Na primeira entrevista coletiva de seu segundo mandato, nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que é contra um terceiro mandato presidencial, garantiu que não será candidato em 2010 mas afirmou que quer fazer seu sucessor. Durante uma hora e 40 minutos, o presidente esbanjou desenvoltura e se mostrou bem humorado.
Lula frisou que seu candidato, em 2010, não será necessariamente do PT, acrescentando que quer ser um bom catalisador de votos na eleição e espera ser chamado para os palanques. Sem citar nomes, mas provavelmente numa referência velada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Lula disse que é duro terminar um mandato e ser ignorado pelos aliados.
- O candidato que sairá da base será discutido entre todos os partidos. Vai ser um candidato da base, não necessariamente do PT. É duro você não ser chamado por nenhum candidato. Eu, ao contrário, quero terminar meu mandato sendo chamado para ir para os palanques. Eu quero terminar meu mandato em 2010 e as pessoas me chamarem para o palanque porque é duro você terminar um mandato e ninguém te chamar e esconder que você é do partido. - disse.
Lula disse que vai terminar o segundo mandato numa situação mais favorável do que terminou em 2006, mas afirmou que estará preparado para as investidas dos adversários.
- Sempre haverá alguém que jogará cascas de banana. Vou usar um sapato com umas travinhas, para não cair em todas - brincou.
Diante da insistência sobre a possibilidade de fazer seu sucessor, Lula respondeu:
- Oh, meu Deus do que céu, só perguntando para o Papa, mas eu quero fazer e vou trabalhar pra isso - afirmou.
Lula disse ainda que nos dois mandatos aprendeu a conhecer os políticos brasileiros.
- Eu aprendi a saber quem é quem na política brasileira.
O presidente afirmou ainda que está mais leve por não ter mais que pensar em nova eleição e ressaltou que acharia imprudente se algum parlamentar propusesse mudanças na lei que permitissem múltiplas reeleições.
- Eu não brinco com democracia. Sou contra e não serei candidato em 2010. Não é por nada, mas porque a lei não permite - disse Lula.
O presidente defendeu também o fim da reeleição e a criação do mandato único de cinco anos:
- Se a pessoa fez um bom mandato, ela volta cinco anos depois e se candidata.
Na primeira pergunta da entrevista, o presidente respondeu sobre a proposta do governo para regulamentar a lei de greve do servidor público. Afirmou que a proposta ainda não está fechada e que pretende discutir com os servidores, mas avisou que paralisar um serviço por 90 dias não é greve, mas férias:
- O que não é possível é fazer 90 dias de greve e receber os dias parados. Quando eu determinava uma greve (em fábricas) era uma disputa em que eu podia ganhar e podia perder. Mas parar 30 dias, 60, 90 e receber os dias parados e receber, não é greve, é férias e isso não é possível. Todos nós temos direitos de fazer greve, mas todos sabemos que podemos ganhar ou perder.
Disse que a greve no setor público não pode ser feita como é feita numa fábrica, e ressaltou que sempre defendeu isso:
- O serviço público não tem patrão e quando pára o serviço público quem sofre é o pobre. Na fábrica, fazíamos greve para o patrão ceder numa negociação. Mas quando se faz uma greve no metrô é o pobre que sofre.
Ao fazer uma apresentação de seu governo antes de começar a responder às perguntas dos jornalistas, o presidente disse que o país conseguiu combinar fatores como o crescimento do mercado interno e externo, com inflação sob controle. De acordo com Lula, agora o governo poderá fazer uma política social "sem milagres".
- Vivemos o melhor momento da História da República - disse o presidente, afirmando que muitos ainda teimam em não reconhecer que o Brasil "nunca teve uma relação internacional tão privilegiada como tem hoje".
Lula disse ainda que a oposição às vezes não reconhece o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo governo. O presidente disse que falou recentemente com um líder adversário que a oposição vem fazendo "exatamente o que o PT fazia no passado". Segundo ele, as forças políticas do país devem entender que não colaboram com o país quando repetem erros que os outros tenham porventura cometido.
Lula disse que quando negociou a coalizão de governo para o segundo mandato teve como objetivo "pensar no país com mais carinho para fazer as coisas acontecerem". Segundo ele, o objetivo da coalizão política é fazer um governo pensando no longo prazo.
'Sou contra o aborto, mas sou favorável ao debate'
Sobre a legalização do aborto, Lula disse que, como cidadão, é contra a interrupção da gravidez, mas afirmou que, como chefe de Estado, tem que pensar no assunto como questão de saúde pública. O presidente disse que não pode ignorar que as pessoas, sobretudo adolescentes, diante de uma gravidez indesejada, acabam recorrendo ao aborto clandestino, pondo em risco suas vidas.
- Como cidadão, sou contra o aborto, mas como chefe de Estado acho que ele deve ser tratado como questão de saúde pública. Sou contra o aborto, mas sou favorável ao debate. As pessoas têm que debater o assunto. Se tivéssemos um programa de educação sexual nas escolas certamente teríamos menos abortos. Nas escolas não se ensina, nas igrejas não se ensina, então as pessoas ficam vulneráveis e engravidam sem querer - afirmou.
Indagado se era a favor de mudanças na legislação em vigor sobre aborto, Lula disse que a lei atual não trata de todos os problemas ligados ao tema.
- Eu acho que essa legislação não trata dos problemas do país. Todo cidadão - católico ou não - sabe que existe no Brasil um número grande de abortos por gravidez indesejável. Quando a pessoa se encontra nessa situação, o Estado não vai fazer nada? Eu defendo que essas pessoas tenham um tratamento adequado - afirmou.
'Não posso é deixar o governo em 2010 e o sucessor pegar um apagão'
Lula fez também uma defesa enfática dos investimentos em energia, como a hidrelétrica do Rio Madeira, e disse que seu governo fará tudo o que for preciso para que o país não corra risco de um apagão energético. Lula frisou, porém, que todas as ações do governo serão feitas dentro da lei e das instituições, respeitando o meio ambiente.
- Não teremos apagão porque faremos tudo o que for necessário nesse país dentro da ordem e das instituições que criamos. Não queremos fazer uma hidrelétrica depredando o meio ambiente - disse Lula, afirmando que o governo quer que "os peixes pratiquem a piracema".
Lula minimizou as divergências no governo, sobretudo entre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Segundo ele, não existe racha no governo, e sim, a busca das melhores formas de fazer os investimentos que o país precisa.
- As divergências acabam quando chegam na minha mesa. Podem discutir o que quiser, mas na minha mesa há decisão - disse o presidente.
Lula defendeu Marina Silva e criticou a greve no Ibama
- Por que o Ibama está em greve? Eu não sei. Depois de quatro anos, Marina decidiu dividir o Ibama. As pessoas deveriam pelo menos permitir que as mudanças fossem introduzidas antes de ver se haverá prejuízos - disse.
O presidente disse que o dólar vai continuar flutuando até se ajustar sozinhoe afirmou que é preciso ajustes tributários e que as empresas brasileiras precisam ganhar competitividade. Lula também deu sinais de que apresentará aos governadores, numa reunião que deve acontecer em junho, medidas para aumentar a capacidade de investimento e endividamento dos estados. Mas garantiu que não vai intervir no Copom para reduzir juros mais rapidamente.