O projeto de lei de Abuso de Autoridade, de autoria do senador Renan Calheiros, tem despertado críticas da magistratura porque tolheria a liberdade dos juízes e os incriminaria por exercerem a discricionariedade em determinadas situações. Na última semana, juízes, com apoio de membros do Ministério Público, apresentaram um manifesto contra o PLS 280/2016. O juiz Sergio Moro chegou a dizer que, se aprovada, a lei colocaria as investigações da Lava Jato em risco. Mas apesar das críticas, alguns juristas consideram que independentemente do autor e do momento político, há pontos que precisariam ser levados adiante. O grande dilema se refere ao momento em que ela está sendo colocada em pauta e os interesses de quem busca a sua aprovação.
O PLS 280/2016 se propõe a definir crimes de abuso de autoridade, cometidos por membros de Poder, agente ou servidor público “que, no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, abusa do poder que lhe foi conferido”.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso, afirma que, caso seja aprovada, a lei vai “ferir de morte a independência dos juízes”. Ele cita como um dos pontos mais controversos o artigo 13, que prevê pena de um a quatro anos de prisão e multa para o agente público que,com ameaça de prisão, pressionar um réu a depor sobre fatos que possam incriminá-lo. Para Veloso, seria o fim da delação premiada. Ele também critica o ponto que prevê que, se o tribunal se considerar que não estão presentes os requisitos para prisão, o juiz que a decretou por ser incriminado. “É punição do juiz por aplicar a hermenêutica!”
Por outro lado, ele reconhece que há temas relevantes no PL: “Há pontos que poderiam ser desenvolvidos, como constranger o preso para satisfazer desejos sexuais. Isso é algo que tem que ser punido”, diz Veloso. Ele também considera importante que sejam discutidas questões como a prisão de mulheres com homens, de menores com maiores de idade, ou que alguém fique preso mais do que o tempo devido. “O que não aceitamos é lidar contra a independência da magistratura”, reafirma Veloso.
O jurista Luiz Flavio Gomes considera que a proposta da Lei de Abuso de Autoridade tem pontos positivos. “A lei sobre o tema, que está em vigor, é muito antiga. É preciso detalhar pontos como o vazamento de notícias, isso não se pensava em 1965, assim a como a publicidade indevida de sigilos telefônicos quebrados”, afirma o especialista em direito penal.
Por outro lado, Gomes reconhece que o contexto é delicado para tratar do assunto. “Há muita coisa justa e necessária, o país precisa discutir, mas não nesse momento. Renan não é pessoa adequada para discutir isso como implicado na Lava Jato..”
O advogado criminalista Antonio Figueiredo Basto considera que o projeto é importante no sentido da responsabilização das autoridades. “Polícia, magistratura e MP não estão acima do bem e do mal”, observa. Ele aponta que questões como grampos telefônicos, vazamento de informações, agressão a réus são relevantes, mas já são contemplados por outras leis.
“Já temos processo de fiscalização que podem coibir eventuais abusos, como medidas administrativas. E quando houver abuso de magistrado tem a Loman e CNJ. O MP tem o seu conselho. E tem as corregedorias de cada um”, diz o advogado, que também considera o momento inoportuno.
Basto cita alguns exemplos de normas atuais que já visam punição para os pontos tratados no PLS 280. Para a questão dos grampos, por exemplo, já existe a lei de interceptação telefônica (Lei 9.296/96). O vazamento de informações já é tratado na Lei de Organizações Criminosas (Lei 12850/2013). E casos de abusos e maus tratos a presos estão previstos no Código Penal, e há ainda a Lei de Tortura (Lei 9.455/1997). E até mesmo o uso de algemas, que é tratado no PL, já tem jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) pacificada sobre o tema.
Lei atual
Atualmente, continua em vigor a 4.898/1965, que prevê responsabilização civil e administrativa para casos de abuso de autoridade que atentem contra direitos como liberdade de locomoção, inviolabilidade do domicílio; sigilo da correspondência, liberdade de consciência e de crença, livre exercício do culto religioso, liberdade de associação, direitos e garantias relacionados ao exercício do voto, direito de reunião e segurança física do indivíduo.
Como esta lei é anterior à Constituição de 1988, são considerados não recepcionados – fora de uso – os trechos que trouxerem garantias menores dos que as previstas na Constituição ou em leis posteriores que a tomam como base.