Ficha de Lula no Dops quando foi preso em 1980 por liderar greve dos metalúrgicos| Foto: Reprodução

"Che Guevara" paranaense defende punições

O episódio mais marcante da luta contra a ditadura militar no Paraná completou 40 anos em maio. A ocupação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) por estudantes que protestavam contra a cobrança de mensalidades ecoou nacionalmente ao lado do turbilhão de protestos que varreram o mundo em 1968. O episódio foi eternizado pela foto de um jovem empunhando um estilingue contra militares a cavalo e que rendeu ao fotógrafo Edison Jansen, do jornal O Estado do Paraná, a maior premiação jornalística do país: o Prêmio Esso.

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Agora presidente, Lula não quer revirar os porões da ditadura militar
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Brasília - Vinte e oito anos após ser preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) por incitação à desordem coletiva durante greves em São Paulo, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) age para abafar o retorno da discussão sobre a punição aos torturadores da ditadura militar (1964-1985). Para o ex-sindicalista, o tema deve ficar longe do governo e restringir-se ao Poder Judiciário. O "cala-boca" presidencial da semana passada, entretanto, não deve ser suficiente para amordaçar por muito tempo movimentos sociais e setores do governo puxados pelo ministro da Justiça, Tarso Genro.

Ele e o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, são os responsáveis pela ebulição recente do assunto. Em uma audiência pública realizada no dia 31 de julho em Brasília, ambos defenderam que a tortura praticada por agentes do Estado no período é um crime comum e deve ser julgado sob essa ótica. Na prática, reinterpretaram a Lei da Anistia de 1979, que perdoou tanto militares quanto militantes contrários à ditadura.

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"A partir do momento em que um agente pegou o prisioneiro, levou para o porão e o torturou, saiu do que era legal para o próprio regime", exemplificou o ministro, durante o evento. O posicionamento foi imediatamente descrito como revanchista pelos militares, que ameaçaram divulgar uma lista com a ficha dos guerrilheiros "subversivos" que fazem parte do atual governo. Não foi necessário – na terça-feira passada o próprio presidente tratou de colocar panos quentes na discussão.

Sem declarações públicas claras sobre o assunto, Lula sinalizou ter comprado a teoria dos militares e resolveu tratar o tema como uma questão técnica e não política. Após cerimônia no Palácio do Planalto, os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica garantiram que o assunto está encerrado. Genro e Vanucchi engoliram a seco, mas enfatizaram que o assunto não saiu da agenda nacional.

O presidente do Clube Militar, Gilberto Barbosa de Figueiredo, afirmou à Gazeta do Povo que a atitude de Genro foi "inoportuna e deve ser esquecida". Principal porta-voz dos remanescentes da época, o general disse que o caso serviu para expor uma briga entre correntes do governo. "O ministro Tarso fez tudo isso de caso muito bem pensado. É um homem inteligente, que sabe medir seus atos, usou o tema para marcar sua posição dentro do partido. Ele esperava por essa repercussão."

Apesar do contentamento com a postura de Lula, Figueiredo disse que ele é ambíguo. "O presidente precisava ter se manifestado publicamente. Aliás, ambigüidade é a marca deste governo."

O titubeio de Lula também é criticado pelo professor de Direito da Universidade de Brasília, Cristiano Paixão. Estudioso do assunto, ele acredita que o presidente desperdiçou a oportunidade de dar novos rumos para uma discussão que nunca foi encarada de frente pelos presidentes pós-ditadura. "É lamentável. Uma sociedade só prospera se estiver aberta ao próprio passado."

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Paixão afirma que os termos "virar a página" e "colocar uma pedra no assunto" são metáforas importadas da teoria dos militares ao discurso do presidente Lula. "Acho um erro a punição individual aos torturadores, mas é um erro muito maior não aproveitar essa chance para abrir os arquivos da ditadura, resolver de vez as contas com o passado."

Destaque

O presidente do grupo Tortura Nunca Mais do Paraná, Narciso Pires, explica que essa foi a primeira vez em que a responsabilização dos torturadores ganhou destaque. Para ele, a transição democrática só será consolidada após o acerto de contas com os torturadores. "Temos de investir nas ações públicas, acabar com o pacto de silêncio que ainda perdura sobre o assunto."

Pires afirma que a maioria das entidades de apoio às vítimas de tortura não defende a revisão da Lei da Anistia.

O caso notório dessa estratégia envolve os ex-comandantes do Destacamento de Informações do Centro do Operação de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo. Os coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel são alvo de uma ação cível de responsabilização promovida pelos procuradores paulistas Marlon Alberto Weichert e Eugênia Augusta Gonzaga Fávero. Para os procuradores, os crimes de tortura ocorridos no DOI-Codi não estão amparados pela Lei da Anistia porque foram delitos contra a humanidade – imprescritíveis, de acordo com acordos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

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Já os militares têm uma visão oposta. Eles defendem que a tortura não estava tipificada na lei daquele período e que os crimes já estariam prescritos.