Está agendada para a próxima quarta-feira (7) o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que vai decidir se grávidas que foram infectadas com o zika vírus têm ou não o direito de abortar. No Brasil, praticar ou permitir que realizem o aborto é crime, mas não é punido em duas situações: quando a gravidez é resultado de estupro ou quando há risco de morte para a gestante. Além desses casos, o Supremo entendeu, em 2013, que gravidezes de bebês anencéfalos também podem ser interrompidas.
Antes de tomarem a decisão se vão liberar ou não o aborto nesse caso, os ministros STF deveriam levar em conta alguns dados que correlacionam, ou não, a microcefalia à infecção pelo zika vírus. Isso porque pode haver muito alarde sobre uma situação ainda controvertida.
Quase um ano se passou desde que os oficiais de saúde brasileiros anunciaram ter estabelecido uma relação entre o vírus zika, transmitido por mosquitos e casos de má formação congênita, especialmente a microcefalia, uma condição em que as crianças nascem com uma circunferência craniana muito abaixo do normal, com efeitos que variam desde leves atrasos no desenvolvimento mental até deficiências cognitivas e neurológicas devastadoras.
Uma revisão da literatura publicada recentemente, que analisa as evidências até o momento, aponta serem “convincentes os dados do Brasil em torno da associação temporal e geográfica entre as infecções pelo zika vírus e o surgimento posterior de crianças com microcefalia congênita”. Dada a severidade de muitos casos de microcefalia, os governos e as organizações de saúde correram para reunir e distribuir informações que possam ajudar as mulheres a enfrentar o vírus. Os dados mais recentes sobre a taxa de microcefalia causada pelo zika sugerem que a demanda pelo aborto motivada pelo medo está ultrapassando e muito o risco real de má formação congênita.
Medo
O pânico em torno do zika está motivando mais do que somente mudanças em destinos de férias. Nos Estados Unidos, o medo da microcefalia parece estar motivando o aumento da aceitação do aborto em casos de gravidez em estágio avançado. Uma enquete recente da School of Public Health de Harvard descobriu que cerca de 59% dos norte-americanos acreditam que o aborto deveria ser permitido após 24 semanas se houver uma “possibilidade séria de microcefalia” causada pelo zika, enquanto apenas 23% sentem que o aborto deveria ser permitido após 24 semanas em casos no geral.
A epidemia de zika também causou um aumento brusco na demanda por abortos em muitos países afetados, segundo um estudo publicado em julho no New England Journal of Medicine (NEJM). O estudo, conduzido por cinco pesquisadores, analisou os pedidos de aborto feitos por latino-americanos, entre 1.º de janeiro de 2010 até 2 de março de 2016, para a ONG holandesa de telemedicina Women on Web, que fornece remédios abortivos pelo correio para mulheres até a nona semana de gravidez em países que restringem o aborto. Os pesquisadores compararam os pedidos antes e depois do alerta da OPAS em novembro e dividiu os países em três grupos: dois grupos de países com transmissão ativa do Zika que podem ter feito ou não um alerta nacional para o adiamento de planos de gravidez e um terceiro sem transmissão de zika.
Apesar de os pedidos de aborto terem mantido números estáveis em países sem aviso de zika, a demanda pelo aborto aumentou significativamente em todos os países que deram avisos (exceto um deles). No Brasil e no Equador, a demanda subiu para além do dobro, enquanto outros países que também deram avisos viram aumentos que variaram entre 35 e 94%. Os pesquisadores reconhecem que seu método pode, na verdade, ter subestimado o efeito que esses alertas tiveram sobre a demanda pelo aborto, visto que muitas mulheres podem recorrer a clínicas locais ilícitas de aborto que são difíceis ou quase impossíveis de rastrear. Mas eles reafirmam sua conclusão de os alertas nacionais sobre os riscos de engravidar, mais do que a transmissão de zika por si só, são o que está aumentando a demanda pelo aborto: Nos países latino-americanos que alertaram as mulheres grávidas sobre as complicações associadas à infecção pelo vírus, houve um aumento significativo nos pedidos de aborto à ong Women on Web.
Cuidados médicos
Muitas mulheres têm medo, compreensivelmente, da ideia de terem um filho com deficiências significativas que exigirão cuidados médicos caros e constantes. Mas há um problema com o nível de alarme dos avisos. Os dados mais recentes sobre a taxa de microcefalia causada pelo zika sugerem que a demanda pelo aborto motivada pelo medo está ultrapassando e muito o risco real de má formação congênita. Um estudo estimou que, se uma mulher grávida contrair zika no primeiro trimestre, seu filho corre um risco entre 0,88% e 13,2% de nascer com microcefalia – mas esse risco chega a quase zero se ela for infectada no segundo ou terceiro trimestre (há uma amplitude tão grande no primeiro trimestre por conta das dificuldades em determinar a taxa de infecção da população, bem como a incerteza quanto ao número dos casos de microcefalia relatados). Em vez de chegar a uma resposta exata, o estudo fornece a melhor estimativa até o momento com um limite superior e inferior.
O que significam esses números para mulheres grávidas? Mesmo presumindo que 100% das mulheres que procuram aborto por preocupação tenham de fato contraído a infecção no primeiro trimestre, haveria entre 7 e 113 casos de gravidez que seriam interrompidas para cada caso de microcefalia. No Brasil, por exemplo, entre 628 pedidos de aborto provavelmente atribuídos a preocupações quanto ao zika, entre 545 e 623 crianças teriam nascido sem microcefalia, comparadas com apenas de 6 a 83 crianças afetadas. Na Colômbia, de 39 casos de pedidos de aborto por causa do zika, não haveria mais de cinco crianças, talvez até mesmo nenhuma, com microcefalia. Mas, com as taxas reais de infecção no primeiro trimestre abaixo de 10%, o número de casos de gravidez afetadas é quase que certamente inferior em ordens de magnitude.
Alarmismo
Outro estudo revelou que mulheres preocupadas com o zika não necessariamente tinham suspeitas de infecção, e nenhuma delas foi testada para ver se haviam contraído o vírus. Uma mulher na Colômbia escreveu: “Não tenho recursos agora e queremos pedir a sua ajuda, porque estou dominada pelo medo. E se meu bebê nascer doente?” Outra mulher do Brasil implorava: “Eu preciso de um aborto por causa do grande risco de infecção com zika aqui... Por favor, me ajudem”. Seu desespero é movido pelo menos em parte por um medo que se baseia principalmente em avisos nacionais de grande escala que sugerem que todos os casos de gravidez correm riscos severos. Uma mulher na Venezuela relatou: “Eu contraí zika há quatro dias... eu amo crianças. Mas não acredito que seja uma decisão sábia ter um bebê que irá sofrer”. Até mesmo ela, porém, tem mais chances de ter uma criança saudável do que com microcefalia.
O que deve ser feito no lugar desses alertas? Os governos e organizações que estão tentando ajudar as mulheres diante da ameaça do zika precisam resistir ao alarmismo e ajudá-las a avaliar seus riscos com cuidado. Informações precisas e atualizadas sobre os índices locais de transmissão e medidas preventivas cotidianas, como o uso de repelentes e telas nas janelas contra insetos e o uso de mangas e calças compridas, são uma estratégia mais ponderada para combater os casos de microcefalia ligados ao zika do que ameaças extremas baseadas no medo.
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