Dallari: Lula e os senadores fazem um jogo de cena, pois o presidente precisa do Senado e os congressistas, do Planalto| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Senado

Conselho de Ética prepara pizza "nobre"

Nem bem assumiu a presidência do Conselho de Ética do Senado e o senador Paulo Duque (PMDB-RJ) já deixou claro que as investigações contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), não devem prosperar. O parlamentar adiantou que vê os atos secretos como "uma bobagem" e que não será influenciado pela opinião pública.

"A opinião pública é muito volúvel. Ela flutua e coloca até 100 mil pessoas no Maracanã para ver a Madonna e outras 50 mil para assistir o Roberto Carlos", disse Duque na última quinta-feira. "Quem faz a opinião pública são os jornais e eles estão acabando."

Além disso, o senador afirmou que não vê qualquer irregularidade nas nomeações de servidores do Senado influenciadas por Sarney – algumas delas de parentes do próprio presidente da Casa. "Ele (Sarney) prestou muitos serviços ao país. Ficarem vasculhando a vida dele porque nomeou um neto é bobagem."

Para o professor de Ética e Filosofia Política Roberto Romano, da Unicamp, a escolha de Duque é um exemplo da "alienação" vivida pelo Congresso. "Como um senador pode dizer que os atos secretos são uma bobagem? Só pode viver em outro mundo. É o fim dos tempos." (AG)

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Brasília - A declaração do presidente Lula de que os senadores são "bons pizzaiolos" ampliou o desgaste entre o Executivo e o Legislativo, mas foi bem pior para o Congresso Nacional. Segundo especialistas, o comentário do presidente acirra ainda mais a crise do Parlamento. Muito popular, Lula acabou vocalizando o pensamento das ruas sobre o Congresso – ainda que o governo federal tenha uma parcela significativa no processo de enfraquecimento do Parlamento.

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"O Legislativo passa por um processo de fragilização que dura pelo menos uma década", diz o professor de Ética e Filosofia Política Roberto Romano, da Universidade de Campinas (Unicamp). E, no cerne dessa crise, segundo ele, está o engessamento do Congresso provocado pelo Executivo.

Os problemas começaram durante a segunda metade da gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB), diz Romano. A partir de 1999, o ex-presidente multiplicou o uso das medidas provisórias (MPs), especialmente para proteger o Plano Real de turbulências externas. Historicamente, as MPs são o principal dispositivo do Executivo para controlar a agenda legislativa, pois têm validade imediata e prioridade de tramitação sobre as propostas elaboradas pelos parlamentares.

FHC editou, em média, quatro MPs por mês. A situação foi agravada durante os primeiros seis anos de governo Lula (2003-2008), quando a edição de MPs aumentou para uma média de cinco a cada 30 dias. Com isso, o Executivo passou a legislar e retirou poder do Congresso, que ficou sem papel relevante perante a opinião pública. Além disso, o Planalto controla os congressitas por meio da liberação da verba das emendas parlamentares, que bancam as obras patrocinadas por deputados e senadores em suas bases.

Outro divisor de águas foi a crise do mensalão, o suposto esquema de compra de deputados por apoio em votações de interesses do governo. "Quando se achava que a coisa iria melhorar com um governo petista, tudo foi ladeira abaixo com o mensalão", diz Romano. A partir desse escândalo, o Congresso foi perdendo cada vez mais força.

Para Romano, a submissão do Congresso ao Planalto coloca a democracia brasileira em uma situação difícil. "O Brasil tem duas pernas boas (Executivo e Judiciário) e uma apodrecida (Legislativo). Realisticamente, não podemos dizer que o Congresso que temos hoje constitui um poder."

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Teatro

Doutor em Direito de Estado e catedrático da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o jurista Dalmo Dallari afirma que o atrito entre Lula e os senadores é "teatral". "Não houve nenhuma profundidade nessa história dos pizzaiolos. O que há é um jogo de cena: Lula precisa da maioria no Senado e os senadores sempre querem um pedaço de poder em contrapartida."

A relação ficou clara no mesmo dia em que Lula chamou os senadores de "pizzaiolos". Pela manhã, em discurso durante a 12ª Marcha dos Prefeitos, revelou que a única mágoa que tinha em relação ao Congresso era a votação que extinguiu a CPMF, em 2007. "No fundo, o que Lula quis dizer que tudo é movido a acordos, que tudo se acerta no final", afirma Dallari.

Para o jurista, a oposição também tem um papel muito forte no desgaste do Congresso. Segundo ele, os parlamentares do DEM e do PSDB precisariam se esforçar para oferecer alternativas às ações do governo – e não ficarem restritos às críticas rasas. "A oposição no Senado é composta por um grupo pequeno, barulhento e espetaculoso, capaz apenas de se dedicar a intrigas."

Tanto Romano quanto Dallari preveem um futuro sombrio para o Legislativo. "Não consigo enxergar uma mudança de dentro para fora e, ao mesmo tempo, a sociedade civil organizada não está preocupada em discutir essa questão de uma maneira mais estrutural", afirma o professor da Unicamp. Para o jurista, a mudança depende da conscientização do eleitor. "O problema é que o brasileiro tem o vício de dar importância apenas para o Executivo e acaba votando sem qualquer reflexão para o Legislativo. Se isso não mudar, fica difícil."

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Lula também é responsável pelas pizzas que o Congresso Nacional produz?

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