazendo nada [em relação à Lava Jato]”, respondeu à fã. Ela acrescenta que faz, com o maior prazer, o que pode para facilitar a vida de Sergio Moro, já que sua rotina está bem pesada, mas enfatiza que cada um tem sua vida e seu trabalho. “A Lava Jato é um trabalho dele, assim como eu tenho o meu”.
Já no final da entrevista, enquanto se ajeitava diante do espelho para tirar uma foto, Rosângela perguntou se a repórter já havia tentado entrevistar o Sergio Moro, e recebeu a resposta de que vários jornalistas da equipe já tentaram, mas ele não fala com a imprensa. “É, ele não dá entrevista. Mas quando acabar ele vai dar. Se acabar...”.
Advogada aponta falhas na lei de parcerias
Sobre a Lei 13.019/14, em seu livro Regime Jurídico das Parcerias das Organizações da Sociedade Civil e a Administração Pública, Rosângela Wolff Moro aponta alguns lapsos, como repetição de artigos e temas que têm tópicos tratados em partes separadas do texto. Como pontos positivos, a advogada considera um avanço o fato de que a lei dá igualdade de oportunidades para entidades buscarem recursos; assim como o período mínimo de existência das organizações para fazerem parcerias com o Estado; e a vedação de que um dirigente de entidade seja membro de um poder com o qual a instituição fará parceria.
Rosângela define a norma como um pequeno avanço no combate à corrupção, mas diz que partes importantes ficaram de fora. “Se é uma lei para dar igualdade para todos, as emendas parlamentares não poderiam ter ficado de fora”, critica.
O livro é dedicado aos pais dela, aos filhos e a Sergio Moro, “amado marido e companheiro de todas as horas”. O prefácio foi escrito pelo juiz que define a obra como “um verdadeiro manual” sobre a lei 13.019/14. “Em orientações práticas [...] a autora examina, com competência e seriedade, as principais regras que orientam a sua atividade, com destaque para o cuidado com a coisa pública, um tema tão necessário nos dias presentes”, define Moro.
Rosângela representou Apaes no STF
Recentemente, a advogada Rosângela Moro participou da sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a constitucionalidade da parte do Estatuto da Pessoa com Deficiência que define que as escolas particulares devem receber essas pessoas sem discriminação e sem cobrança de valores adicionais. A Apae não era parte no processo, mas ingressou como amicus curiae, ou seja, como entidade que tem interesse na causa.
“Eu fiquei muito feliz de participar deste julgamento histórico e representar 250 mil pessoas do universo Apae”, diz Rosângela.
Em sua sustentação oral, a advogada afirmou que estabelecimentos de ensino privado não estão isentos de cumprir a lei. Ela chamou atenção para o fato de que o comitê da ONU que monitora a aplicação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ter apontado como aspectos negativos a recusa de escolas brasileiras em fazerem matrículas dessas pessoas ou cobrarem taxas extras.
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