A União terá de fornecer a uma mulher o medicamento importado Soliris, que não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão da 2ª Vara Federal em Guarulhos (SP). A decisão do juiz federal de Guarulhos, Paulo Marcos Rodrigues de Almeida, também havia proibido a União de utilizar verbas do orçamento da Saúde para a aquisição do medicamento, que deve ser adquirido com verbas destinadas à veiculação da publicidade oficial.
As informações são da assessoria de comunicação do TRF3.
A autora da ação afirma ser portadora de uma grave e rara doença genética chamada “hemoglobinúria paroxística noturna” (HPN), que destrói os glóbulos vermelhos e provoca anemias, tromboses, doença renal crônica, hipertensão pulmonar, dispneia e dores torácicas e abdominais. Sem melhora com os tratamentos tradicionais, ela ajuizou a ação solicitando o medicamento Soliris (Eculizumabe), importado e sem registro, que, segundo ela, pode melhorar sua qualidade de vida e aumentar sua expectativa de vida.
Na liminar, o juiz federal relatou que a petição inicial apresentou estudos e relatórios que apontam a eficácia superior do medicamento Soliris em relação aos tratamentos tradicionais e indica o fato de o remédio já ter sido autorizado pela FDA e EMA, órgãos de segurança sanitária dos Estados Unidos e da Europa. Por isso, entendeu ser um caso excepcional, em que o Poder Judiciário pode determinar o fornecimento de um medicamento importado não registrado na Anvisa.
Recursos
Como os recursos orçamentários vinculados à saúde são finitos, ele também tratou do problema que provocaria a determinação de fornecimento pelo governo de um medicamento caro para um único paciente, em prejuízo da coletividade de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Para o juiz federal, a saúde e a educação foram eleitas pela Constituição Federal como prioridades da nação e é possível que orçamento destinado a outras áreas não prioritárias seja para lá realocado.
Segundo o magistrado, não é razoável que o Estado se negue a fornecer medicamentos sob a justificativa de carência de recursos quando “segue veiculando regularmente na TV, internet e jornais impressos anúncios publicitários desvestidos de qualquer caráter educativo, informativo ou de orientação social, voltados à mera exaltação das iniciativas do governo”.
Após a decisão, a União ingressou recurso no TRF3 alegando não ser possível o fornecimento da medicação por se tratar de remédio não registrado na Anvisa, além de ser inadequado ao tratamento devido aos potenciais riscos e efeitos colaterais, além do seu altíssimo custo.
Acórdão do TRF3
O relator do caso no TRF3, desembargador Johonsom di Salvo, observou que cabe ao poder público obrigatoriamente a garantia da saúde mediante a execução de política de prevenção e assistência à saúde, com a disponibilização dos serviços públicos de atendimento à população.
“A responsabilidade pelo fornecimento do medicamento de que necessita a autora decorre do direito fundamental dela à vida e a uma existência digna, do qual um dos apanágios é a saúde, cuja preservação também é atribuída aos poderes públicos executivos da União, dos Estados e dos Municípios, todos eles solidários nessa obrigação”, disse o desembargador federal.
O relator destacou ainda a Lei n.º 8.080/90, que diz ser competência do SUS a “assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”. Contudo, ele explicou que a compra de medicamentos toma por base a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), uma relação de remédios básicos criada pelo Ministério da Saúde que é “dificilmente atualizada”.
“Os limites enunciativos dessa Rename e os supostos limites orçamentários do Poder Público (de difícil justificativa quando se sabe que há verbas públicas destinadas a propaganda da “excelência” do Governo de ocasião) não podem ser manejados se colidem diretamente contra o direito à vida, contra o direito social de integralidade do acesso à saúde e contra a essencial dignidade da pessoa humana”, decidiu.
“Ressalto que a saúde - como direito fundamental - está acima do dinheiro, embora assim não entendam os governantes; mas eles não podem se opor à Constituição na ótica vesga com que enxergam as prioridades que o Estado deve observar no trato dos interesses dos cidadãos e na busca do bem comum. O direito a saúde é indisponível”, completou.
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