Durante dois anos, Dona Vitória (nome fictício) dedicou cada minuto de seus dias a provar a omissão das autoridades no combate ao tráfico de drogas na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Com uma câmera, filmou o dia-a-dia da boca-de-fumo em frente a sua janela. Os registros provaram na Justiça o descaso aos seus apelos. Ela ganhou na primeira instância o direito de receber uma indenização de R$ 150 mil. Mas o Estado, condenado por omissão, recorreu e saiu vitorioso na semana passada.

CARREGANDO :)

Em sua defesa, o Estado argumentou que o pagamento de indenização a Dona Vitória, obrigada a deixar sua casa às pressas devido às ameaças do tráfico, iria estimular outras vítimas da violência a entrar na Justiça com pedidos semelhantes.

Dona Vitória perdeu o direito ao dinheiro e ainda foi condenada a pagar as custas processuais. Desembargadores da 16ª Câmara Cível decidiram, por unanimidade, reformar a sentença do juiz João Luiz Ferraz de Oliveira Lima, da 8ª Vara de Fazenda Pública, favorável à aposentada.

Publicidade

As custas processuais correspondem a 2% do valor da causa. A ação de Dona Vitória foi fixada em R$ 100 mil. A aposentada de 81 anos teria, portanto, que desembolsar R$ 2 mil para ficar quite com a Justiça. Ganhando pouco mais de R$ 500 de aposentadoria por mês, ela só poderia pagar a dívida parcelada. O último crediário que fez foi para comprar a câmera com que filmou os traficantes. Através das imagens, a polícia conseguiu mandar para a cadeia 32 pessoas. Nove delas eram policiais.

Segundo a lei, paga quem perde. Por sorte, Dona Vitória havia entrado com a ação através da Defensoria Pública, que solicitou a gratuidade no processo. Dessa forma, não precisará desembolsar nada.

A relatora do processo, desembargadora Simone Chevrand, destaca na ação que Dona Vitória se colocou em risco ao filmar o tráfico. Diz ela: "Não se pode deixar de evidenciar que, ao assim agir, a apelada assumiu o risco das conseqüências daí advindas. E elas vieram, tanto que acabou por necessitar ser incluída em programa de proteção à testemunha".

Silêncio após decisão

O jornal "Extra" procurou a desembargadora Simone Gastesi para comentar a sentença. A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça informou que ela não falaria sobre a decisão. Desde o início, a ação de Dona Vitória foi acompanhada por um defensor público. Para recorrer da decisão, ela teria que contar novamente com a defensoria. A assessoria do órgão disse que uma defensora que atuou no processo havia entrado de licença. A outra estava viajando e nenhuma outra pessoa poderia falar sobre o caso.

Publicidade

A Procuradoria Geral de Justiça, que pedia a manutenção da sentença favorável à aposentada, destacando ainda que ela substituiu o Estado quando combateu o crime, também não se pronunciou. Assessores da instituição disseram que não conseguiram contato com o Procurador-Geral de Justiça, Marfan Martins Vieira. Eles acrescentaram que não poderiam informar ainda qual foi o procurador que deu parecer no processo. Já a Associação dos Magistrados do Brasil disse que não comenta decisão judicial.