A disputa política estabelecida no Parlamento a partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, teve como consequência a promulgação de um texto extremamente extenso e analítico, avaliou o senador Marco Maciel (DEM-PE). Além de parlamentar constituinte, ele também ocupou a chefia da Casa Civil da Presidência da República do governo José Sarney, órgão de articulação política do presidente com o Congresso.

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Maciel ressaltou, em entrevista Agência Brasil, que os embates tiveram como pano de fundo questões circunstanciais como a definição de uma taxa máxima anual de 12% de juros e outras de caráter ideológico como a definição do sistema de governo (presidencialista ou parlamentarista).

O detalhismo da Constituição Cidadã deve-se em grande parte, na avaliação do parlamentar, a insegurança dos constituintes e das forças de pressão que atuavam sobre eles. "Todo mundo considerava que só estaria seguro se colocasse na Constituição porque a lei não era sempre cumprida,observda", relata o parlamentar.

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Na década de 90, recorda Marco Maciel, o Ministério da Justiça fez um levantamento dos dispositivos constitucionais que ainda dependiam de regulamentação por lei ordinária para que passassem a entrar em vigor. O número não foi nada animador para os deputados e senadores. Nada menos que 269 determinações constitucionais não poderiam ser efetivadas por falta de regulamentação."Um trabalho hercúleo", definiu Maciel.

Mesmo assim, osenador considera que a Constituição proporcionou sociedade avanços nos campos econômico, institucional e social. Juridicamente, ele destaca a criação de instrumentos legais como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), o Mandado de Injunção e o Habeas Data que garantem ao cidadão maior poder de participação em decisões de Estado.

No campo social, Marco Maciel ressalta a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e dispositivos legais específicos de proteção ao idoso, ao adolescente e s minorias como uma conquista dos constituintes de 1988. Até no capítulo que trata do ordenamento econômico do país, Maciel observa avanços como a definição de modelos para o Sistema Financeiro Nacional e o ordenamento das micro e pequenas empresas.

Nem a fixação da taxa de juros em no máximo 12%, derrubada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi capaz de macular o trabalho dos constituintes neste capítulo específico, pondera Maciel.

No que tange definição de uma nova modelagem política para o país os trabalhos dos constituintes tiveram idas e vindas. A definição do sistema de governo foi o tema principal desses debates. Marco Maciel afirma que Ulysses Guimarães, um presidencialista convicto como ele, teriase integradoao grupo parlamentarista por força de uma crescente pressão que vinha sofrendo, principalmente por colegas peemedebistas.

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O Doutor Ulysses reunia-se quase que diariamente com parlamentares mais próximos para discutir os assuntos sensíveis dos trabalhos em andamento. Esse grupo político ficou conhecido com "Clube do Poire" e dele participavam, entre outros, Renato Archer, Severo Gomes, Pedro Simon, Pacheco Chaves, Carlos Sant'Anna, Fernando Lyra e Heráclito Fortes.

Marco Maciel relata que, num determinado dia, recebeu telefonema de Ulyssesque o convidou "para tomar um uísque" na casa do então senador Severo Gomes. Foi nesse dia, de acordo com Maciel, que entre um uísque e outro Ulysses Guimarães teria assumido o compromisso, apesar de "constrangido", de se engajar ao grupo parlamentarista.

Passados 20 anos, Maciel ainda recorda o que lhe disse no encontro o presidente da Consituinte: "Olha, com essas discussões, eu sou presidencialista mas você sabe, estou sendo muito pressionado (pelo partido)e queria rever a posição. Queria colocar isso". Em resposta, Ulysses e Severo Gomes ouviram a seguinte colocação de Maciel: "Tá bom Doutor Ulysses, só queria fazer uma colocação para o senhor eu continuo na mesma posição, não tenho como me afastar mesmo porque já fiz uma mobilização".

No momento seguinte, Marco Maciel retornou ao Congresso e deu ciência ao também presidencialista senador Humberto Lucena (PMDB-PB) sobre o teor da conversa. Lucena já tinha colhido assinaturas de apoio a uma emenda constitucional para preservar o sistema presidencialista. A decisão foi "cair em campo" para acelerar o debate sobre o assunto e garantir a vitória do atual sistema de governo uma vez que, como relata Maciel, "o Doutor Ulysses estava do outro lado".

O senador pernambucano ainda chegou a ser sondado sobre o assunto, numa segunda vez, pelo então deputado Franco Montoro (PMDB-SP), outro parlamentarista por convicção. Na conversa, Montoro apresentou-lhe a tese de um parlamentarismo com características presidencialistas. "Um presidencialismo parlamentarizado ou um parlamentarismo presidencializado", resume Maciel.

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Por fim, a Constituição Cidadã acabou aprovando uma legislação tipicamente parlamentarista para um regime presidencialista com cinco anos de governo para o presidente. Até hoje, Marco Maciel guarda a convicção de que o processo institucional continuará vivendo sucessivas crises até que se realize uma efetiva reforma política. "Esse é o maior desafio, institucionalizar o país, fortalecer as instituições. Não adianta a gente acreditar que vai melhorar o país sem fazer essas reformas. A sociedade já começou a perceber isso".