A Polícia Federal investiga pessoas próximas à Presidência, desvendando um grande esquema de corrupção. No Congresso, tramita um processo de impeachment, combatido com discursos de que há uma tentativa de golpe. O rito de impeachment é discutido com intensidade, enquanto o vice-presidente coloca em pauta a necessidade de um ajuste fiscal.
A descrição acima pode se aplicar perfeitamente a pelo menos dois períodos da história: 2016 ou 1992 – ano do impeachment de Fernando Collor de Mello.
Momentos políticos são diferentes, diz historiador
O ex-presidente Collor foi afastado da presidência assim que a Câmara aprovou o impeachment, em outubro de 1992. Antes de deixar o governo, o ex-presidente renovou a toque de caixa a concessão da Record por 15 anos, além de liberar Cr$ 8,2 bilhões para sua cidade natal – Maceió – através do Ministério da Ação Social.
O período em que o vice-presidente Itamar Franco assumiu o governo interinamente foi marcado pela paralisia nas decisões importantes para o país. O vice teve uma posse discreta, em seu gabinete, no início de outubro, e enfrentou críticas durante toda a sua gestão como presidente interino por causa da estagnação do governo.
“É um período de suspensão da ordem constitucional. A diferença hoje é que esse período de suspensão na prática já está posto porque o Congresso anda barrando e fechando tudo desde o começo do ano. Não se define nada, nada vai para frente”, diz o professor de história do direito Luís Fernando Lopes Pereira, que lembra que nenhum assunto importante foi aprovado pelo Congresso no período entre outubro e dezembro.
A Câmara começava a discutir, por exemplo, a possibilidade de implantação do parlamentarismo no Brasil, além de uma reforma partidária e eleitoral e o reajuste fiscal. Nada avançou durante o afastamento de Collor, como lembra o professor de história do direito. “São pautas muito profundas que intervêm de forma muito decisiva no futuro do país e que não pode se fazer sem ter clareza de qual vai ser o próximo governo”, diz Pinheiro. “Fora essas questões emergenciais que tinham que ser encerradas, as outras questões que diziam respeito mais fundamentalmente a jogos políticos ficaram todas em suspenso”, lembra. A votação do orçamento de 1993 também não foi votada em 1992 pelo Congresso - ficou para o ano seguinte.
No Congresso, estavam em andamento ainda a CPI da Vasp, que investigava os bastidores e o jogo político que deu suporte para a compra da empresa. Também estava em andamento uma CPI para investigar PC Farias.
Vice discreto
Durante o afastamento de Collor, Itamar Franco assumiu interinamente o comando do país. Ao contrário de Michel Temer, Itamar foi mais discreto durante o período de afastamento do presidente. “Ele era um vice mesmo. Ele tomou todos os cuidados que um vice tomaria, ele foi realmente muito cauteloso no comando do país nesse breve período em que ele assumiu interinamente de outubro a dezembro”, lembra Pinheiro. “Apesar da prática ser um pouco diversa e a imagem ser realmente diferente, com certeza ele politicamente já fazia o que o Michel Temer faz hoje”, ressalta o historiador. O vice precisou lidar, ainda, com a perda da mãe no período em que Collor estava afastado do governo. A mãe de Itamar, Itália Franco, faleceu no dia 9 de novembro.
Denúncias
Ao mesmo tempo em que realizava diversas manobras para atrasar o julgamento do impeachment, o ex-presidente Collor assistia a denúncias diárias na mídia sobre pessoas próximas, como sua esposa Rosane Collor, sua ex-ministra da Economia Zelia Cardoso de Mello e seu ex-tesoureiro de campanha Paulo Cesar Farias. Collor também precisava lidar com as denúncias de seu irmão, Pedro Collor, e o grave estado de saúde da mãe, Leda Collor.
Mesmo assim, Collor garantiu diversas vezes que não renunciaria ao cargo de presidente da República, o que acabou acontecendo no dia 29 de dezembro de 1992.
Há diferenças entre os momentos políticos, diz historiador
- Kelli Kadanus
Os dois períodos carregam muitas semelhanças entre si, mas também muitas diferenças. “Esteticamente há algumas similaridades, mas ao mesmo tempo muito distantes”, explica o professor de história do direito da UFPR Luís Fernando Lopes Pereira. “Uma diferença fundamental é que o Collor não teve defesa de praticamente ninguém”, lembra o professor. “O governo Dilma tem uma defesa um pouco maior, um pouco mais significativa do que ele. Não que isso no jogo político faça diferença, mas ela tem um certo respaldo”, diz.
“O próprio Ibsen Pinheiro, que era presidente da Câmara na época do Collor disse recentemente fazendo uma comparação entre os dois momentos, que isso se deve também ao fato de que havia maior clareza na culpa e responsabilidade do Collor em relação a crimes”, lembra o professor da UFPR.
No caso de Collor, havia prova material de que ele teria participado do esquema criminoso comandado por PC Farias - um Fiat Elba. “A Dilma não está ligada objetivamente a uma falcatrua da Lava Jato ou a esquemas de corrupção em que pessoas próximas estão. Ela, pessoalmente pelo menos, não foi ainda envolvida. Isso dá ainda um certo respaldo de gente ainda conseguir defender a presidente”, diz Pereira.
Outra diferença, segundo o professor, é ideológica. “Ideologicamente não havia clareza de quem estava de um lado ou do outro. Estavam todos misturados a favor do impeachment”, lembra Pereira. “Hoje, infelizmente, houve uma polarização, que retomou, aliás, esse debate que estava muito arrefecido aqui no Brasil”, diz.
A diferença mais negativa, porém, é o sentimento do brasileiro em relação ao momento político, diz o professor. “Aquela época era uma época de um sonho utópico muito grande. A utopia era uma moeda muito corrente. A gente sonhava com um Brasil diferente, com um mundo diferente, eram os ventos da democracia que estavam soprando ali”, lembra Pinheiro. “Era muito otimismo, muita fé no futuro. Hoje, infelizmente, acho que nenhum dos lados vê com muita esperança o futuro. Isso é um diferencial negativo muito forte”, completa.
Impeachment também no Paraná
- Kelli Kadanus
Ao mesmo tempo em que o processo de impeachment do ex-presidente Collor tramitava no Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa do Paraná recebia um pedido de impeachment do então governador Roberto Requião. Foi o primeiro pedido de impedimento de um governador recebido pela Assembleia no Paraná.
O pedido foi protocolado pela Associação dos Magistrados do Paraná no dia 26 de novembro de 1992. A magistratura alegava que o então governador teria atentado contra o livre exercício do Poder Judiciário, contra os direitos individuais, contra a probidade pública, contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais. O pedido de impeachment de Requião foi assinado por 16 juízes do estado. Entre as reclamações, estava o uso de recursos públicos para a publicação de notas oficiais expondo o Judiciário.
Reportagem da Gazeta do Povo de 27 de novembro de 1992 detalhava o pedido de impeachment de Requião. A AMP destacava a atitude de Requião em desrespeitar decisões judiciais. “Recentemente, um réu que estava sendo interrogado na 2ª Vara Criminal de Maringá disse ao juiz que tinha dúvidas se prestaria ou não depoimento, pois o governador já afirmou que o juiz não tem autoridade”, diz um trecho da reportagem.
Ao sair do Planalto, churrasco
- Kelli Kadanus
Assim que foi afastado da Presidência da República, o ex-presidente Collor organizou um churrasco na Casa da Dinda, onde mora até os dias atuais. Segundo reportagem do Jornal Folha de S. Paulo do dia 3 de outubro, participaram do churrasco amigos e assessores de Collor.
Marcaram presença no evento o ex-ministro Ricardo Fiuza, o ex-presidente do Banco do Brasil Lafaiete Coutinho, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Álvaro Mendonça, o senador Odacir Soares, os advogados Gilmar Mendes, José Guilherme Villela e Arthur Castilho, o deputado Paulo Octavio, o empresário Luiz Estevão e o embaixador Marcos Coimbra. O presidente afirmou deixar o governo “com a consciência limpa”.
A rotina mudou na Casa da Dinda desde que Collor que foi afastado da presidência. O número de seguranças no período foi reduzido pela metade, de 8 para 4 soldados do Exército. Ao assumir a presidência, Itamar Franco cortou o helicóptero, carros e empregados que eram pagos pelo governo.
Na prática, o que acontece com Dilma?
- Kelli Kadanus
Diferente do que ocorreu no caso de Collor, a presidente Dilma Rousseff (PT) só será afastada da Presidência da República se o Senado aceitar a continuidade do processo de impeachment. Para isso, são necessários metade dos votos mais um em primeira votação no plenário. Collor foi afastado a partir da decisão da Câmara dos Deputados. Outra diferença de procedimento nos dois casos é a ordem de votação. Enquanto no caso de Collor a votação na Câmara foi realizada em ordem alfabética, na votação do último domingo (17), o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB) realizou a votação por estado, começando pelo Sul do Brasil e intercalando com estados do Norte. A ordem alfabética foi usada apenas dentro de cada um dos estados.
Caso o Senado aprove a continuidade do processo, Dilma pode ser afastada por até 180 dias. Nesse período, continua morando no Palácio Alvorada - residência oficial da Presidência - e recebe metade do salário, o que corresponde a R$ 15,4 mil. Se Dilma for absolvida em decisão final no Senado, ela volta a receber os vencimentos normais, além de receber o valor retroativo que deixou de ganhar no período em que esteve afastada.
A constituição prevê que no período de afastamento a presidente não estará sujeita a prisão, mas a legislação não expõe os demais benefícios a que ela terá direito caso seja afastada.
No período, os cargos administrativos e do gabinete presidencial passam a ficar à disposição do vice-presidente Michel Temer (PMDB). A petista, no entanto, pode continuar com assessores e seguranças pessoais, com motorista e veículo do governo e com o auxílio de funcionários que atuam nas residências funcionais.
A utilização de avião da Força Aérea Brasileira para deslocamentos não é consenso, uma vez que ela estaria suspensa de suas funções como presidente e, portanto, não faria viagens oficiais.