Visualize a seguinte cena: seu filho está prestes a realizar uma cirurgia importante cujo tempo de recuperação será maior do que 30 dias e não há ninguém para atendê-lo nesse período, a não ser você, que não pode parar de trabalhar. Complicado, não é mesmo? Você pode tirar suas férias, que duram no máximo 30 dias, mas isso não resolve seu problema.
Pois na França já existe uma solução que leva em conta a solidariedade entre companheiros de trabalho. É a Lei Mathys, que entrou em vigor desde maio de 2014, quase cinco anos depois da morte do menino (que dá nome à lei) por um câncer no fígado em 2009. Na época em que o garoto estava doente, seu pai, Christophe Germain, recebeu de seus colegas de trabalho dias das férias de cada um para que ele ficasse em casa com o filho por 170 dias.
Seguindo esse exemplo, a Bélgica também deve ter lei semelhante aprovada nos próximos meses. O projeto de lei belga prevê que a doação seja espontânea, anônima e gratuita.
Brasil
Já no Brasil, pelo menos por ora, é impossível que um trabalhador doe dias de suas férias a um colega de trabalho. Isso porque por aqui esse é um assunto de saúde ocupacional. “O empregado tem de gozar as férias exatamente para ter uma higienização mental e para que o corpo possa descansar”, explica o advogado especialista em direito do Trabalho Carlos Eduardo Dantas Costa.
Ele ressalta ainda outra característica do contrato de trabalho, que traz entraves a essa boa ação. “O contrato individual de trabalho é formado de forma personalíssima, ou seja, não posso mandar uma pessoa no meu lugar”, diz.
Além disso, no direito brasileiro, as leis trabalhistas foram pensadas levando em conta que o trabalhador é hipossuficiente, ou seja, sempre está em desvantagem em relação ao empregador. Dessa forma, não pode dispor de seus direitos. “Existem os princípios do direito do trabalho, e um deles é justamente a indisponibilidade desses direitos. Mesmo que por decisão do trabalhador, mesmo que haja autorização escrita e conivência do empregador, o empregado não pode abrir mão de seus direitos. Não há a possibilidade de transferir um direito, mesmo que por uma causa tão nobre quanto essa”, diz o advogado especialista em direito empresarial Luis Gadelha.
A Lei Federal 8.112 já concede aos servidores públicos federais licença por motivo de doença em pessoa da família por até 60 dias com remuneração.
Mudança legislativa
Apesar de uma situação como essa de doação de dias de férias ser impossível de ocorrer no país mesmo que para uma causa nobre, já há projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional para que os empregados possam ter mais dias para cuidar de parentes enfermos sem que percam sua remuneração.
Um deles é o PL 286/2014, aprovado pelo Senado em junho de 2015 e que institui o auxílio-doença parental, que seria a concessão de licença remunerada para acompanhar pessoa enferma da família ao segurado do Regime Geral da Previdência Social. Segundo o texto, também poderá ser concedido auxílio-doença ao segurado, por até 12 meses, por motivo de doença de alguns membros da família, como cônjuge, pais e filhos. O projeto agora precisa ser aprovado na Câmara dos Deputados.
Hoje, a Lei Federal 8.112 já concede aos servidores públicos federais licença por motivo de doença em pessoa da família por até 60 dias com remuneração.
Outro projeto foi proposto pelo deputado federal Fábio Faria, que se inspirou justamente na lei francesa para propor a inclusão do art. 143-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com a proposta (PL 3.522/2015), seria facultado ao empregado ceder um terço do período de férias a outro empregado, desde que ele exerça funções análogas no mesmo setor do estabelecimento, para que ele possa acompanhar cônjuge, companheiro e filhos menores de 18 anos ou com deficiência em tratamento de saúde.
Consulte as leis:
CLT (Consolidação das Leis do Trabalho – artigos 129 a 145).
Lei 8.112 (Estauto do Servidor Público Federal – artigo 83).
Lei 8.213 (Planos de Benefícios da Previdência Social – artigos 59 e seguintes).
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