Ações judiciais que envolvem professores, alunos e pais de alunos estão se tornando frequentes para a resolução de problemas corriqueiros de sala de aula. Os processos relacionados ao assunto que chegam nos tribunais especiais (de pequenas causas) vêm se tornando uma alternativa principalmente de professores, que se amparam na lei para garantir autoridade e respeito dos estudantes.
Casos que chegaram à Justiça
Confira alguns casos envolvendo conflito escolar que chegaram ao Judiciário e tiveram repercussão:
“Me dá meu celular”: Em Sergipe, um aluno ajuizou uma ação contra o professor por dano moral devido ao docente retirar o aparelho celular do estudante em sala de aula. Ao julgar improcedente a ação, o juiz Eliezer Siqueira de Sousa Junior, da 1ª vara Cível e Criminal de Tobias Barreto/SE ainda desabafou que julgar procedente uma demanda daquele tipo seria “desferir uma bofetada” na educação brasileira.
Raiva e socos: Em Santos, região portuária de São Paulo, os pais de um adolescente – que agrediu com um soco no olho e injúrias o professor – foram obrigados a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil ao docente. Consta no processo que a atitude do estudante foi motivada pela negativa do professor em lhe ceder a chave da sala de jogos, porque não havia ninguém para supervisioná-lo. Os pais do jovem alegaram que ele “apenas revidou injusta agressão”.
Mamãe não deu exemplo: A mãe de um ex-aluno de uma escola pública, no interior de São Paulo, foi condenada a pagar indenização de R$ 10 mil à diretora do colégio por acusá-la de agredir os estudantes. A mulher chegou a circular um abaixo-assinado na cidade pedindo a destituição da diretora. Diante da acusação infundada, a ajuizou uma ação na Justiça por calúnia e difamação. A Justiça entendeu que a denúncia era falsa e condenou a mãe do ex-aluno.
“Incompetente”: Professora do curso de farmácia da Universidade de Brasília (UnB) teve ganho de causa em ação de danos morais movida em 2011 contra um grupo de universitários do curso que divulgaram pela universidade um “manifesto” em que afirmam que a docente seria incompetente. O grupo de 17 alunos foi condenado a indenizar a professora em R$ 8,5 mil. Os alunos também sofreram um processo administrativo pela UnB que resultou em uma ordem de retratação pública da professora.
Post no Facebook: Ex-aluno de uma escola técnica da capital paulista foi condenado a indenizar em R$ 10 mil um professor por danos morais após ter postado em rede social, imagens manipuladas, vinculando o professor ao consumo de álcool e drogas, e o acusado de receber supostas vantagens na comercialização do uniforme escolar. O aluno respondeu por suas ações, pois na prolação da sentença, ela já era maior de idade. O jovem alegava que as postagens foram publicadas em grupo privado na rede social, sem acesso a terceiros, em situação de brincadeira que faz parte um ambiente comum entre os estudantes.
Em março deste ano, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que uma mãe de aluno deveria indenizar a diretora da escola por difamação. Em fevereiro, o mesmo tribunal proferiu sentença em que determinou que um aluno deveria que pagar R$ 10 mil de indenização a um professor por ofensas publicadas no Facebook.
Diante desta nova demanda, especialistas em direito civil consultados pela reportagem apontam a necessidade de se categorizar o que é o dano moral e alertam para que escola, pais e repartições públicas incentivem o diálogo. Eles também indicam conciliação como alternativas para resolução destes problemas no âmbito escolar, a fim de que as brigas não se prolonguem e só sejam resolvidas nos fóruns judiciais.
O advogado e autor do livro Direitos de Personalidade e sua Tutela, Elimar Szaniawski, explica que a conduta do agressor pode ser considerada dano moral quando a lesão à imagem abala o psicológico e a honra daquele que é alvo dos atos de tal modo que suas atividades profissionais fiquem comprometidas, ou mesmo que a pessoa se sinta impedida de ser realizá-las.
Gilson Goulart, advogado especialista em direito civil, aponta a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves que define dano moral como “(...) lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.
A origem da recorrência à justiça para resolver os problemas de âmbito escolar tem diversas motivações, segundo o entendimento autora do livro Responsabilidade Civil por Dano Existencial ,Flaviana Rampazzo Soares. “A deficiência de estrutura de apoio interno na escola, para resolução de conflitos no ambiente escolar; um acesso mais fácil e barato à estrutura do Poder Judiciário, no âmbito dos Juizados especiais e, aliado a isso, há a questão psicológica da dificuldade de resolução de conflitos por uma construção dialogada e direta entre as partes, que buscam no outro (Poder Judiciário, por exemplo) a solução de um problema”, explica Flaviana, que também é mestre em direito.
Conflito de gerações
Diante de uma ação ajuizada por um aluno que teve o celular tomado pelo professor em sala de aula, do juiz Eliezer Siqueira de Sousa Junior, da 1ª vara Cível e Criminal de Tobias Barreto/SE, fez a seguinte observação na decisão: “O Autor é estudante. O demandado, professor. Neste contexto, já se deveria asseverar que o docente, jamais, traria algum abalo moral àquele ser que lhe foi confiado a aprender. Pelo contrário!”.
Para Szaniawski, o enfrentamento com a figura do professor é oriundo de uma cultura – moderna - de desrespeito às normas, às pessoas e uma extrapolação da liberdade de expressão e do direito de propriedade.
Falta diálogo
As brigas, discussões e processos também são resultado do escasso diálogo entre alunos e professores. “Este conselho vale para toda a nossa sociedade: tentar conversar e se entender para resolver de uma forma mais amistosa toda e qualquer situação, melhora as relações interpessoais e desafoga o sistema Judiciário”, diz Szaniawski. “As pessoas judicializam demais os problemas”, considera o professor titular da UFPR. Mas ele reconhece que, quando os limites são extrapolados e há abusos, uso da imagem indevida ou exposição vexatória, os cidadãos podem recorrer à Justiça, uma vez que se caracteriza conflito de direitos (direito de expressão X direito de imagem).
Sem dados
O CNJ, o TJ-SP, TJ-PR ou a APP-Sindicato do Paraná não dispõem de dados para mensurar os números ou recorrências de processos de danos morais movidos pelos professores ou sofridos por eles. Os órgãos consultados informam que não é possível fazer um levantamento tão específico.
Novos meios
Com as redes sociais, os ataques aos professores não se concentram mais no ambiente de sala de aula. A mágoa com o docente vai para internet, e lá o estudante encontra um espaço aparentemente “seguro” para “trolar” – termo comum usado pelos alunos para se referir a deboche – o professor.
Mas, para as redes sociais, também são aplicadas as normas previstas no Código Civil e no Código Penal, que podem gerar ônus financeiro, além de punições disciplinares na instituição de ensino, e medidas punitivas aos alunos e aos pais.
Colaborou: Beatriz Peccin
Responsabilização pode ser civil e penal
A falta de resolução amigável dos conflitos no ambiente escolar leva os envolvidos a, muitas vezes, buscar a solução no Poder Judiciário remete. As possíveis respostas são: indenização; medidas preventivas; determinação da prática ou abstenção de determinada conduta; direito de resposta ou determinação de retratação; ação punitiva prevista no Código Penal através de medidas socioeducativas ou detenção – em caso de réu com maioridade.
O doutor em direito civil, Elimar Szaniawski, coloca que uma punição de ato de injúria e exposição indevida e vexatória da imagem de terceiros – em uma situação hipotética que segue os casos mostrados nesta reportagem – pode gerar punições em quatro esferas: regimento disciplinar; Código Civil, Código Penal e Constituição.
De acordo com o Código Civil, uma conduta lesiva ilegal que cause um dano juridicamente qualificado a uma vítima, pode levar à responsabilização tanto o autor quanto seu responsável, em caso de o autor ser menor de idade. O pagamento de indenização pode atingir o responsável em razão do disposto no art. 932 do Código Civil, que prevê que os pais são responsáveis pelo pagamento da reparação civil por condutas ilícitas de seus “filhos menores, que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia”.
Os pais também podem ser responsabilizados por causa dos filhos conforme o artigo 3.933 do Código Civil, sendo verificada apenas a culpa do filho. Há divergência nos tribunais quanto à extensão dessa responsabilidade, havendo decisões estabelecendo que a responsabilidade são dos pais que exercem o poder familiar, independentemente de quem estivesse de fato na companhia do filho ao tempo do evento lesivo (STJ. 3ª Turma. AgRg no AREsp 220.930/MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 09/10/2012). Outras decisões (e esse é o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, expressado no Recurso Especial n. 1.232.011-SC, julgado em 17/12/2015) vão no sentido de que apenas quem exercia a autoridade de fato na ocasião do evento lesivo deve responder.
Para evitar conflitos, escola aposta em prevenção
O Colégio Estadual do Paraná – que possui mais de 5 mil alunos – aposta em medidas preventivas aos conflitos entre alunos e com os professores. A instituição de ensino desenvolveu um conjunto de ações junto à direção e aos professores. As medidas preventivas tomadas pela diretoria do colégio são, por exemplo: adoção da patrulha escolar (realizada pela organização especial da Polícia Militar); reunião anual com os 110 representantes de turma para discussão de temas comuns entre os estudantes; palestras e reuniões que visam à conciliação entre alunos e à observância dos direitos e deveres do professor e aluno realizadas pela Defensoria Pública do Estado do Paraná. Todas as medidas adotadas pela escola, segundo a secretaria jurídica do colégio, se integram e visam à segurança e à harmonia no ambiente escolar.