Dois laudos de vistorias em obras do metrô de São Paulo mostram que há problemas graves de estrutura. Um dos especialistas chega a afirmar que há riscos de acidentes de proporções imprevisíveis. Os relatórios foram obtidos com exclusividade pelo Jornal Nacional. Um inspetor vistoriou as obras da Estação Fradique Coutinho 15 dias depois do desabamento que matou 7 pessoas na Estação Pinheiros em 12 de janeiro. As duas estações ficam próximas e fazem parte da Linha Amarela, que ligará o centro a zona sul de São Paulo.
Quem fez a vistoria foi Nelson Augusto Damásio, inspetor credenciado pela Fundação Brasileira de Tecnologia da Soldagem. Damásio foi contratado pelo consórcio de empreiteiras para atestar a qualidade da solda na estrutura metálica, mais precisamente em um conjunto de vigas distribuído em camadas a uma profundidade de mais de 20 metros. É a estrutura metálica que sustenta as paredes da futura estação. Ela será removida quando as lajes estiverem prontas. A estrutura provisória se prolonga para a plataforma que está sendo construída debaixo da Rua dos Pinheiros.
Neste estágio da obra, a estrutura metálica é fundamental para resistir a pressão do solo. Ela impede que as paredes de concreto se rompam e provoquem o desabamento do terreno. Segundo o inspetor Damásio, a estrutura, no entanto, está comprometida por causa da soldagem que liga uma viga a outra. O laudo dele diz claramente: "a situação da estrutura implica sério risco de rompimento das soldas podendo ocasionar acidentes de proporções imprevisíveis". O inspetor recomenda a paralisação da obra até que a solda seja refeita. O inspetor foi encontrado no litoral de São Paulo.
- Eu não tenho nada a declarar. Você tem que falar com o pessoal do Consórcio. Fui contrato, fui lá, fiz a avaliação e passei para eles. Agora, o laudo é de propriedade deles - disse Damásio.
O laudo da Estação Fradique Coutinho foi feito com base em uma inspeção que durou a manhã inteira de sábado, dia 27 de janeiro. Dois engenheiros da obra acompanharam o inspetor de soldagem. A vistoria apontou 15 tipos de problemas, todos relacionados à falta de método adequado e à falta de gente preparada para fazer o serviço. O laudo foi levado para a análise do engenheiro especializado em soldagem José de Deus Brito, indicado pela fundação que qualifica inspetores. Brito trabalha em obras de grande porte como plataformas de petróleo, oleodutos e gasodutos.
- Eu até fiquei surpreso porque a gente trabalha em obras grandes e dificilmente acontece isso. Realmente, são coisas que aconteciam 20, 30 anos atrás, quando o pessoal não tinha a menor consciência do que era uma sondagem bem feita - afirmou Brito.
O engenheiro aponta os principais problemas relacionados no laudo e explica o significado nos termos técnicos: solda menor do que o recomendado, o que fragiliza as emendas.
- Isso quer dizer que pode ali, onde está faltando material, iniciar um processo de ruptura - explicou Brito.
O processo de soldagem feita com material inadequado é conhecido como "bacalhau".
- É um artifício para encher mais rápido uma junta soldada. Você não está usando uma solda, mas preenchendo com outras coisas. Depois só passa um revestimento de solda para uma falsa aparência que aquilo tudo é solda maciça. É como se fosse um ovo que você pensa que é maciço, mas na verdade é uma casca - acrescentou Brito.
O engenheiro aponta também falta de cuidado com o metal usado na solda.
- Esse material, se não for tratado adequadamente, com temperatura elevada, pode, quando estiver derretendo, introduzir hidrogênio na solda. E o hidrogênio fragiliza a junta soldada e mais tarde acarretar uma ruptura - disse Brito.
O laudo também relata que na estrutura há vigas soltas, sem qualquer tipo de solda.
- Quer dizer, não teve a união das partes. Isso pode acarretar em um colapso de toda a estrutura. Essa estrutura pode desabar. E a gente não pode ter essa palavra pode acontecer. Fazendo bem feito não vai acontecer problema nenhum - afirmou o engenheiro.
Um outro inspetor, também contratado pelo Consórcio Via Amarela, analisou a estrutura duas semanas atrás. O especialista reprovou as soldas porque constatou porosidade e trincas.
- A trinca é um risco grande. Ela pode crescer com o tempo. A porosidade, embora seja um problema menos sério do que uma trinca, também compromete a integridade estrutural do que está construindo - afirmou Sérgio Brandi, que dá aulas de soldagem na Faculdade de Engenharia da Universidade de São Paulo.
Ele escreve artigos científicos para publicações internacionais. O professor se espantou ao saber que a inspeção só foi feita depois do deslizamento na estação vizinha. Faz mais de um ano que a estrutura começou a ser montada na Fradique Coutinho.
- Esta inspeção deveria ser feita ou após a soldagem ou até 48h após a soldagem, dependendo da composição química do aço. E não muitos meses depois. Se garante a qualidade, você trabalha com a questão de minimizar o risco - disse Brandi.
O resultado dessas vistorias nunca veio a público. E apesar dos riscos apontados pelos laudos a obra continuou sendo tocada normalmente. A única novidade é a presença de uma equipe chamada especialmente para consertar os estragos. Sem saber que a conversa estava sendo gravada, um dos soldadores disse que a equipe refez 20% das soldas mal feitas.
O metrô se comprometeu a dar explicações no canteiro de obras da Fradique Coutinho, mas o engenheiro responsável pela linha 4 não compareceu. Ele falou por telefone. José Roberto Leite Ribeiro informou que o Metrô não recebeu os laudos que reprovam a estrutura metálica, mas disse que confia no Consórcio e assegurou que não há risco de acidentes.
- Eu te garanto que a obra está segura - disse Ribeiro.
Em nota divulgada na noite desta terça-feira, o Consórcio Via Amarela não fala em risco e nem em paralisações da obra como recomendam os laudos. O Consórcio diz apenas que a contratação de consultores é rotina e que seguia a recomendação de contratar uma empresa especializada para assegurar a qualidade do trabalho de soldagem.
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