Casos
Veja alguns casos em que foram divulgadas informações de investigações ainda em curso e a repercussão de cada uma delas:
Janeiro de 1999 A revista Veja publica detalhes de uma investigação da Polícia Federal contra o coronel da PM do Acre Hildebrando Pascoal Nogueira Neto. Na época, ele estava prestes a tomar posse como deputado federal pelo PFL. A reportagem mostrou que Hildebrando era acusado de comandar um grupo de extermínio responsável pela morte de pelo menos 30 pessoas. Por causa da reportagem, a Câmara acabou cassando o mandato dele em 1999. O ex-deputado foi condenado judicialmente por tráfico de drogas, formação de quadrilha e crime eleitoral.
Julho 2008 A Polícia Federal deflagrou a Operação Satiagraha, que investigava corrupção de agentes públicos e lavagem de dinheiro. Na época, Daniel Dantas, dono do banco Oportunitty, foi preso e a divulgação de dados sigilosos indicavam a possibilidade de pagamento de propina para políticos e membros do Judiciário. A exposição do banqueiro foi considerada "espetaculosa". O Ministério da Justiça determinou, em seguida, novas normas de condutas em operação para preservar a imagens de pessoas presas. A investigação foi contestada de diversas formas ao longo dos anos. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegais as investigações e a ação penal contra Dantas foi anulada porque houve participação irregular de funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no caso.
Julho de 2008 A Gazeta do Povo revelou a investigação do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) do esquema gafanhoto, em que deputados e funcionários da Assembleia Legislativa do Paraná são suspeitos de desviar dinheiro público por meio de funcionários fantasmas entre 2001 e 2004. Na época, 73 inquéritos estavam abertos para tentar comprovar a suspeita de vários servidores da Casa recebiam o salário em uma mesma conta bancária. Com isso, os eleitores foram às urnas naquele mesmo ano com mais informações sobre os parlamentares envolvidos no caso. Depois de dois anos parada na Justiça, a investigação foi retomada neste ano.
Junho de 2009 O jornal O Estado de S. Paulo foi proibido pela Justiça de divulgar informações sobre o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A decisão foi do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Os repórteres tiveram acesso ao inquérito criminal da Operação Faktor (ex-Operação Boi Barrica), que investiga a família Sarney. O filho do presidente do Senado é suspeito e lavar cerca de US$ 1 milhão enviado ilegalmente para fora do país. A censura judicial ao jornal levantou debate sobre o conflito entre a liberdade de imprensa e o direito à privacidade.
Março 2010 A Gazeta do Povo e a RPC TV apresentaram uma série de reportagens com base na construção de um banco de dados próprio em que foi mostrado um esquema de desvio de cerca de R$ 100 milhões por meio de funcionários fantasmas e a manipulação dos Diários Legislativos. O material jornalístico agregou novas informações a investigação já existente do Ministério Público sobre o caso, que também foi divulgada pela imprensa. A revelação do caso culminou no movimento popular O Paraná que Queremos e na aprovação de leis para aumentar a transparência da administração do Legislativo.
Fonte: Redação
O mundo político passou o último mês discutindo o projeto da Lei de Acesso à Informação: documentos ultrassecretos dos órgãos governamentais devem ou não ter sigilo eterno? Mas outra proposta em tramitação no Congresso Nacional que trata de um tema correlato a divulgação de informações relativas a investigações também tem enorme potencial para afetar o rumo da transparência no Brasil.
Proposto pelo deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), o projeto de lei que tipifica o crime de violação e vazamento de informações sob sigilo de Justiça reacendeu o debate sobre o acompanhamento e divulgação pela imprensa de investigações em andamento ou de dados de autoridades.
Pela medida, batizada de Lei da Mordaça, aprovada no fim do mês passado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, o servidor público que "vazar" dados sigilosos pode ser condenado a uma pena de dois a quatro anos de prisão, além de multa. Para especialistas, a aprovação do projeto seria um retrocesso. Para eles, quando existe interesse da sociedade no caso, a divulgação da investigação auxilia a fiscalização da administração e dos servidores públicos.
A divulgação de informações de investigações não raras vezes põe em conflito dois preceitos básicos da Constituição brasileira de 1988: de um lado, a liberdade de imprensa, quando utilizada em defesa do interesse público; do outro, a preservação da intimidade individual.
O caso mais recente foi o do ex-ministro da Casa Civil Antônio Palocci (PT), que saiu do cargo após o constrangimento causado pela divulgação pela imprensa de que seu patrimônio aumentou 20 vezes entre 2006 e 2010. Apesar de não existir nem investigação no caso, somente a suspeita de que ele tenha usado sua empresa de consultoria para receber dinheiro de interessados em negócios com o governo federal derrubou a credibilidade de Palocci para continuar a exercer a função.
Para o professor de Jornalismo Toni André Scharlau Vieira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é importante que a imprensa divulgue investigações, mesmo quando existe segredo de Justiça. Para ele, isso deve ser feito, porém, nos casos em que existe interesse da sociedade, como denúncias envolvendo políticos e servidores ou o mau uso de dinheiro público. "Quanto maior visibilidade tem um caso, maiores as chances da investigação transcorrer dentro da legalidade e o julgamento ser mais justo", diz Vieira.
Ele lembra um caso do período ditatorial, que ilustraria a importância da fiscalização da sociedade por meio da exposição de investigações sigilosas: a divulgação, em 1978, do sequestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Díaz. Eles foram presos clandestinamente pela polícia em Porto Alegre e entregues as autoridades uruguaias. A divulgação do fato impediu que o casal fosse morto.
Responsabilidade
O procurador da República em Santa Catarina e presidente da Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf), Rogério Filomeno Machado, lembra que a Constituição assegura o sigilo da fonte aos jornalistas e cabe aos repórteres e aos veículos de comunicação julgar se devem ou não divulgar uma informação sigilosa, cientes da possibilidade de serem responsabilizados cível ou criminalmente por possível calúnia contra alguém. "A imprensa tem que avaliar se vale a pena correr o risco ou não."
Bom senso
Para o presidente da Associação Brasileira Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, a responsabilidade de manter segredo em investigações é dos servidores públicos, não de jornalistas. "A Constituição assegura o acesso às informações, sejam sigilosas ou não. O dever de proteger esse sigilo é de quem tenha vinculação com os fatos que ensejaram a adoção do sigilo."
Porém, para o diretor da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Wilson José Witzel, a imprensa deveria respeitar o segredo de Justiça e evitar divulgar informações resguardadas pelos juízes para não prejudicar a própria investigação e os envolvidos. "O que se espera da imprensa é que ela tenha bom senso para divulgar informações."
Proposta pode atingir tanto os servidores como os jornalistas
A proposta de lei para tipificar o crime de violação e vazamento de sigilo de investigação, caso seja aprovada, poderia vir a ser aplicada para jornalistas que noticiem casos em segredo de Justiça, na opinião de alguns juristas. Porém, o autor do projeto, o deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), e o relator do projeto na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara Federal, deputado federal Maurício Quintella Lessa (PR-AL), negam que esse seja o objetivo. Eles dizem que a lei, se aprovada, não terá essa aplicação.
O texto do projeto de lei diz que constitui crime "revelar ou divulgar fatos ou dados que estejam sendo objeto de investigação criminal sob sigilo". O professor de Processo Penal Adriano Bretas, da Pontíficia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), lembra que já existe uma lei para punir a divulgação de dados sigilosos. Ele afirma que essa lei já poderia ser estendida a jornalistas, que poderiam ser enquadrados como coautores do crime de publicar os dados.
Raciocínio
Para ele, o raciocínio é o mesmo para o projeto de lei. Bretas acredita que a proposta também poderia ser estendida aos repórteres. "Em tese, o jornalista poderia se sujeitar à lei", diz ele.
Porém, Mabel rebate a interpretação. Segundo ele, o projeto tipifica o crime na seção de delitos práticos "por funcionário público contra a administração em geral" e não atingiria o trabalho da imprensa. "O Direito Penal é específico. Se o artigo está inserido nos atos de servidores públicos, ele trata somente de servidores", afirma o deputado.
Mabel justifica ainda que apresentou o projeto para evitar que funcionários públicos vazem informações de investigações em curso e atrapalhem o combate a quadrilhas de tráfico de drogas, por exemplo.
Interatividade
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