O mercado de compra e venda de precatórios no Paraná sempre com descontos que desfavorecem o credor do governo do estado pode ter chegado ao fim. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ) considerou constitucional e regulamentou o Decreto 418/2007, do governador Roberto Requião (PMDB). O decreto proibia o pagamento de tributos, como o ICMS e o IPVA, por meio da compensação com precatórios (dívidas que o estado tem com terceiros já julgadas pela Justiça).
Embora os desembargadores tenham referendado a legislação estadual, eles permitiram a compensação dos tributos, desde que isso obedeça ao cronograma definido pela Justiça para o pagamento do título, afirma Lineu Kirchner, procurador de Justiça e sub-procurador-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos do Ministério Público Estadual (MP). Na prática, porém, o comércio de precatórios tende a acabar porque, com a nova regra, a compensação tributária não poderá ser feita de forma imediata, com vantagem para quem compra os títulos com desconto, como ocorre hoje (veja como funcionava a negociação ao lado).
O procurador Ubirajara Ayres, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), diz que o prejuízo para o governo com as compensações tributárias chegou a R$ 400 milhões nos últimos três anos, pois a administração pública abatia dívidas que pagaria no futuro mas perdia receita no presente. "Esse prejuízo foi dado apenas pelos 12 maiores devedores do estado, que conseguiram compensar ICMS com precatórios comprados com deságio", afirma Ayres. Percebendo a perda de receita, o governador assinou o decreto no ano passado proibindo a negociação. Mas, como a Constituição Federal permite a compensação tributária com precatórios, o MP questionou a legalidade do decreto na Justiça.
Mas, durante o processo, o MP acabou mudando sua posição. Como a Constituição não estabelece datas nem cronogramas para a compensação tributária com precatórios, as empresas que compravam os títulos com desconto os negociavam de forma imediata com o governo. Não eram respeitados os prazos de pagamento dos títulos determinados para os credores originais. A partir dessa constatação, o procurador Lineu Kirchner passou a defender a tese de que o decreto era constitucional, desde que fosse respeitada a cronologia de pagamentos dos títulos. Ou seja, as empresas que fizeram as compras dos precatórios, para compensá-los em troca de tributos, deveriam esperar e não fazer as compensações de forma imediata.
Valor de face
Pelo sistema de negociação que era usado até então, os descontos na compra dos precatórios geralmente variavam entre 70% e 90% sobre o valor de face do documento. Mas o abatimento dos tributos ocorria pelo valor integral do título. O empresário, portanto, ganhava dinheiro para pagar seus impostos.
"Com a compensação imediata, havia uma vantagem dupla para as empresas. Elas compravam os precatórios mais baratos, mas os trocavam pelo valor inicial e não esperavam na fila pelo recebimento dos títulos. Agora, têm de aguardar o momento original, estabelecido pela Justiça, que seria destinado aos pagamentos originais dos precatórios", afirma Kirchner.
Segundo Kirchner, o TJ conferiu ao Decreto 418/2007 redação conforme a Constituição. "Não se pode proibir a compensação em qualquer momento, pois um decreto não é superior à Constituição Federal." Apesar disso, o comércio de precatórios deverá diminuir sensivelmente, aposta Kirchner. "O governo também passará a recolher, em dinheiro, seus créditos. O que ocorria (até então) levava a um abuso de poder econômico e a uma violação das leis de livre comércio."
Para o procurador do estado Ubirajara Ayres, o governo passará a ter mais receita. "E assim poderá fazer novos e maiores investimentos em setores fundamentais, como saúde e educação", diz Ayres. Ele afirma ainda que a decisão do TJ melhora ainda a economia geral do Paraná. "Há, por exemplo, uma rede de supermercados e outra de farmácias que faziam muita compensação de tributos com precatórios, comprados com grandes descontos. Isso promoveu a quebra de alguns concorrentes, pois podiam pôr preços mais baixos em seus produtos, uma vez que não gastavam tanto com o pagamento de impostos."
As empresas que compraram precatórios e não concordarem com a dedisão do TJ poderão recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas até que haja alguma decisão, terão de esperar na fila para compensar seus impostos com os títulos.