Forças políticas
Sem estrutura, Marina não conseguiu romper a polarização PT-PSDB
Um dos indicadores do baixo efeito eleitoral dos protestos de junho foi a polarização na eleição presidencial. Apesar do sucesso inicial de Marina Silva (PSB), Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) concentraram os votos no primeiro turno e fizeram, juntos, 75,1% dos votos válidos. Desde 1994, as votações de PT e PSDB estão perto desse patamar na eleição menos polarizada de todas, 2002, Lula (PT) e José Serra (PSDB) somaram 69,9% dos votos.
Para o cientista político Luiz Domingos Costa, a força política de petistas e tucanos explica, em parte, essa polarização. Os dois são os únicos partidos com densidade suficiente para atuar como protagonistas nas eleições presidenciais. Por um lado, contam com palanques em todas as regiões, ao contrário do PSB de Marina ou de outros candidatos e partidos que já tentaram se colocar como terceira via. Além disso, as duas siglas têm mais capacidade de arrecadação, mais organização e mais tempo de tevê devido a suas alianças.
No início do primeiro turno, Marina parecia uma ameaça real à polarização. A ex-senadora se apresentou como uma terceira via e bateu fortemente na tecla da "nova política", tentando, entre outras coisas, alcançar o público das manifestações de 2013. Mas em dois meses de campanha, ela caiu gradualmente nas pesquisas e terminou o primeiro turno 12 pontos porcentuais atrás de Aécio com 21,3% dos votos válidos. Costa considera que um dos fatores que contribuíram para essa derrocada foi a falta de estrutura e a necessidade de formar alianças inconsistentes para contornar esse problema.
O cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, avalia que decisões da própria campanha de Marina também pesaram muito no fracasso de sua candidatura. Um exemplo foi o lançamento de um programa de governo que serviu de munição para os adversários. As inconsistências relativas à sua posição em relação aos direitos dos homossexuais e a proposta de independência do Banco Central são exemplos disso.
46% foi o porcentual de renovação na Câmara dos Deputados nestas eleições. Em 2010, havia sido de 44%.
61% dos governadores que tentaram se reeleger neste ano venceram a disputa. Em 2010, a taxa foi de 65%.
Em junho de 2013, milhões de manifestantes saíram às ruas das grandes cidades do Brasil para protestar por melhorias nos serviços públicos e na qualidade de vida. A dimensão das manifestação teve um impacto negativo imediato na popularidade da classe política. A previsão era de que grandes mudanças ocorreriam durante o processo eleitoral. Pouco mais de um ano depois, os resultados das urnas mostram que as jornadas de junho tiveram um efeito muito pequeno, talvez nulo, nas eleições. Mais uma vez, PT e PSDB polarizaram a disputa presidencial. Governadores foram reeleitos ou elegeram sucessores na maioria dos estados, muitos no primeiro turno. Além disso, a taxa de renovação da Câmara Federal não se alterou significativamente em relação a eleições anteriores.
INFOGRÁFICO: Veja como ficou a Câmara após as eleições
O primeiro indicativo de que pouca coisa mudou não está apenas na reeleição de Dilma Rousseff (PT) sobre Aécio Neves (PSDB), mas em como acabou o primeiro turno. Em 2010, PT e PSDB, juntos, fizeram 79,5% dos votos. Quatro anos depois, os dois fizeram 75,1% ou seja, a polarização política na disputa presidencial, que ocorre desde 1994, se manteve inalterada.
Nas eleições para governador, a história se repetiu. A taxa de reeleição em 2014 foi ligeiramente menor do que a de 2010 e 2006 (61%, contra 65% e 71%, respectivamente) longe de fugir do padrão. Além disso, a renovação foi maior em estados pequenos, distantes dos epicentros das manifestações. Nos grandes, a tendência foi de reeleição ou de eleição do candidato apoiado pelo atual governador. Nos dez maiores colégios eleitorais do país, em apenas três a oposição ganhou: Minas Gerais, Rio Grande do Sul (único estado que nunca reelegeu um governador) e Maranhão (mais em função do desgaste da família Sarney do que por qualquer outro motivo).
Na Câmara, o porcentual de renovação foi ligeiramente mais alto do que nas eleições passadas (44% contra 46%). Mas isso se deve mais ao número relativamente baixo de candidatos à reeleição (391, o menor desde 1990) do que ao desejo de mudança do eleitor. A taxa de sucesso dos deputados que tentaram a reeleição foi uma das mais altas da história: 69,8%, inferior apenas à de 2010, de 70,2%.
Discurso
Se nas urnas o eleitorado manteve o padrão de escolha das eleições anteriores, no discurso as jornadas colaboraram para pautar as campanhas dos principais candidatos. Aécio, por exemplo, focou sua comunicação no slogan da mudança a começar pelo nome de sua coligação: Muda Brasil. No último debate, ele tentou se aproveitar da aversão manifestada nas jornadas de junho pelos partidos políticos dizendo que não era o "candidato de um partido, e sim de um sentimento de mudança".
Dilma, por outro lado, mesmo sendo candidata à reeleição, teve na sua campanha o "muda mais" como palavra de ordem. Além disso, já no seu discurso de vitória, apontou para a necessidade de uma reforma política.
Modelo eleitoral do país favorece candidatos tradicionais
Diversos fatores explicam o baixo impacto político das manifestações de 2013. O sistema brasileiro de votação para o Legislativo, aliado ao caráter diluído dos protestos, ajudou a manter os índices de renovação da Câmara Federal em patamares estáveis. No Executivo, pesou a falta de opções eleitoralmente viáveis e prevaleceu a melhor estrutura de campanha dos candidatos de partidos tradicionais.
Para o cientista político Luiz Domingos Costa, do grupo Uninter, as manifestações foram mais voltadas para a qualidade dos serviços públicos e o alvo principal acabou sendo o Poder Executivo o que explica o Congresso pouco renovado em relação a eleições anteriores. Além disso, o movimento foi difuso, o que dificultou a apropriação dos protestos por qualquer força política.
Por outro lado, diz Costa, os candidatos de direita foram beneficiados pelas urnas, que elegeram um Congresso mais conservador. Muitos concorrentes ganharam a simpatia popular ao adotar o discurso "contra a baderna" (as manifestações de 2013 acabaram quando ficaram violentas).
Outro fator importante, segundo o cientista político da PUCPR Mario Sérgio Lepre, é o sistema de votação "ininteligível" para deputado federal. A população não compreende que, ao votar em um candidato, vota também em um partido. Com isso, muitos votos em candidatos novos acabaram apenas contribuindo com votos de legenda para políticos tradicionais.
Governadores
Nos governos estaduais, a renovação também foi limitada. A maior parte dos grandes colégios eleitorais do país alguns dos quais foram epicentros das manifestações reelegeu o governador ou elegeu um aliado do atual governador. São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia são exemplos. Para o cientista político Mario Sérgio Lepre, a falta de opções eleitoralmente viáveis explica a manutenção desses grupos políticos no poder.
Um exemplo, segundo ele, é o Paraná. Beto Richa (PSDB) concorreu com apenas dois candidatos de oposição eleitoralmente viáveis: Roberto Requião (PMDB), já com três mandatos de governador, e Gleisi Hoffmann (PT), alinhada com o governo federal que também foi alvo de protestos. Nenhum deles poderia ser considerado uma novidade.
Fim da reeleição entrou na campanha
O debate sobre o fim da reeleição ganhou força durante o segundo turno da eleição presidencial. O candidato Aécio Neves (PSDB) colocou essa proposta como um compromisso de campanha, após receber o apoio de Marina Silva (PSB). Seria uma forma, em tese, de tornar a disputa eleitoral mais equilibrada. Os números mostram, entretanto, que ser candidato à reeleição nunca foi garantia de vitória. Desde 1998, a taxa de sucesso entre governadores oscilou entre 56% e 71% o que significa que, em todas as eleições, pelo menos 29% dos governadores foram derrotados.
Um dos principais argumentos é que o governador tem muita vantagem sobre os adversários, por meio do uso da máquina pública. Entretanto, o argumento desconsidera que um mau governo também se torna um telhado de vidro. Além disso, é preciso considerar que o uso da estrutura do Estado não se limita a candidatos à reeleição. Muitas vezes, o governador lança mão desse tipo de expediente para eleger um sucessor, por exemplo.
Para Luiz Domingos Costa, o fim da reeleição pode até ser pior para a democracia do que a sua manutenção. De acordo com ele, a possibilidade de se reeleger serve como um "incentivo" para que governantes deem ouvidos à opinião pública. "É uma visão muito atrasada achar que a corrupção, por exemplo, está atrelada à reeleição", afirma. Além disso, a maioria dos regimes democráticos no mundo permite, ao menos, uma tentativa de se reeleger.
Deixe sua opinião