Surpreso e preocupado com o tamanho da crise envolvendo as Forças Armadas, o Ministério da Defesa e a Secretaria de Direitos Humanos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixou a lei do silêncio. Em conversa com um auxiliar direto, Lula considerou grave a troca de farpas entre ministros e disse que pedirá à equipe mais cautela e menos bate-boca pela imprensa sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos, para não alimentar a polêmica.Assinado pelo presidente no dia 21 de dezembro, o decreto traz 521 diretrizes. As mais polêmicas são as que propõem a criação de uma comissão para apurar crimes cometidos por agentes do Estado durante o regime militar, a ampliação do controle sobre os meios de comunicação, a realização de audiências públicas antes de um juiz decidir sobre a reintegração de posse de uma área invadida e a oficialização da união civil entre pessoas do mesmo sexo. O presidente retorna hoje ao trabalho, após 11 dias de descanso, com a tarefa de desatar o nó da Comissão da Verdade, que prevê a investigação dos crimes de tortura durante a ditadura militar (1964-1985). Ele ficou especialmente contrariado ontem ao saber que o secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, disse ao jornal "Folha de S. Paulo" que é um "fusível removível" no governo. Mesmo em férias, Vanucchi ameaçou entregar o cargo, caso o programa de direitos humanos seja alterado para permitir a punição a militantes da esquerda.Amigo de Lula há três décadas, Vanucchi é o segundo ministro a ameaçar pedir demissão em menos de um mês. No fim do ano passado, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, também pôs o cargo à disposição. Ficou ao lado dos comandantes do Exército, general Enzo Martins Peri, e da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, que se rebelaram contra a Comissão da Verdade, considerada "revanchista", e pedem mudanças no programa de direitos humanos. Na avaliação das Forças Armadas, o plano abre brechas para a revisão da Lei de Anistia.A crise deverá ser tratada hoje na primeira reunião do ano do grupo de coordenação política do governo. Depois, Lula também quer ter conversas reservadas com Vanucchi, Jobim e com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Na semana passada, Stephanes fez coro às declarações da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária, e disse que as propostas do programa sob a batuta de Vanucchi aumentam a insegurança jurídica no campo.Para o secretário de Direitos Humanos, as declarações de Stephanes foram a gota dágua. Na sua avaliação, o plano que cria a Comissão da Verdade está sendo tratado de forma leviana, pois passou pelo crivo de todos os ministérios e de várias conferências antes de ser divulgado.
Diante do impasse, auxiliares do presidente observam que ele terá dificuldades para arbitrar o conflito. Embora digam que o momento não é de demissão, mas de "solução de problemas", argumentam que está complicado costurar o tão propalado caminho do meio. "Sou solidário a Vanucchi", afirmou Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado das famílias dos desaparecidos na guerrilha do Araguaia. "Essa celeuma é o pretexto que setores da sociedade estão usando para atacar a luta dos direitos humanos, mas, se a Comissão da Verdade tivesse sido criada há mais tempo, a questão dos desaparecidos políticos já estaria resolvida."
Mais reações
A oposição se prepara para combater o projeto no Congresso. Ontem, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), disparou contra Paulo Vanucchi. "Esse projeto é uma tentativa de cubanização do Brasil. É uma proposta de um psicopata ideológico. O próprio presidente disse que assinou sem ler", afirmou. Já o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), saiu em defesa do governo. "A oposição tem de ter mais humildade e patriotismo. O plano está em discussão e o presidente Lula ainda vai mexer em pontos polêmicos", disse. Ontem, a Ordem dos Advogados do Brasil divulgou nota se posicionando favorável ao projeto.
Além de mexer nesse vespeiro, Lula tem outro problema para administrar com os militares: a Força Aérea Brasileira (FAB) está descontente com a opção do governo pelo caça francês Rafale. A FAB preferia o avião de combate sueco Gripen no Programa FX-2, que prevê a renovação de sua frota de 36 caças, mas será obrigada a ceder à decisão política, em nome de uma parceria estratégica com a França.
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