Com medidas extemporâneas e pronunciamentos impróprios, Legislativo e Judiciário travaram, nas últimas semanas, uma queda de braço institucional. Na pauta do embate, a criação de novos partidos e um projeto oriundo do Legislativo que limitava a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). Oficialmente, a Presidência da República assistiu de longe à crise institucional, dando sinais públicos de que atuou como apaziguadora da polêmica. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, no entanto, o Executivo é, ao mesmo tempo, responsável e beneficiado pela disputa.
"O Palácio do Planalto finge que lavou as mãos, mas usa uma maioria subserviente no Congresso para tentar enquadrar o Judiciário", diz o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, há interesses do governo federal e do Partido dos Trabalhadores nas duas questões. "As alas mais radicais do PT não toleraram as decisões do Supremo sobre o mensalão. Por outro lado, o Planalto vê esse partido da Marina [Rede Sustentabilidade] como uma ameaça e o Congresso age para dificultar sua criação. Quando foi o criado o PSD, por exemplo, não houve dificuldade nenhuma."
Incontestável durante o regime militar, o Executivo viu uma ascensão do Poder Legislativo com a redemocratização. O ápice desse período ocorreu entre a promulgação da Constituição e o impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992.
A partir dali, o Palácio do Planalto voltou a ditar as regras da vida pública brasileira. A proliferação das medidas provisórias revelou-se um obstáculo para a autonomia legislativa, deixando o Congresso subordinado à pauta do dia do Executivo, em detrimento da discussão das grandes reformas estruturais do país.
Tal cenário marcou a entrada do Judiciário em cena. Atuando para definir omissões do Legislativo, o Supremo engatou uma série de votações fundamentais, tornando seus ministros, até então conhecidos apenas no meio da elite da burocracia de Brasília, personagens do cotidiano dos brasileiros. Foi assim com o julgamento do uso de células embrionárias, aborto de fetos sem cérebro, autonomia do CNJ e Ficha Limpa. Com o julgamento do mensalão, a importância institucional do Judiciário atingiu patamar nunca visto. Na prática, os ministros foram catapultados à condição de estrelas da vida institucional brasileira.
O fim do julgamento, com a condenação de pesos pesados da política, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, parece ter aberto uma rusga permanente entre Legislativo e Judiciário. Uma das primeiras fricções ocorreu com a posse do ex-presidente do PT, José Genoíno, na Câmara dos Deputados. Condenado no mensalão, o petista não poderia assumir o cargo na visão do Supremo. Genoíno não só assumiu como ganhou vaga na Comissão de Constituição e Justiça.
Agora, o parecer favorável à PEC 33 e a discussão sobre os limites para a criação de novos partidos, questionada por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, reacenderam a cizânia. Para o advogado constitucionalista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Clèmerson Merlin Clève, a Constituição não deixa dúvidas sobre os impasses. "A Constituição de 1988 criou uma arquitetura clara que define o Supremo como aquele que dá a última palavra para definir a constitucionalidade das matérias", diz, defendendo a importância do Legislativo. "Essa briga com o Judiciário é uma cortina de fumaça. O Congresso precisa recuperar seu protagonismo. Hoje, 80% da produção legislativa vem ou atende o interesse do Executivo."
Análise
Para especialista,liminar do STF foi precipitada
O advogado constitucionalista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Clèmerson Merlin Clève, avalia que a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, que suspendeu a tramitação do projeto que prejudicava os novos partidos, foi precipitada.
Segundo ele, o papel do Supremo é promover o controle da constitucionalidade de maneira repressiva. Nesse sentido, um projeto ainda em trâmite na CCJ não deveria ser alvo do STF. "Foi quebrada a possibilidade de debate no Parlamento. Na decisão do ministro, não há nada que siga a jurisprudência estabelecida no Supremo Tribunal Federal", diz Clève, que, no mérito, afirma ser contrário ao projeto de lei.
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