Símbolos são fundamentais no mundo da política formal. Mitos e símbolos são utilizados pelas elites políticas como instrumentos para estabelecer um vínculo com a população e manter o seu apoio. Em “The Political Uses of Symbols”, Charles Elder e Roger Cobb explicam que os mitos são criados a partir de narrativas que “realçam e dramatizam premissas e conclusões culturais básicas” e que “oferecem descrições socialmente construídas de comportamentos exemplares e eventos significativos na vida da comunidade política”.
As razões que motivaram as diligências da Polícia Federal na 24ª fase da Lava-Jato foram a principal lesão até agora no mito (Lula) e no símbolo que ele e o PT representavam. Lula deixou de ser o ente político intocável para ser apontado pelo Ministério Público Federal como aquele cuja “atuação foi relevante para o sucesso da atividade criminosa” e “um dos principais beneficiários” do grande esquema de desvio de dinheiro da Petrobras.
Quando Lula foi eleito, os raros críticos que se levantavam contra o infame projeto de poder do PT esbarravam no paredão de certo consenso público em face do significado histórico de sua eleição e dos valores que ambos diziam ser portadores. Uma coisa, porém, é aquilo que alguém diz ser; outra é o que realmente é.
Diante de um ambiente político no qual seus representantes pareciam frequentadores assíduos do Código Penal, o partido se apresentava como o empreiteiro de um futuro glorioso. Muitos, então, foram seduzidos pelo mito e pelos símbolos, que pretendiam dissociar o PT de todo o resto sob a aura da pureza ética. Isto, porém, não elimina o fato maciço e imperturbável: acreditou nos petistas quem quis acreditar.
Muitos, então, foram seduzidos pelo mito e pelos símbolos, que pretendiam dissociar o PT de todo o resto sob a aura da pureza ética. Isto, porém, não elimina o fato maciço e imperturbável: acreditou nos petistas quem quis acreditar
Se o alto grau de desconfiança dos brasileiros em relação aos políticos e aos partidos só aprofunda a contradição dessa fé depositada no PT, uma das possíveis explicações para tal escolha é a conjugação de nossa mentalidade estatista com a desordem interna que não raramente se converte naquela doença do espírito denunciada por Eric Voegelin. Quanto mais grave a doença mais vulnerável estará uma comunidade política em face de mitos e símbolos que dizem ser o que não são.
O escritor Robert Musil, autor do notável “Um Homem sem Qualidades”, nos ajuda a compreender o problema dos petistas e simpatizantes do partido sob um ângulo complementar. No ensaio “On Stupidity”, Musil divide a estupidez em dois tipos básicos. A estupidez honrada ou honesta é a falta de entendimento, a lerdeza na compreensão, que não inviabiliza outras qualidades pessoais, como a própria honestidade que qualifica o tipo de estupidez.
O tipo mais perigoso, porém, é a estupidez elevada ou pretensiosa. Segundo o escritor, esta é a verdadeira doença da cultura que se infiltra nas mais altas esferas intelectuais e exerce profunda influência na sociedade.
A estupidez elevada não produz qualquer ideia significativa nem tem conhecimento para aplicá-la. E ainda tem a capacidade de ludibriar as pessoas ao assumir espertamente a aparência da verdade. Por isso, tem vantagem em relação à verdade real, que se apresentava sempre da mesma forma e em uma direção. Todo petista, portanto, é de alguma forma estúpido.
Mas eu falava do mito e dos símbolos que Lula e o PT pretendiam representar. Aprofundada pelas descobertas da Operação Lava-Jato, a degradação de ambos parece desempenhar uma dupla função complementar: permitir que o brasileiro estabeleça ou restabeleça a sua ordem interior e supere ambos os tipos de estupidez. A partir daí será possível empreender um misto de restauração e de reforma. Porque mudança política sem uma mudança mental e cultural prévia só serve para beneficiar circunstancialmente os agentes políticos dessa mudança.
As revelações sobre Lula são, nesse sentido, politicamente simbólicas: a grande utopia do PT era, afinal, uma estúpida distopia.
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