O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu nesta segunda-feira (11) que o Executivo não discutirá a interpretação ou a revisão da Lei de Anistia. Para o governo, o debate deve ser conduzido pelo Judiciário. A informação foi dada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, no Palácio do Planalto, após reunião da coordenação política do governo. De Boa Vista, onde acompanhava um treinamento militar, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, avisou que pedirá a Lula nesta terça-feira (12) o fim da polêmica com os militares.
A polêmica começou na semana passada, quando Tarso afirmou que a tortura não pode ser considerada crime político e deveria ser excluída da Lei de Anistia. Em resposta, militares da reserva, com a presença de alguns integrantes da ativa, realizaram ato público para repudiar a iniciativa. Na reunião, no Clube Militar, foi divulgada nota classificando como "extemporânea, imoral e fora do propósito" . a proposta de revisão da Lei de Anistia.
Após a reunião no Clube Militar, Tarso dissera que não pedira revisão da lei de Anistia, mas reafirmou a tese de que tortura não é crime político
Segundo um integrante do governo, Lula chegou a advertir Tarso e a dizer a interlocutores que quer pôr um ponto final na crise. Lula, ainda segundo essas fontes, não esconde sua contrariedade com o surgimento desse debate.
- Isso é como uma ferida, se você cutucar sangra - teria dito o presidente.
Apesar de não ter feito qualquer censura pública a Tarso, Lula também não gostou dos desdobramentos do episódio. Antes mesmo da realização do seminário no Ministério da Justiça onde defendeu a punição a torturadores, Tarso teria conversado com Lula sobre o assunto.
Tarso, no entanto, negou também que tenha levado uma bronca do presidente por ter levantado o debate sobre o tema.
- O presidente pode dar puxão de orelha em qualquer ministro. Isso é de sua competência. Mas eu não levei puxão de orelha - afirmou.
O ministro disse que relatou a Lula o que foi conversado na audiência pública da Comissão de Anistia do ministério, e enfatizou que em nenhum momento propôs a revisão da Lei de Anistia no encontro.
- Ninguém, em nenhum momento, pediu a revisão da Lei de Anistia. Para mim, este assunto está encerrado. Não há nenhum embaraço do governo em relação às Forças Armadas - declarou o ministro.
E completou:
- Obviamente o presidente aceitou e tomou conhecimento dessa orientação através do meu relato. O presidente orientou que qualquer interpretação a respeito da Lei da Anistia é uma interpretação do Poder Judiciário e que o Poder Judiciário não vai compartilhar dessa discussão - disse.
O ministro da Justiça disse, porém, que o Executivo continuará a julgar os processos de anistia e a trabalhar na "memória" dessa parte da história nacional.
- O governo continua trabalhando com as câmaras que julgam os processos de anistia e obviamente o governo continua trabalhando a questão da memória e da informação, um trabalho conduzido pela Casa Civil - afirmou Tarso.
As declarações de Tarso antecipam a opinião de Lula sobre o assunto. Antes, a expectativa era que o presidente só se pronunciasse nesta terça, após cerimônia de apresentação dos oficiais generais recentemente promovidos.
Jobim, que está em Roraima acompanhando a Operação Poraquê, ao lado dos comandantes do Exército, Enzo Peri, da Marinha, Moura Neto, e da Aeronáutica, Juniti Saito, já havia dito que se reuniria com Lula na manhã desta terça para pedir ao presidente que se encerre a polêmica com os militares.
- Vou conversar com o presidente pela manhã. É preciso acabar com isso, encerrar esse assunto. Não podemos ter uma conduta de escalada das tensões - disse o ministro Nelson Jobim.
Jobim reafirmou que os que pretendem rever atos do passado devem recorrer ao Judiciário. O ministro, que já foi presidente do Supremo Tribunal Federal, disse que vê problemas jurídicos para a punição de quem praticou tortura durante o regime militar.
- Essa questão é exclusivamente do Judiciário. Esses atos (de tortura) foram praticados quando? Há trinta anos? Mesmo no Judiciário há esse outro problema, a prescrição penal em abstrato. É relevante lembrar que alguns crimes foram declarados imprescritíveis, mas isso apenas para atos praticados após a Constituição de 1988 - afirmou Nelson Jobim. - O Judiciário é autônomo. Ele é que tome as providências cabíveis. Está tudo prescrito, tanto que o Ministério Público não oferece denúncia contra ninguém.
Nesta segunda-feira, Jobim e o comandante do Exército, general Enzo Peri, disseram desconhecer qualquer intenção de punir o Comandante do Leste, general Luiz Cesário, por ter participado de reunião do Clube Militar, na semana passada, em protesto contra a revisão da Lei de Anistia e a abertura de processo contra militares acusados de terem praticado atos de tortura. Eles disseram não pretendem punir ninguém. O comandante do Exército também espera que o assunto se esgote.
- Qualquer manifestação que coloque um ponto final nisso é bem vinda - disse o general Enzo Peri.Mendes: reabertura do tema tortura causa instabilidade institucional
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, disse nesta segunda-feira, em São Paulo, que não se deve rever os casos de tortura contemplados com a Lei da Anistia. Porém, para ele, tanto a tortura como os atos de terrorismo praticados na época são imprescritíveis, mas não se deve voltar ao assunto agora, porque isso "traz instabilidade institucional". Ele citou exemplos de outros países.
- A inspiração dos nossos coirmãos da América Latina não é a melhor. Tanto é que eles não produziram estabilidade institucional, pelo contrário, eles têm produzido ao longo dos tempos bastante instabilidade.
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