| Foto: Wilson Dias/ABr

Um dos dissidentes do PT que fundaram o PSol após o escândalo do mensalão, em 2005, o carioca Chico Alencar esteve entre os poucos deputados que insistiram no debate a favor da cassação do colega Natan Donadon (ex-PMDB-RO), na última quarta-feira. Para o parlamentar, o resultado da sessão significa uma "degeneração absoluta" da Câmara, que admitiu que um presidiário pode manter o mandato parlamentar. Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 13 anos de prisão pelo desvio de R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia, Donadon está detido há dois meses no Presídio da Papuda, no Distrito Federal.

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Alencar disse que o episódio não foi o pior que acompanhou ao longo de três mandatos consecutivos na Câmara, mas o "mais surpreendente". "O Natan conseguiu até ser expulso do PMDB – e olhe que é difícil o PMDB expulsar alguém por questões éticas. Todo mundo dizia que ele não tinha expressão política e seria cassado. No entanto, o espírito de corpo falou mais alto", avaliou, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.

O sr. se referiu à decisão de não cassar Donadon como um pesadelo. Quando ele vai acabar?

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Falei isso porque o dia da sessão do caso Donadon caiu justamente no cinquentenário do célebre discurso de Martin Luther King, o "Eu tive um sonho...". Agora, o fim desse pesadelo depende da população e, mais do que do fim do voto secreto, do voto consciente do povo em cada eleição. A qualidade da nossa representação nesta legislatura revelou-se muito ruim. A maioria dos deputados – somando os que votaram pela não cassação, os que faltaram e os que estavam presentes na Câmara, mas não votaram – considerou que cometer crimes não é incompatível com o mandato político. Manter um deputado-presidiário é uma degeneração absoluta.

Esse foi o pior momento que o sr. viu na Câmara ao longo dos seus três mandatos?

O pior eu não digo. Já vi muita coisa ruim acontecer na Câmara. Vi a absolvição da Jaqueline Roriz [deputada do PMN filmada recebendo dinheiro do pivô do mensalão do Distrito Federal, Durval Barbosa], dos mensaleiros [entre 2005 e 2006], à exceção de Pedro Corrêa (PP-MT), José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ). Houve ainda sessões altamente suspeitas, como a recente votação da Medida Provisória dos Portos. Eu diria que, na verdade, essa de agora foi a de resultado mais surpreendente. Tudo apontava para a cassação. O Natan conseguiu até ser expulso do PMDB – e olhe que é difícil o PMDB expulsar alguém por questões éticas. Todo mundo dizia que ele não tinha expressão política e seria cassado. No entanto, o espírito de corpo falou mais alto.

A não cassação de Donadon foi uma prévia do que deve ocorrer com os quatro mensaleiros condenados pelo STF e que têm mandato de deputado?

Foi uma tentativa. Toda essa história começou uma semana antes, na Comissão de Constituição e Justiça, quando não conseguimos aprovar a cassação automática do Donadon. Perdemos por 39 a 16 e o caso foi a plenário. Ainda insisto que, apesar disso, o resultado final foi muito surpreendente. É evidente que teve gente, puxada pela base do governo, que fez o que fez pensado nesses quatro. Só que o tiro pode ter saído pela culatra porque a vergonha é tanta, a repercussão foi tão negativa, que não vai ter como manter o voto fechado para as próximas análises de cassações. A nova tática deles agora será protelar a aprovação da PEC do Voto Secreto.

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Apesar dessas tentativas, dá para acreditar que desta vez a proposta de emenda à Constituição do fim do voto secreto sairá mesmo da gaveta?

Em 2007, a Câmara estava envergonhada após a absolvição [manutenção do mandato] de vários envolvidos no mensalão e aprovou em primeiro turno a PEC 349/2001, que prevê o fim do voto secreto para todas as decisões do Congresso. É o que eu defendo: o representado tem o direito de saber sobre todo e qualquer voto do seu representante, que inclusive tem imunidade parlamentar para isso. O problema é que o clamor popular diminuiu e, depois, a proposta voltou para a gaveta. Agora o que eles querem votar é a proposta que acaba com o voto secreto apenas para cassações (PEC 196/2012), que já passou pelo Senado e está em comissão especial na Câmara. Eu acredito que essa será votada em breve. Mas já vejo sinais estranhos, como a convocação de uma audiência pública para tratar do tema na próxima terça-feira. Relembro que os dois maiores partidos, o PMDB e o PT, demoraram à beça para indicar os seus representantes para a comissão especial. Tanto que a indicação teve que partir do presidente da Casa, que estava pressionado e não podia mais esperar. Havia uma nítida má vontade dos partidos.

A postura do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), durante a votação da cassação de Donadon colaborou para o resultado?

Acho que não. Ele fez tudo o que o regimento manda. Quem conduziu mal a sessão foram os outros participantes. Havia só dois deputados inscritos para encaminhar a votação, eu e o Jutahy Júnior (PSDB-BA), quando o normal é você ter que pedir para encerrar os discursos de tanta gente que quer falar. Ou seja, não havia interesse de debater a matéria. O que houve foi a impaciência do corporativismo, como os gritos de "Vamos votar, vamos logo!" enquanto eu falava. No fundo a responsabilidade não foi do presidente, mas sobretudo dos que se ausentaram.

Fora o fato de o voto ser secreto, por que é tão difícil cassar deputados?

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O primeiro motivo óbvio é o corporativismo. O segundo é o medo que o deputado tem de estar amanhã na situação do colega. Durante a sessão, um deputado virou para mim e disse: "Hoje é o Donadon; amanhã pode ser qualquer um de nós". Eu discordo totalmente. Embora o Donadon tenha dito que não roubou um centavo, é impossível uma pessoa que foi acusada há 17 anos, em um processo que durou mais de dez anos, com foro privilegiado, amplo direito de defesa, não tenha cometido um delito grave e tenha sido condenado devido apenas a uma percepção errada do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele foi condenado por peculato por unanimidade no STF. E, no caso da acusação por formação de quadrilha, houve apenas uma divergência, do então ministro Cezar Peluso. Achar que a condenação foi uma invenção é que é uma invenção.