A mãe do menino de 11 anos que foi acorrentado em Porto Alegre (RS) na semana passada disse que prendeu o filho "por amor". Segundo os pais, o garoto é viciado em crack e foi ameaçado de morte, por cometer furtos para conseguir dinheiro e comprar a droga. "Eu decidi acorrentar ele, porque não agüentava mais a situação. Fiz isso por amor a ele. Jamais pensava que ia chegar a este ponto. Não queria ver o meu filho morto", afirmou a mãe ao "Fantástico".
Depois de ser encontrado acorrentado pelo Conselho Tutelar, o menino foi encaminhado a uma clínica para dependentes químicos. A mãe diz que, antes de chegar à internação, a família passou por momentos dramáticos.
Durante sete dias, o menino viveu como um prisioneiro dentro da própria casa. A família afirma que foi um ato extremo, causado pelo medo. Para comprar a droga, o menino começou a praticar pequenos furtos. O pai sofreu ameaças. "Disseram: 'Se tu não deres um jeito de prender teu filho, vamos matar ele'", recorda o pai.
À noite, o garoto dormia acorrentado ao lado da mãe. De dia, era levado para o pátio e permanecia o tempo todo em um carrinho. Nesse local, ele conseguiu alcançar o telefone celular da mãe e ligou para o Conselho Tutelar. Pediu socorro. A imagem do garoto encurvado sobre uma cadeira e acorrentado pelos pés chocou o conselheiro tutelar João Soares. "No nosso entendimento, os pais foram violadores de direito, por ter acorrentado uma criança. Mas, ao mesmo tempo, tornaram-se responsáveis por, pelo menos, manter o filho vivo até que alguém enxergue e faça alguma coisa", observa Soares. Último recurso
Um caso semelhante foi registrado em Manaus (AM). Um adolescente de 15 anos também foi acorrentado pela própria mãe. Viciado em uma mistura de maconha e pasta de cocaína, o garoto já tinha sofrido quatro overdoses.
"Uma atitude como essa revela um último recurso de alguém despreparado, que não encontra uma solução mais adequada para o problema", afirma o procurador de Justiça Paulo Afonso Garrido de Paula.
Já em Feira de Santana (BA), um juiz resolveu intervir no tratamento de uma jovem de 15 anos que tem anorexia. A menina, que apresentava um quadro de desnutrição e depressão, tinha acompanhamento de médicos e psicólogos no Centro de Apoio Psicossocial da cidade. Os especialistas informaram à Justiça que se tratava de um caso grave. Assustado, o juiz Valter Ribeiro acionou o Conselho Tutelar, convocou a polícia e ordenou que a adolescente fosse retirada de casa e internada imediatamente.
Os pais não concordaram com a decisão. A menina foi levada para o hospital no dia do aniversário dela. Chegou com 36 quilos, 12 a menos do que deveria ter.
Situação de risco
A interferência da Justiça é o assunto mais comentado nas ruas de Feira de Santana. O juiz Valter Ribeiro, que ordenou a internação, diz que cumpriu a lei. "A Justiça se preocupou com o restabelecimento da saúde dessa jovem, colocando-a a salvo da situação de risco que, no caso, seria a morte", justifica.
Em casos como o do garoto acorrentado em Porto Alegre e o da menina anoréxica na Bahia, a Justiça tem o direito de intervir e assumir o papel que seria dos pais? "O estado tem o dever de intervir. Quando ameaçada a vida, ou a saúde de crianças e adolescentes, seja por ação, seja por omissão dos pais, a Justiça tem o dever de intervir para garantir o direito à saúde", explica o procurador Paulo Afonso.
Paulo Afonso é co-autor do Estatuto da Criança e do Adolescente e diz que, em ambos os casos, os pais podem ser responsabilizados. "Os pais ficam sujeitos às medidas previstas no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo 129 prevê desde a destituição do poder familiar até a perda da guarda", acrescenta o procurador.
A psiquiatra Sandra Scivoletto diz que os pais que passam por dificuldades com os filhos devem procurar ajuda de médicos e do Conselho Tutelar. "A partir do momento que os pais acham que uma escolha do filho está colocando em risco a integridade física, psicológica e emocional, os pais devem, obrigatoriamente, buscar auxílio", aconselha. Volta para casa
Em Porto Alegre, a repercussão do caso garantiu a internação do menino em uma clínica, onde tem acompanhamento de médicos, psicólogos e psiquiatras. "Isso tudo é para parar de usar droga. Isso não é vida para ninguém", diz o garoto.
O menino deve ficar na clínica por 30 dias. Os pais se preparam, agora, para o momento que os médicos consideram o mais delicado do tratamento: a volta para casa. "Vamos nos unir para fazer o melhor para ele, para ver se ele fica mais em casa, não se envolve mais com as drogas", comenta a mãe.
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