Depois da denúncia apresentada quarta-feira no Jornal Nacional sobre médicos de São Paulo que ofereciam tratamentos falsos com células-tronco, mais um caso foi descoberto, desta vez em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A clínica do doutor César Roberto Maksoud Cabral, especializada em nutrologia médica, oferece o mesmo tratamento.

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A secretária da clínica não faz segredo do tratamento. Procurada pela reportagem do Jornal Nacional, ela confirmou:

- A senhora sabe me dizer se o doutor Maksoud faz tratamento com célula-tronco? - perguntou o repórter, por telefone.

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- Faz - afirmou a secretária.

- E a senhora sabe, mais ou menos, o valor desse tratamento?

- Olha, cada injeção fica mais ou menos R$ 1.500.

No Aeroporto de Congonhas, na capital paulista, uma equipe do Jornal Nacional encontrou o dono da clínica, doutor Sérgio Maksoud, que estava de passagem por São Paulo. A conversa no restaurante foi gravada com uma câmera escondida.

Foi apresentado a ele um caso de uma criança que tem paralisia cerebral, o mesmo que foi descrito à doutora Shirley de Campos e mostrado na quarta-feira no Jornal Nacional.

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- O senhor acha que a gente conseguiria essa célula-tronco para o meu sobrinho? - perguntou a repórter ao doutor Maksoud.

- Eu consigo. Nós somos só três médicos no Brasil. Inclusive eu não posso nem pronunciar célula-tronco para outros médicos porque eles falam que não acreditam. Eu acredito porque tenho curso de medicina quântica também, além da nutrologia médica, né? - afirmou o médico.

A conversa é sempre assim: termos que impressionam e referências a instituições de prestígio. A doutora Shirley usou a mesma tática.

- Eu sou da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp. Só que meu departamento não é na Unifesp, é em Mato Grosso - afirmou a doutora Shirley, quando procurada pela reportagem do Jornal Nacional. Ela também foi gravada sem saber.

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) diz que a doutora Shirley nunca trabalhou lá e que não existe departamento da instituição no Mato Grosso.

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Tanto Maksoud, como Shirley e Fernando Requena, outro médico envolvido na fraude, receitavam um medicamento falso, em pó, que diziam conter células-tronco. A origem do produto é a mesma: Alemanha e China.

O doutor Maksoud chega a alertar que há o risco das pessoas caírem nas mãos de fornecedores pouco confiáveis.

- Tem uns picaretas aí que encomendam da Argentina e terminam até matando o paciente - disse ele na conversa no restaurante do Aeroporto de Congonhas.

O pó que os três vendem não tem registro na Vigilância Sanitária (Anvisa).

- No caso da venda ou da utilização de drogas que são irregulares, clandestinas ou mesmo falsificadas existe mesmo a previsão de que isso seja enquadrado como crime hediondo - afirmou Cláudio Maierovitch, diretor da Anvisa.

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Diante de casos difíceis, não há garantia de que o falso remédio à base de células-tronco dê os resultados previstos, e o tratamento pode ser longo e caro, dizem os três médicos envolvidos na fraude. Mesmo assim, eles alimentam os sonhos dos pacientes que os procuram contando casos de cura que mais parecem casos de milagres do que resultados positivos da medicina.

- Eu tenho outras duas crianças excepcionais, que deixaram de ser excepcionais, que tem até 90% das funções. Isso significa o que? Que de alguma forma houve uma regeneração celular - afirmou o doutor Maksoud.

- Eu tenho uma paciente de 40 anos no HC, com artrite reumatóide, endurecida sem andar na cadeira de rodas. Apareceu aí, eu falei, nós vamos fazer. O que é que você tem a perder? Nada. A partir de então, ela tá andando - afirmou Shirley.

Segundo Lucila Medeiros, mãe de Karine, que nasceu com paralisia cerebral e foi tratatada pelo doutor Requena, ele também ofereceu esperanças de recuperação para a mãe, que sofre de câncer.

- Ele me disse pra levá-la ao consultório porque em muitos casos de cura até - acusou Lucila.

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Apesar dos alardes sobre os resultados positivos conseguidos com o falso medicamento, nenhum dos três médicos acusados faz parte das equipes autorizadas a pesquisar as células-tronco no Brasil.

Andréa Bezerra de Albuquerque, presidente da ONG Movitae, acompanha cada passo dado pelos cientistas brasileiros nesse campo. Ela acredita que o desespero leva as pessoas a procurar essas terapias alternativas. Ela dá uma dica importante:

- Quase toda patologia tem uma associação vinculada a ela. É importante que as pessoas que precisem de ajuda devem entrar em contato com as respectivas associações para saber o que as pessoas que têm essa doença estão fazendo e qual o tratamento mais adequado - diz Andrea.

Lucila estava determinada a fazer o que fosse possível e necessário para ajudar a filha Karina. Mas depois de ver sua filha ter convulsão por ter tomado o falso remédio ministrado pelo doutor Requena, ela mudou de idéia.

- Sempre que te oferecerem uma coisa boa demais, extremamente boa, que parece que caiu do céu só para você, antes de aceitar, pesquise - afirma ela.

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Mayana Zatz, professora titular de genética na Universidade de São Paulo (USP), é categórica ao afirmar:

- Célula-tronco em pó não existe. Tratamento cobrado nessa área, também não existe - afirma.

Ao ver a denúncia na quarta-feira no Jornal Nacional, a revolta de Lucila aumentou com o descaso dos médicos com seus pacientes.

- Se ele quisesse fazer isso comigo, é uma coisa. Mas com minha filha, uma menina que tem paralisia cerebral, sabe, é muito cruel - disse ela, entre lágrimas.

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