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Há não muito tempo, numa capital não muito distante...

Era um período crítico para a Lava Jato. A força-tarefa havia tido uma enorme baixa: suas “Dez Medidas de Combate à Corrupção” haviam sido destroçadas pela Câmara. E o Congresso avançava em outro flanco ao discutir a anistia ao caixa 2 eleitoral e um projeto de que endurece penas para abuso de autoridade cometidos por juízes e procuradores – duas propostas vistas pelos investigadores como tentativas de destruir definitivamente a operação. Mas a rápida reação contrária da opinião pública fez os políticos de Brasília recuarem. Prometeram engavetar os projetos.

Tudo isso ocorreu em novembro. Mas as forças políticas de Brasília usaram as férias de verão para se reorganizar. E iniciaram o que, para muitos, é um contra-ataque à Lava Jato.

Medo do fim do mundo

“É o medo do fim do mundo”, diz o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), fazendo referência às colaborações premiadas de 77 diretores e ex-executivos da empreiteira Odebrecht – conhecidas como “delações do fim do mundo”. “Sem dúvida alguma os políticos estão numa tentativa desesperada de uma última cartada para o que está chegando”, afirma o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, professor da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro.

A expectativa é de que os depoimentos da cúpula da Odebrecht se tornem públicas em breve e caiam como uma bomba atômica sobre Brasília. Estima-se que de 100 a 120 políticos de muitos partidos vão aparecer nas delações. Diante disso, há vários indícios de que a classe política parece ter se apegado à velha máxima de que a melhor defesa é o ataque.

Postos-chave

A ocupação de postos-chave no front foi o primeiro movimento. Dois citados nos trechos das delações que já se tornaram públicos – o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) – foram eleitos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente. O comando da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) foi parar nas mãos de Edison Lobão (PMDB-MA) – outro que apareceu nos depoimentos e que tem um filho investigado na nova fase da operação, deflagrada na quinta-feira passada (16).

A CCJ – que tem 20% de seus integrantes citados na Lava Jato – é a principal comissão do Senado. Avalia a constitucionalidade e legalidade das propostas em tramitação. Todos os projetos, antes de ir a plenário, têm de passar por ali. Qualquer tentativa de aprovar uma lei para frear a investigação, em tese, pode ser enterrada na CCJ.

Mas Lobão já indicou que essa não será sua posição. “Eu quero dizer que é constitucional a figura da anistia [ao caixa 2 eleitoral], qualquer que ela seja”, disse o senador em entrevista recente.

Dinheiro para políticos

A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (15) um novo projeto de repatriação de dinheiro ilegal mantido no exterior por brasileiros com uma brecha, incluída no Senado, que permitia a legalização de recursos de parentes de políticos – o que foi proibido no primeiro projeto para evitar que verba de corrupção e de caixa 2 voltasse ao país de forma legal. Embora a inclusão dos familiares fosse defendida por vários partidos, a repercussão negativa acabou levando o plenário a aprovar no mesmo dia uma emenda proibindo a repatriação para parentes de políticos. O texto agora volta do Senado. E já há senadores que querem tirar a emenda do projeto para incluir os familiares de políticos dentre os beneficiários.

Caixa 2 e abuso de autoridade

O projeto da anistia ao caixa 2, que havia sido engavetado no fim do ano passado, ressurgiu forte nas conversas dos parlamentares. É visto como uma tentativa de “salvar” os políticos porque, ao perdoar crimes eleitorais cometidos no passado, muitos deles não poderiam ser processados – o argumento seria de que receberam dinheiro ilegal da Odebrecht para financiar campanhas eleitorais.

Já Rodrigo Maia, que tem o poder de colocar ou não projetos em votação no plenário da Câmara, mal havia sido reeleito presidente da Casa e disse que outro projeto visto como contrário à Lava Jato vai ser apreciado: “Eu vou pautar o tema do abuso de autoridade”. Ainda não há previsão de quando a proposta será votada.

Outros projetos “estranhos”

Rodrigo Maia colocou em pauta, na primeira semana de trabalho da Câmara deste ano, em regime de urgência, outro projeto “estranho”: o que permite que os partidos continuem funcionando mesmo que não prestem contas à Justiça Eleitoral ou tenham suas contas desaprovadas. Hoje, se isso ocorre, a sigla perde o dinheiro do Fundo Partidário e fica impedida de participar de eleições.

A proposta é vista como uma manobra defensiva para salvar os partidos envolvidos na Lava Jato – grande parte deles recebeu propina por meio de caixa 2, o que pode levar à condenação de suas contas. Diante da reação negativa à proposta, Maia a tirou de pauta.

Foi o que também ocorreu com outro projeto apresentado na quarta-feira (15) por mais um citado nas delações da Odebrecht, o senador e líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR). Ele apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para que os presidentes da Câmara e do Senado só possam ser processados, quando estiveram ocupando esses cargos, por supostos crimes cometidos durante a gestão. Na prática, Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira não poderiam virar réus na Lava Jato.

STF e Ministério da Justiça são “territórios” estratégicos na “guerra da Lava Jato”

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Marcelo Camargo/Agência Brasil

A “batalha da Lava Jato” também ocorre em dois territórios estratégicos para o futuro da operação: o STF e o Ministério da Justiça. Indicado pelo presidente Michel Temer para a vaga de Teori Zavascki no Supremo, Alexandre de Moraes (foto) defendeu publicamente a operação em diversas ocasiões como ministro da Justiça. Mas ele tem perfil oposto ao de Teori num ponto que agrada a classe política envolvida nas investigações: é aberto ao diálogo.

Parte dos investigados vê em Moraes a possibilidade de ter um interlocutor no STF – o que não ocorria com o “fechado” Teori, que era relator da Lava Jato na Corte. Ainda mais porque Moraes, se tiver a indicação confirmada pelo Senado, será o revisor desses processos no Supremo. Moraes é ministro licenciado da Justiça e era filiado até recentemente ao PSDB, partido com vários figurões citados nas investigações da Lava Jato.

A chefia da PF

A cadeira do Ministério da Justiça, por sua vez, é outra peça importante no tabuleiro da Lava Jato. O ministro é o chefe da Polícia Federal (PF).

O nome que era mais cotado para assumir a pasta em substituição a Moraes tinha um perfil técnico, mas que iria garantir um bom relacionamento com o Supremo: o ex-ministro do STF Carlos Velloso. Mas ele recusou o convite de Temer na sexta-feira (17).

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Temer ignora opinião pública e protege ministros enrolados

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Marcos Corrêa/PR

Entre a opinião pública e seus ministros, o presidente Michel Temer(foto) optou por atender a seus aliados. Temer – um dos políticos citados nas delações da Odebrecht que já se tornaram públicas – se antecipou à divulgação do restante dos depoimentos e procurou preservar seu governo, embora tenha dito exatamente que não vai blindar ninguém. O presidente disse na segunda-feira (13) que não vai afastar ministros que tenham sido citados em delações da Lava Jato.

O presidente afirmou que só irá afastar temporariamente ministros que forem denunciados ao Supremo Tribunal Federal (STF). E que só vai demiti-los se a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) for acatada e eles viraram réus. Ou seja, integrantes da Esplanada que aparecerem nas delações, ao menos num primeiro momento, continuam no governo.

Mudança de discurso

É uma mudança e tanto em relação ao que o próprio Temer havia defendido em junho – pouco após a demissão de três ministros que haviam sido citados na delação de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Numa reunião com o primeiro escalão, o presidente pediu que ministros que fossem citados nas investigações pedissem demissão.

Se o pedido de Temer tivesse sido acatado, a Esplanada teria hoje cinco nomes diferentes. Já apareceram na Lava Jato os seguintes ministros: Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), José Serra (Relações Exteriores) e Leonardo Picciani (Esporte). E a expectativa é de que as delações da Odebrecht engrossem a lista.

Preservação do governo

Na prática, Temer vai preservar seu governo até o fim do mandato, apesar de enfrentar o inevitável desgaste no momento da revelação das delações. Isso porque, a PGR tem demorado em média 615 dias para denunciar ao STF um investigado da Lava Jato – e a gestão Temer termina pouco depois disso a partir de agora.

Ao não afastá-los imediatamente, o Planalto também preserva a base do Congresso – pois os ministros são indicados pelos partidos aliados.

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PF manda recado: não vai aceitar novo diretor que a desagrade

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Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

A reorganização de forças políticas contrárias à Lava Jato provocou a reação contrária do outro lado da trincheira. Na segunda-feira (13), a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) entregou ao presidente Michel Temer um pedido para que o atual diretor-geral da Polícia Federal (PF), Leandro Daiello, seja substituído e o sucessor seja entre três nomes indicados pela própria entidade.

A ADFP argumenta que manutenção de Daiello representa um risco para a continuidade da Lava Jato, pois a atual gestão estaria retirando o suporte que dava às investigações. Um dia depois, porém, os delegados da Lava Jato Igor Romário de Paula e Maurício Moscardi defenderam a continuidade de Daiello e negaram o esvaziamento da operação. Na quinta-feira (16) foi a vez de a própria PF negar as acusações da associação, em nota que foi subscrita, dentre outros, pelo superintendente da Polícia Federal no Paraná, Rosalvo Ferreira Franco.

Apesar das divergências internas na PF, o movimento dos delegados deixou claras duas posições dentro da instituição: os policiais federais não vão aceitar passivamente uma possível troca de comando que os desagradem – o que pode ocorrer com a posse do novo ministro da Justiça.

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