A liberação da terceirização das atividades-fins em todas as atividades econômicas, por meio da eventual aprovação do PL 4.330, terá consequências que vão além do debate de modernização que está se propondo.
Sob a ótica dos trabalhadores, tem como efeitos a precariedade e transitoriedade dos vínculos e jornadas de trabalho, que privilegiarão serviços temporários pontuais e eventuais. Rodízio de prestadores de serviço, turnos e jornadas diárias e semanais imprevisíveis; trarão dificuldade ao gozo dos direitos de férias e décimo-terceiro; além de impedir a criação da identidade de grupo entre os trabalhadores, com esvaziamento de reivindicações coletivas e greves. Dados apontam que a remuneração-base é sensivelmente mais baixa, ocasionalmente sem limitação de jornada e pagamento de horas-extras, além de haver mais mortes e acidentes entre terceirizados.
Também dá oportunidade às empresas do setor primário em que há insalubridade e periculosidade, mediante criação de grupos econômicos com distintos CNPJ, de desonerar-se das contribuições previdenciárias sobre tais riscos à saúde, à integridade física e à vida. Isso permite menores preços finais e maiores competitividade e lucro, mas impede, entretanto, o acesso à aposentadoria especial, seja pela falta de custeio ou pela falta da prova técnica exigida por lei (laudos e relatórios) das condições de trabalho.
Não bastante, é conhecido atributo da terceirização o inadimplemento estrutural causado pelas empresas de fachada, com sonegação dos tributos e direitos sociais. Processo que catalisará o sucateamento das contas da Previdência Social e pressionará, em médio prazo, outra reforma estrutural previdenciária, com a privatização das rendas futuras por meio de fundos de pensão e seguros de risco.
Há também a questão humana, que tem passado ao largo da discussão. Como se não bastasse o achatamento de salários, não se trata apenas dos impostos e direitos pecuniários, enfim, não apenas de dinheiro.
Silvio José, 55, por exemplo, mora com a esposa e as duas filhas mais novas em Curitiba. No último ano, entretanto, já trabalhou nas obras da Arena da Baixada; no Porto de Paranaguá; a serviço da Transpetro nas imediações de Itajaí-SC e agora passa um mês em Canoas-RS na manutenção de cabos elétricos da Companhia Estadual Energia Elétrica (CEEE). As mudanças frequentes de turnos e locais de trabalho tornam-lhe impossível planejar a vida, o futuro próximo, a capacitação em médio prazo para outras atividades, o convívio familiar ou as aspirações pessoais. Nos alojamentos, os intervalos entre as jornadas são absolutamente não-aproveitáveis. Em outros casos, os próprios turnos (diurnos ou noturnos) são imprevisíveis, e o sujeito não tem sequer controle sobre o próprio sono.
Trata-se da limitação indireta do exercício da liberdade ou da realização existencial de gente de carne e osso que corresponde a grande parte da população economicamente ativa do país.
Há mais. Os efeitos da terceirização não alcançam apenas a rotina presente dos trabalhadores, mas também seu futuro. Vem no pacote a pejotização e duas consequências relevantes: a) a extinção do FGTS, única poupança efetiva (porque forçada) da gente assalariada, que via de regra, com ele, alcança a condição de proprietária de imóveis populares e b) o achatamento das aposentadorias, dada a licitude de pagamento das contribuições previdenciárias com base no salário-mínimo do pró-labore dos sócios das empresas terceirizadas ou quarteirizadas, os próprios trabalhadores.
Em poucas décadas, a larga fatia assalariada da população – que tanto se beneficiou do microcrédito e das facilidades do consumo imediato e não-planejado nos últimos anos – deixará de ter acesso efetivo à casa própria e à Previdência Social, únicos ‘bens’ duráveis – mesmo – de que dispõe hoje. Na prática, a aposentadoria não será suficiente para pagar o aluguel.
Há o outro lado da moeda: obviamente precisamos de soluções para viabilizar as atividades das pequenas e médias empresas, mais vulneráveis à instabilidade da economia e à alta carga tributária.
Entretanto, é necessário olhar as questões públicas com efeitos em todo o tabuleiro, não apenas nas casas que ocupamos.
Entender a organização econômica e social a partir de sua construção histórica, e de seus motivos fundantes, e não pelo imediatismo contábil. O direito do trabalho foi criado nas décadas de 1920 e 1930 para esterilizar ideais revolucionários, pacificar a mão-de-obra e permitir o desenvolvimento do capitalismo como o conhecemos hoje.
Com a revogação de direitos e aumento paulatino dos níveis de indignidade e insatisfação, caminhamos para a conjuntura de desordem e instabilidade do fim do século XIX, e não para a modernização reivindicada pelos defensores do PL 4.330 para o início do XXI.