No Brasil, quem fez curso superior tem direito a aguardar o julgamento definitivo por supostos crimes em uma cela especial. Réu em sete ações penais, por uma das quais já foi condenado em primeira instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem curso superior, mas juristas explicam que ele terá direito a uma sala diferenciada em caso de prisão, seja pelos títulos de doutor honoris causa, seja pelas prerrogativas como ex-presidente.
O Código de Processo Penal (CPP) prevê no artigo 295 que os “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”, magistrados, governadores, prefeitos, parlamentares, ministros de confissão religiosa, entre outros têm direito a serem recolhidos em “quartéis ou a prisão especial”.
Para José Carlos Portella Jr., professor de Direito Processual Penal do UniCuritiba, mesmo sem a necessidade de que se faça um curso para receber o título de doutor honoris causa, o documento é um diploma expedido por uma instituição de curso superior e, por si só, garantiria a Lula uma cela especial. Ele recebeu o título de pelo menos sete universidades, no Brasil e no exterior, como a Universidade de Coimbra e o Instituto de Estudos Políticos de Paris, conhecido como “Sciences Po”.
O advogado criminalista Adib Abdouni discorda desse entendimento e aponta que é preciso ter colado grau para ter direito a uma cela diferenciada. Para o penalista Daniel Bialski, o direito só pode ser concedido a quem de fato fez o curso em uma faculdade.
Mas independentemente do curso superior, os dois advogados concordam que Lula teria direito a uma cela especial como ex-presidente da República. A medida seria tanto uma garantia à sua integridade física, quanto um procedimento para garantir a segurança nacional.
Bialski explica que, como os crimes que podem levar Lula a ser preso são relacionados a seu período na Presidência da República, a lei retroage em favor do réu, garantindo a ele as prerrogativas de chefe de Estado.
“Lula, por ser ex-presidente, tem benefícios. Não foi deposto, tem carro e funcionários à disposição, tem pensão vitalícia. E, se eventualmente for condenado por crime, não vai ser em um lugar normal. Provavelmente vai para uma cela especial, em um quartel”, diz Abdouni.
Prática
O professor Portella explica que, após a condenação, o cumprimento da pena ocorre junto com os presos comuns. A diferenciação é apenas enquanto o processo tramita. E mesmo investigados que não se enquadrem nas especificações do CPP podem ficar em celas separadas para garantir sua integridade física. Isso ocorre com suspeitos de estupro, por exemplo.
Na Operação Lava Jato, os investigados, independentemente da formação, estão ficando em celas separadas dos demais presos tanto na sede da Polícia Federal quanto no Complexo Médico de Pinhais.
O professor do UniCuritiba ressalta que a cela especial não deve ter nada de diferente da cela normal, apenas os presos devem ficar separados . “As pessoas ouvem cela especial e imaginam que vai ter mais conforto. Não tem. Não é um lugar com tevê e frigobar. Deve ser uma cela como qualquer outra”, diz Portella.
Já houve no Congresso Nacional debates para que sejam reduzidas as situações que garantem a cela especial. Mas Abdouni defende que em alguns casos a exceção seja mantida. “Juízes ou policiais poderão, eventualmente, encontrar alguém que mandaram prender. A cela especial é uma maneira de garantir a integridade física deles”, argumenta o advogado.
Bialski lembra que o Estatuto da Advocacia também garante que advogados tenham direito a cela especial. E, caso não haja estrutura adequada, para que os profissionais sejam presos “com instalações e comodidades condignas”, a lei prevê que eles fiquem em prisão domiciliar.
Conheça a Lei
Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:
I - os ministros de Estado;
II – os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia;
II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; (Redação dada pela Lei nº 3.181, de 11.6.1957)
III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;
IV - os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;
V - os oficiais das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros;
V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (Redação dada pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
VI - os magistrados;
VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;
VIII - os ministros de confissão religiosa;
IX - os ministros do Tribunal de Contas;
X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;
XI - os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos ou inativos.
XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.
§ 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.
§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.
§ 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.
§ 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.
§ 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.
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