Ação estratégica pode ser antidemocrática
A falta de democracia dos partidos é justificada como uma forma de unificar a estratégia nacional da legenda, que não pode servir somente a interesses locais. "Os partidos têm a questão democrática como o primeiro, ou um dos principais pontos dos seus programa. Mas na hora de aplicá-la internamente, aí a democracia serve apenas para os outros, para o povo", comenta o cientista político Antônio Carlos Peixoto, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Ele diz que as organizações partidárias locais não gozam de muita autonomia porque a orientação das instâncias superiores se impõe.
No caso de partidos que possuem lideranças fortes, como Lula no PT nacional, ou Roberto Requião no PMDB paranaense, decisões contrárias enfrentam ainda maior resistência. "Sempre haverá alguém dizendo que o diretório local é míope, que não enxerga longe", diz Peixoto. Decisões mais localizadas ocorrem, geralmente, em legendas comandadas por nomes fortes localmente, em partidos mais fragmentados nacionalmente e comandados por "caciques" regionais.
Quanto mais organizados, institucionalizados, geralmente os partidos tomam decisões mais verticalizadas. Ou seja, prevalecem as instâncias superiores diante das inferiores. "Não dá para generalizar e dizer que os partidos tomam decisões autoritárias. Alguns são mais centralizados do que outros e isso também depende da história e da origem do partidos", diz Luiz Domingos Costa, professor de Ciência Política do Centro Universitário Uninter.
Essa postura pode ser observada no PT e o PSDB, os quais geralmente escolhem seus candidatos a partir de estratégias nacionais. "Ao fazer a intervenção nacional, o partido expõe a vontade do diretório nacional. Pode ser um paradoxo ao ideal democrático, mas por outro lado é uma forma de se manter estruturado nacionalmente, pensando no médio e longo prazos", diz Costa. Em 2006, o PT nacional abriu mão de candidaturas ao Senado em nome de alianças locais. Como os senadores apoiados por ele não foram tão fiéis, em 2010 o partido optou por candidaturas próprias de senadores em todo o Brasil, aumentando sua bancada.
No último fim de semana, o prefeito de Recife, João da Costa (PT), foi recebido no aeroporto da cidade por militantes, que gritavam: "Ô Lula, decepção; em Recife você não manda não". A manifestação era contra a decisão do diretório nacional, apoiada pelo presidente de honra do partido, de não deixar o atual prefeito se candidatar à reeleição. O diretório nacional do PT decidiu intervir na decisão local, depois de um racha interno na legenda em Pernambuco, e homologou a candidatura do senador Humberto Campos (PT-PE) como pré-candidato único à prefeitura de Recife.
Intervenções como esta, de diretórios nacionais ou de "caciques" dos partidos no momento final da decisão de candidaturas, lembram a prática do Partido Revolucionário Institucional do México, o PRI, conhecida como "dedaço". O PRI governou o México por 70 anos, até 2000, e o "dedaço" era o costume de o presidente anunciar que candidato o partido teria.
Em Pernambuco, a indicação do senador faz parte da estratégia do PT para atrair o apoio do PSB à candidatura do ex-ministro Fernando Haddad, em São Paulo, que inclusive indicou Luiza Erundina para compor a chapa paulistana como candidata a vice. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que também é presidente do PSB, é contra a reeleição do prefeito João da Costa. A própria candidatura de Haddad também contou com a pressão de Lula, escanteando as intenções da ex-prefeita Marta Suplicy.
Mas as situações de Recife e São Paulo não são isoladas. Na última quinta-feira, o senador Roberto Requião acompanhou Rafael Greca, seu pré-candidato a prefeito de Curitiba, em uma audiência com o vice-presidente da República, Michel Temer (presidente nacional licenciado do PMDB), para pedir que o diretório nacional faça intervenção no diretório de Curitiba, caso a convenção local, marcada para o dia 23, decida pelo apoio do partido ao prefeito Luciano Ducci (PSB).
Requião defende o nome de Greca, mas vem sofrendo oposição de seguidores fiéis, como Doático Santos, hoje secretário do PMDB de Curitiba, e Luiz Claudio Romanelli, integrante do governo Beto Richa, como secretário do Trabalho. "Um núcleo de pessoas leais ao Requião tem se declarado contra a candidatura de Greca e com isso essa convenção pode ter um equilíbrio de votos", diz Romanelli. Ele sabe que não é fácil tentar uma candidatura alternativa à apoiada pelo senador peemedebista. "Requião foi prefeito de Curitiba, três vezes governador do Paraná, duas vezes senador; é natural que ele tenha uma influência política forte na cidade dele", diz Romanelli.
Apoios
Lideranças nacionais do PT tiveram forte peso na decisão de não lançar candidatura própria em Curitiba, apoiando Gustavo Fruet (PDT). A decisão foi tomada por votação, mas contou com forte influência da estratégia nacional do PT de apoiar candidatos de outros partidos que sejam competitivos. "O PT é o partido mais democrático nas suas decisões. O que me preocupa é quando a intervenção do PT nacional chega atrasada, quando deixa a competição chegar a um limite, e sem tomar uma atitude preventiva, precisa intervir depois que a situação está criada", diz o deputado federal Dr. Rosinha (PT), que defendia candidatura própria em Curitiba. Ele afirma que no caso da capital do Paraná o que houve foi um processo democrático de discussão que levou à decisão de apoiar outro candidato.
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